Frei
Alexander Vella, O.Carm.
Não
se pode esquecer o influxo que este texto teve na tradição bíblica sucessiva,
sobre Elias. Os textos como Mal 3,23-24; Sir 48,9-11 e as referências a Elias
que se encontram nos Evangelhos são todas baseadas nesta idéia: Elias foi
arrebatado ao céu e voltará no fim dos tempos. Entretanto, a história não faz
parte do ciclo de Elias, mas do ciclo de Eliseu, para o qual serve de
introdução. Sua finalidade é a de apresentar Eliseu como autêntico sucessor de
Elias e por isto, em certo sentido, pode ser considerada como paralela a 1 Reis
19,19-21. As duas histórias são provavelmente duas tradições independentes
sobre a sucessão de Eliseu.
A
narração é composta tardiamente e provém da escola deuteronomista. Pode também
ocorrer que seja formada por duas tradições independentes porque o texto fala
de duas formas diversas com as quais Elias é arrebatado: um turbilhão (vv.
1.11b) e um carro de fogo (v.11a). Muito mais tarde Siracide (Eclo) procurara
resolver esta incongruência afirmando que Elias foi "arrebatado em um
turbilhão de fogo"(Ecl 48,9), uma expressão que tem pouco sentido e que
busca unificar as duas tradições diversas encontradas na composição da
história de 2 Reis 2.
Já
em 1956 J. Steinmann supunha que a história não é do gênero literário histórico
(ver "Elie dans le Ancien Testament", Elie le Prophète, I; Études
Carmelitanes, 35, Paris 1956, p. 112). Supõe que se trata de um
"Extase de Eliseu" (visão ou êxtase), enquanto assistia a morte de
Elias. Atualmente não se busca explicar mais o texto do ponto de vista da
história, mas procura-se, sobretudo, o significado da história tal como é
contada.
1. A estrutura do
texto
A
história está disposta em forma concêntrica. Nos dois extremos da estrutura,
vv.1-6 (A) e vv.16-18 (A'), encontramos a expressão do desejo da figura
secundária de participar do mistério da morte de Elias, o que pede à figura
principal.
Em
A a figura principal é Elias e a secundaria é Eliseu, enquanto que em A' a
figura principal é Eliseu e a secundaria os filhos dos profetas. Em ambos os
casos a figura principal revela o desejo de reservar-se o mistério que está por
acontecer ou acaba de acontecer. Assim, em A por três vezes Elias pede a Eliseu
«fique aqui» (v. 2.4.6) e em A’ Eliseu ordena aos discipulos "Não os mandeis"
(v.16). Contudo, em ambos os casos a figura principal acaba cedendo. Quanto ao
desejo de Eliseu de participar da partida de Elias, aparece satisfeito na cena
central da história, enquanto que permanece insatisfeito o desejo dos filhos
dos Profetas (vv. 17b-18).
No
centro encontramos os versículos 7-15 (B). Também esta parte é construída de
forma concêntrica:
A
- Os filhos dos profetas acompanham a cena de longe (v.7).
B
- Elias divide as aguas do Jordão com o seu manto e o atravessa a pé enxuto com
Eliseu (v.8).
C
- Eliseu pede a Elias dois terços do seu espírito e Elias responde que o obterá
se o vir ser arrebatado (vv.9-10).
D
- Elias é arrebatado ao céu (v.11).
C'
- Eliseu o vê no momento e depois não o vê mais (v.12).
B'
- Com o manto de Elias, Eliseu divide as águas do Jordão e o atravessa a pé
enxuto (vv. 13,14).
A'
- Os filhos dos profetas presenciam isto de longe (v.15).
2. Interpretação
Antes
de interpretar a estrutura que apresentamos é conveniente levar em conta a
tipologia mosaica que encontramos neste texto. Elias divide as águas do Jordão
com o seu manto enrolado tal como Moisés havia dividido as águas do Mar dos
Juncos com o seu bastão (Ex. 14,16-21). Vai concluir depois a sua vida em outra
parte do Jordão, onde morreu Moisés também (Deut 34,1-5). Antes de morrer,
Moisés transmitiu os seus poderes a Josué (Deut 31,7-8) que demonstrou ser
verdadeiro sucessor de Moisés, realizando também o mesmo milagre de Moisés
dividindo as águas do Jordão (Jos 3,7-19) e sendo assim reconhecido pelos
israelitas. Nesta nossa história os poderes proféticos de Elias passam a Eliseu
que repete o milagre de seu mestre e, é imediatamente reconhecido pelos filhos
dos profetas como verdadeiro sucessor de Elias (vv. 14-15).
Voltemos
à estrutura do texto. Ao centro D temos o arrebatamento de Elias que é narrado
com as características de uma verdadeira teofania. O turbilhão, o carro de
fogo, os cavalos aparecem como elementos desta teofania em Is 66,15; Ez 1,3;
Hab 3,8; Zac 9,14; Sl. 18,11 e Sl 50,3. Em seguida o arrebatamento é
apresentado como um elemento glorioso e luminoso. A este mistério querem
participar tanto Eliseu (A vv.1-6) como os filhos dos profetas (A' vv.16-18).
Ao primeiro é concedido porque "vê» Elias arrebatado ao céu (v.12)
enquanto que o mesmo não foi concedido aos filhos dos Profetas que não
conseguiram entender o mistério (vv. 16-18). Esta distinção entre Elias e os
filhos dos Profetas não é casual.
A
morte é o momento do último testamento, quando a herança passa do pai para o
filho. Elias quer deixar também alguma coisa a Eliseu (v.9a). Entretanto o que
Eliseu pede a Elias não é simplesmente uma parte da herança mas as duas terças
partes ou seja, a herança que cabe ao primogênito (v.9b; ver Deut 21,17). Além
da metáfora, Eliseu está a pedir a Elias que o reconheça como seu filho
primogênito ou seja como seu sucessor a frente de seus outros discípulos, os
filhos dos Profetas. Entretanto, o dom da Profecia não é algo que o próprio
Elias possa transmitir; somente Deus pode concedê-lo. Em vista disto, Elias
responde: "Pedes uma coisa difícil, entretanto se me vires quando eu for
arrebatado de ti, isto te será concedido" (v.10). Significa tal resposta
que somente aquele que é iniciado no mistério torna-se profeta.
Elias
é arrebatado e Eliseu o "vê", isto é, participa plenamente deste
passamento glorioso. É um fenômeno transcendente e rápido. Por isto se diz que
o "vê" e depois não o viu mais (v.12). Eliseu grita e rasga as suas
vestes, forma característica de chorar um morto. Entretanto, ao mesmo tempo o
seu grito é também uma confissão: reconhece Elias como aquele que guiou
realmente Israel (carro e cavalaria de Israel) mais que o rei. Depois de haver
rasgado as próprias vestes toma o manto de Elias. Isto pode ser intendido como
gesto de despojamento dos próprios interesses para assumir os de Elias. Em
termos nossos, Eliseu deixa a sua identidade pessoal para assumir a identidade
de Elias. O seu desejo é plenamente atendido. Vê Elias, é investido da sua
autoridade profética e pode então realizar os gestos de Elias (v.14),
tornando-se reconhecido como seu verdadeiro sucessor: "Verdadeiramente o
espírito de Elias está sobre Eliseu" (v.15).
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