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terça-feira, 21 de julho de 2015

A EVANGELIZAÇÃO DO BRASIL COLONIAL[1]

(Primeira época)
   
            Oficialmente os primeiros portugueses chegaram no Brasil em 22 de abril de 1500 com a frota naval comandada por Pedro Álvares Cabral, que seguia para a Índia. O primeiro nome dado à terra encontrada foi: Ilha de Vera Cruz. Como viram que era muito maior do que uma ilha, rebatizaram com o nome de Terra de Santa Cruz. Só posteriormente passou a se chamar Brasil.
            Para a colonização, D. João III decidiu aplicar no Brasil o sistema de capitanias hereditárias, que era então a melhor forma de colonizar sem gastar e assegurar o território recém encontrado. Este sistema, se foi um sucesso na ilhas dos Açores e Cabo Verde, foi em geral um fracasso no Brasil. Por isso foi tomada a decisão de se criar um governo-geral com poderes centralizados em 1548. No ano seguinte chegou o primeiro governador, Tomé de Sousa, fundou a cidade de Salvador da Bahia e ali instalou a primeira capital brasileira em 1549.

            Devido ao Padroado, a Igreja no Brasil não tinha independência e autonomia durante o período colonial[2]. Após a independência (1822) o Padroado continuou em vigor até a proclamação da República (1889), quando se estabeleceu a separação definitiva entre Igreja e Estado no Brasil.
            Na prática o chefe da Igreja no Brasil não era o Papa e sim o rei de Portugal. Por isso “a implantação da Igreja no Brasil foi feita numa dependência direta da Coroa lusitana”[3]. Esta administrava a Igreja através da chamada “Mesa de Consciência e Ordens”[4].

            A primeira missa no Brasil foi celebrada em 26 de abril de 1500 pelo franciscano frei Henrique de Coimbra, mas efetivamente a catequese e a evangelização dos índios na Terra de Santa Cruz começou com a chegada de 6 jesuítas chefiados pelo Pe. Manuel da Nóbrega em 1549. Antes havia alguns padres e religiosos espalhados pelas povoações dando assistência aos colonos.
            Os jesuítas foram os mais dinâmicos e entusiasmados missionários do Brasil colonial. “No início, seu apostolado não divergia do que fizeram anteriormente outros padres e frades, isto é, batizavam crianças em perigo de morte e mesmo alguns adultos nas mesmas condições. Aos poucos prepararam, por meio de intérpretes, alguns adultos para o batismo. Usavam o mesmo sistema seguido pelos missionários do tempo, que consistia numa breve catequização, em que eram expostas as verdades fundamentais da fé: um Deus Criador e Senhor de todas as coisas, a queda do homem, a redenção por Jesus Cristo, a instituição da Igreja com os Sacramentos da salvação da nova aliança, a vida dos filhos de Deus, finalmente o Juízo universal, com o castigo dos maus e recompensa dos bons”[5].

            Os jesuítas logo se empenharam na evangelização dos índios utilizando todos os meios possíveis. “Começaram por aprender a língua do gentio, e em poucos meses já a falavam tão bem como o português. O padre Navarro principalmente pregava com tal desembaraço que aos próprios índios fazia maravilhas.
            E desde os primeiros tempos, no entusiasmo da sua temeridade, metendo-se pela aldeias, acariciando as crianças, fazendo brindes às mulheres, agradando aos velhos, socorrendo os enfermos, mostrando-se com todos invariavelmente afetuosos e leais, de modo a desmentir a fama de refalsados que os colonos tinham feito”[6]. O jesuíta Leonardo do Vale, grande conhecedor da língua tupi, escreveu o primeiro Vocabulário na Língua Tupi e depois Doutrina Cristã na Língua do Brasil.
            Em 1553 os jesuítas começaram com os aldeamentos dos índios em torno de um colégio. Foi assim que fundaram a cidade de São Paulo em 1554.
            O Pe. Luís da Grã, “como provincial promoveu os estudos da língua brasílica nos colégios, a catequese e os aldeamentos no Recôncavo baiano e em Piratininga (São Paulo)”[7]. “Aos poucos a estrutura colégio-aldeamento foi perdendo seu dinamismo e o colégio começou a atuar junto aos filhos dos moradores nas vilas e cidades, abandonando seu caráter missionário”[8].

            A catequese dos índios teve um lugar de destaque para os jesuítas. Foram muito criativos neste campo. Utilizaram cantos, teatro, escreveram catecismos adaptados à realidade e na língua dos indígenas. “Reproduziam os gestos e a música dos índios; e para industriar e animar os meninos, tocavam e até alguma vez dançavam com eles”[9].
            Não se esqueceram dos africanos. Por isso enviaram aos portos brasileiros jesuítas nascidos em Angola, portanto conhecedores da língua angola, para aí catequizarem os escravos que chegavam da África. O principal catequista de africanos foi o Pe. Pedro Dias. Ele aprendeu bem a língua angola e escreveu a obra Arte da Língua de Angola Oferecida à Virgem Senhora Nossa do Rosário, Mãe e Senhora dos Mesmos Pretos. É chamado de o “São Pedro Cláver do Brasil”.

            Foi entre os jesuítas que surgiram as primeiras vozes proféticas em defesa dos escravos. Os padres Miguel Garcia e Gonçalo Leite, professores do Colégio da Bahia, sustentaram a opinião de que nenhum escravo da África ou Brasil era justamente cativo. Recusavam-se a atender a confissão das pessoas que possuiam escravos, incluindo os próprios padres jesuítas do Colégio[10]. Os dois foram taxados de “inquietos” e mandados de volta para a Europa.

OUTROS RELIGIOSOS

CARMELITAS[11]. Chegaram no Brasil em 1580, fixando-se em Olinda. Depois fundaram conventos em: Salvador da Bahia (1586), Santos (1588), Rio de Janeiro (1590), São Paulo (1594), Paraíba (1606), São Cristóvão (1607), Angra dos Reis (1608), São Luís (1615), Belém do Pará (1624), Mogi das Cruzes (1629), Gurupá (1639), Alcântara (1647), Recife (1654), Goiana (1666), Rio Real (1680), Vitória (1680), Cabo de Santo Agostinho (1687), Cachoeira (1688). Em 1606 havia 99 carmelitas no Brasil; em 1635, perto de 200; em 1675, 246; e 466 em 1715.
            Inicialmente dedicaram-se ao trabalho com o povo das cidades. Só em 1694 foram encarregados de missionar os índios da Amazônia, mais precisamente nos rios Negro e Solimões. Naquelas regiões foram não só anunciadores do evangelho mas também defensores das fronteiras portuguesas, como demonstram os incidentes com o jesuíta Padre Samuel Fritz[12].

BENEDITINOS[13]. Chegaram em Salvador da Bahia em 1581. Depois fundaram  mosteiros no Rio de Janeiro (1585), Olinda (1590), Paraíba (1596) e São Paulo (1598). Por ser uma Ordem monástica, pouco fizeram em relação à evangelização dos índios.

FRANCISCANOS[14]. Estabeleceram-se definitivamente no Brasil em 1585. Antes disso alguns franciscanos trabalharam em terras brasileiras, mas individualmente e sem fazer uma verdadeira fundação. A primeira fundação de Olinda foi seguida pelas de: Salvador da Bahia (1587), Paraíba (1589) e Vila Velha (1591). Muito trabalharam na evangelização dos indígenas.

CARMELITAS DESCALÇOS. Chegaram no Brasil em 1615 e fixaram-se na Bahia e depois fundaram outro convento em Olinda. Tiveram algumas missões no rio São Francisco.

MERCEDÁRIOS. “Estabelecidos no Pará em 1640 e no Maranhão em 1664, pouco se deram à catequização dos índios. Fizeram algumas entradas entre os índios da Amazônia”[15].

CAPUCHINHOS FRANCESES. Chegaram no Brasil, pode-se dizer por acaso, porque em 1642 dirigiam-se para as missões de Guiné, mas foram aprisionados pelos holandeses e levados para Pernambuco. Após a expulsão dos holandeses[16], foram autorizados a permanecerem no país. “Foram os primeiros missionários no Brasil dependentes da S.C. de Propaganda Fide, chamados, por isso, missionários apostólicos”[17]. Além das missões populares entre os colonos, dedicaram-se com entusiasmo à evangelização dos indígenas, sobretudo no rio São Francisco.
            Em 1700 foram expulsos do Brasil por problemas políticos entre Portugal e França.

RELIGIOSAS. “Cedo tentou-se a fundação de mosteiros femininos no Brasil, mas houve resistência da Corte. Já nos inícios do século a Câmara do Salvador enviou uma petição ao Rei, para que autorizasse a fundação de mosteiros femininos na Bahia e Pernambuco. Examinado o pedido na Mesa de Consciência e Ordens, a 22/9/1603 foi indeferida a dita petição, alegando falta de mulheres suficientes no Brasil, sendo necessário mandar donzelas do Reino para aqui casarem e povoarem a terra. É sugerido que se providenciem Recolhimentos para donzelas órfãs e outras, a fim de prepará-las para o matrimônio. Nova tentativa da Câmara da Bahia em 1633, encontrou parecida resposta”[18]. Somente em 1669 foi autorizada a fundação de um mosteiro de franciscanas clarissas na Bahia.

            ESTRUTURA ECLESIÁSTICA

            A primeira diocese do Brasil foi a de São Salvador da Bahia, criada em 25 de fevereiro de 1551 pela bula Super specula militantis Ecclesiae de Júlio III[19]. Dom Pedro (ou Pero) Fernandes Sardinha foi o primeiro bispo.
            Novas dioceses só foram criadas 125 anos depois, ou seja, em 1676 quando o Papa Inocêncio XI criou as dioceses de Olinda e do Rio de Janeiro. No ano seguinte foi criada a diocese do Maranhão.
            Até a independência (1822) só foram criadas mais 3 dioceses: Belém do Pará (1719), Mariana e São Paulo (1745).




[1] R. AZZI, A Cristandade Colonial: um projeto autoritário, Paulinas, São Paulo 1987; CEHILA, História da Igreja no Brasil, tomo II/1, Paulinas-Vozes, São Paulo-Petrópolis 41992; A.L. FARINHA, A expansão da Fé na África e no Brasil, vol. I, Lisboa 1942; E. HOORNAERT, A Igreja no Brasil, in E. DUSSEL (org.), Historia liberationis: 500 anos de História da Igreja na América Latina, Ed. Paulinas, São Paulo 1992, pp. 297-317; ID., A Igreja no Brasil-Colônia [1550-1800], Brasiliense, São Paulo1982; S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, 10 volumes, Livraria Portugalia e Civilização Brasileira, Lisboa-Rio de Janeiro 1938-1950; ID., Monumenta Brasiliae, Roma 1956; J. MARIA, O Catolicismo no Brasil, AGIR, Rio de Janeiro 1950; H. PIRES, Temas de História Eclesiástica do Brasil, São Paulo 1946; F. ROCHA POMBO, História do Brasil,  Melhoramentos, São Paulo 81958; A. RUBERT, A Igreja no Brasil, em 4 volumes, Ed. Pallotti, Santa Maria 1981-1993; P. F. da SILVEIRA CAMARGO, História Eclesiástica do Brasil, Vozes, Petrópolis 1955.
[2] Devido ao Padroado os soberanos de Portugal e Espanha tinham “plena autoridade sobre a Igreja no território das missões. Os direitos do Estado podem ser resumidos nestes pontos: 1) Nomeação para todos os benefícios. 2) Admissão ou exclusão de missionários confiada ao arbítrio soberano, e com a condição, de qualquer modo, de que eles partissem sobretudo de Lisboa, de Sevilha e de Cádiz. Os missionários, portanto, não podiam partir sem a autorização régia; ora, os portugueses não viam com muito boa vontade a afluência de missionários estrangeiros, tolerados mais facilmente pelos espanhóis (na América Latina, no séc. XVIII, os missionários jesuítas eram 75 por cento alemães). 3) Controle sobre todos os negócios eclesiásticos, com exclusão de qualquer outra autoridade: os missionários podiam se dirigir a Roma somente por meio do governo, e a congregação de Propaganda jamais teve autoridade alguma nas colônias portuguesas e espanholas. A esses direitos correspondiam, evidentemente, deveres, ou seja: 1) Escolha e envio dos missionários. ... 2) Prover a todas as despesas do culto, ao sustento e às viagens dos missionários, do bispo ao último sacristão; cuidar da ereção, da manutenção e da restauração dos edifícios de culto” (G. MARTINA, História da Igreja de Lutero aos nossos dias, vol. 1, São Paulo 1996, 310) Sobre o Padroado: R. AZZI, A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial, in CEHILA, História da Igreja no Brasil, tomo II/1, 160-169; J. DORNAS FILHO, O Padroado e a Igreja no Brasil, São Paulo 1938; C. MENDES DE ALMEIDA, Direito do Padroado no Brasil, Rio de Janeiro 1858.
[3] R. AZZI, A Cristandade Colonial: um projeto autoritário, São Paulo 1987, 24.
[4] A Mesa da Consciência e Ordens foi a instituição portuguesa dos assuntos religiosos. Era uma espécie de ministério do culto. Começou a funcionar em 1532. Tinha um tribunal próprio e dava parecer ao rei sobre resgates de cativos, paróquias, capelas, hospitais, ordens religiosas, cargos eclesiásticos, universidades, etc. As questões coloniais eram da competência do Conselho Ultramarino.
[5] A. RUBERT A Igreja no Brasil, vol. I, Santa Maria 1983, 154.
[6] F. ROCHA POMBO, História do Brasil,  São Paulo 1958, 81.
[7] E. HOORNAERT, A Evangelização do Brasil durante a primeira época colonial, in CEHILA, História da Igreja no Brasil, tomo II/1, 51.
[8] E. HOORNAERT, A Evangelização do Brasil durante a primeira época colonial, in CEHILA, História da Igreja no Brasil, tomo II/1, 51.
[9] S. LEITE, História da Companhia, vol. II, 102.
[10] Em 1583 o P. Miguel escrevia ao seu superior geral Pe. Aquaviva: A multidão dos escravos, que tem a Companhia nesta Província, particularmente neste Colégio [da Baía], é coisa que de maneira nenhuma posso tragar, maxime, por não poder entrar no meu entendimento serem licitamente havidos. ... E dos da terra, entre certos e duvidosos, é tão grande o número, que a mim me enfada; e com estas coisas e com ver os perigos da consciência in multis, nesta terra, alguma vez me passou por pensamento que seguramente serviria a Deus e me salvaria in saeculo que em Província, onde vejo as coisas que vejo (Citado por S. LEITE, História da Companhia, vol. II, 227-228).
[11] Sobre as missões carmelitas no Brasil, ver: A. PRAT, Notas históricas sobre as missões carmelitas no extremo norte do Brasil (séculos XVII-XVIII), 2 vol., Recife 1941-1942; M. WERMERS, O Estabelecimento das Missões Carmelitas no Rio Negro e no Solimões (1695-1711), in Actas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, vol. II, Coimbra 1965, E. HOORNAERT, As missões carmelitanas na Amazônia, in E. HOORNAERT (org.), Das reduções latino-americanas às lutas indígenas atuais, São Paulo 1982, 161-174; J.R.F. de CARVALHO, Presença e permanência da Ordem do Carmo no Solimões e no Rio Negro no século XVIII, in E. HOORNAERT (org.), Das reduções latino-americanas às lutas indígenas atuais, São Paulo 1982, 175-190.
[12] Cf. M. WERMERS, O Estabelecimento das Missões Carmelitas no Rio Negro e no Solimões (1695-1711), in Actas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, vol. II, Coimbra 1965.
[13] Sobre os beneditinos: J.G. LUNA, Os monges beneditinos no Brasil, Rio de Janeiro 1947.
[14] Sobre os franciscanos: V. WILLEKE, Missões Franciscanas no Brasil (1500-1975), Petrópolis 1974; B. RÖWER, Páginas de história fanciscana no Brasil, Petrópolis 21957; ID., A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, Petrópolis 1922.
[15] A. RUBERT A Igreja no Brasil, vol. II, Santa Maria 1983, 141.
[16] Os holandeses fizeram algumas tentativas de se estabelecerem no Brasil. A primeira foi em 1624 na Bahia. Só durou um ano. A segunda e a mais importante foi a realizada em Pernambuco em1630. Foram expulsos em 1654. É deste período (1645) o gupo de mártires brasileiros beatificados por João Paulo II em 5/3/2000. O martírio foi provocado pelos calvinistas holandeses.
[17] A. RUBERT A Igreja no Brasil, vol. II, Santa Maria 1983, 269.
[18] A. RUBERT A Igreja no Brasil, vol. II, Santa Maria 1983, 272.
[19] America Pontificia primi saeculi evangelizationis  (1493-1592), Città del Vaticano 1991, 635.

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