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sexta-feira, 7 de março de 2014

AS ÉPOCAS DO CORAÇÃO: Querer o que Deus quer.

Frei John Welch, O. Carm. Whitefriars Hall , Washington

 
O propósito da oração é conformar-se com a vontade Deus, escreveu Teresa de Ávila. A pessoa orante está cada vez mais em união com Deus e esta união se expressa no fato de a pessoa desejar mais e mais aquilo que Deus deseja.  Nós não nos fazemos mais fortes através da ascética, lutando para submeter nossa vontade a vontade de Deus.  Não, o amor de Deus nos convida à transformação de nosso desejo para que nós desejemos o que Deus deseja; queremos o que Deus quer, disse João, “Assim, o que tu queres que peça, peço, e o que não queres, não quero, inclusive nem posso, nem me passa pelo pensamento querer.”

A divinização é a participação gradativa no conhecimento e no amor de Deus.  O peregrino fica tão transformado que todo o seu modo de viver se converte em expressão da vontade de Deus.  Se podemos interpretar o que Jesus disse, que a vontade de Deus é o bem-estar  da humanidade, então a pessoa orante vive mais do que esse bem-estar. Em outras palavras, a pessoa  transformada e divinizada vive de tal forma que coopera com o Reino de Deus presente e vindouro.

Estas pessoas são difíceis de se identificar. O Mestre Eickhart nos previne que uma pessoa que vive a partir do seu centro, vive na vontade de Deus.  Diz que enquanto outros jejuam, eles comem; enquanto outros  estão em vigília, eles dormem; enquanto outros oram eles estão em silêncio.  Pois, qual é o propósito da vigília, da oração, do jejum senão o viver do centro da alma que é Deus? É claro que ele está exagerando ao expressar sua compreensão, já que nosso peregrinar nunca acaba deste lado da morte. O que ele quer expressar é a absoluta humanização da pessoa transformada.

Teresa nos disse que estas pessoas não estão continuamente conscientes de sua vida espiritual.  A interioridade se converte cada vez menos num ponto de enfoque. Nem Deus lhes preocupa, porque o modo como vivem expressa sua relação com Deus. A meta nunca foi chegar a ser um contemplativo, ou um santo, ou ter uma vida espiritual. A meta sempre foi querer o que Deus quer numa consonância de desejo.

Na conclusão da Regra Carmelitana, Alberto, Patriarca de Jerusalém e o legislador escrevem: “É isto que, com brevidade, lhes escrevemos determinando a forma de conduta, segundo a qual vocês deverão viver. Se alguém fizer mais do que o prescrito, o Senhor mesmo lhe retribuirá quando voltar.” Kees Waaijman do Instituto Tito Brandsma de Nimega vê nesta afirmação  uma clara alusão à passagem do Bom Samaritano.  O Carmelita assume o papel do hospedeiro. Seus planos e a ordem de sua casa se vêm alterados quando um forasteiro traz um homem machucado para que cuide dele. O forasteiro pede ao hospedeiro que cuide daquele homem machucado e se gastar algo mais, isto é, se fizer mais, o forasteiro na volta o pagará.

O forasteiro, Cristo, pede ao Carmelita que cuide de sua gente durante sua ausência. Ainda que o hóspede não seja esperado e a ordem da casa fique alterada, o hospedeiro obedientemente se ocupa do homem ferido, talvez sem envolver-se emocional ou pessoalmente, e com pouca satisfação. Kees conclui que toda entrega autêntica é essencialmente obscura. A presença que se encontra no profundo do coração do Carmelita é uma noite que guia, uma chama que cura, uma ausência reveladora.

Os frades não tem necessidade de desculpar-se por não ser autênticos carmelitas. Nossa espiritualidade não é de um ascetismo heroico, mas do amor de Deus que conquista  e toca cada coração e o faz adoecer, de outro modo não estaríamos aqui.

Assumindo que no cume do Monte Carmelo nos sentimos em casa, quer dizer, nos braços de Deus, e ao mesmo tempo sempre necessitamos de sua misericórdia, nosso ministério é fazer acessível a tradição do Carmelo para ajudar a nossos irmãos e irmãs a ver e ouvir a presença de Deus em sua vidas.

Para manter viva esta chama nos outros, pareceria correto que primeiro nós a tivéssemos acolhido em nossas vidas. Se escutarmos nossos corações, conheceremos os corações das pessoas com as quais trabalhamos e assim as serviremos melhor. Tiremos a poeira de qualquer vocação carmelita e ali encontraremos uma brasa esperando tornar-se  uma chama, uma chama que deseja a totalidade, a paz, a segurança, o gozo, a unidade e que  encontra sua melhor expressão  no serviço aos irmãos  e irmãs.  Para isso viemos.  Para isso estamos aqui.

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