a) Terminologia
A perseguição da Igreja
1. O império ameaçado
e) A SEGUNDA TETRARQUIA
Da
consciência com que os cristãos ao encontro da morte por sua fé nasceu no
século II veneração dos «mártires». A paixão e morte violenta para a fé cristã
eram vistas como "testemunho" (μαρτυρειν; μαρτυρια; μαρτυριον), o
executado era considerado simplesmente como o "mártir" (μαρτυζ). Esta
terminologia é encontrada pela primeira vez no relatório sobre a morte do bispo
Policarpo de Esmirna (c. 160?), mas pode ter aparecido anteriormente na Ásia
Menor. A «testemunha» agora não era mais simplesmente o pregador da mensagem de Jesus
Cristo, mas aquele que nas palavras e
nos gestos dava testemunho até ao dom da vida.
O
martírio era considerado como a maior forma de seguir a Cristo e a forma mais
perfeita para ser seus discípulos (Inácio de Antioquia, Ad Rom 5,3). O conceito
de morte como um testemunho cristão se formou principalmente durante o segundo
século e se desenvolveu numa verdadeira teologia do martírio: porque o mártir
morria em comunhão com Cristo, iria participar de sua vida eterna e do seu esplendor
junto a Deus. Os mártires tornam-se assim não apenas modelos, mas também
intercessores pelos que acreditavam. As fontes mais importantes para esses
conceitos são a Epístola aos Romanos de Santo Inácio de Antioquia, o Pastor de
Hermas (Visio 3,1,8-9; Sim. 8,3,6-7) e novamente o Martyrium Policarpi. Sua
compreensão é influenciada por conceitos judaico (Daniel, Macabeus) e
indirectamente também por idéias helenística (cf. especialmente Epiteto, Diss.
III 26,28).
No
contexto martiriológico é inserido também o título de "confessor"
(óμολογητμζ, confessor). Porque o termo martys
ficou reservado para o testemunho de sangue, aqueles cristãos que
tiveram de sofrer perseguição em uma maneira particular, mas tinham
sobrevivido, foram chamados de "confessores”. Sofrimento deles possou a
ser considerado como confissão qualificada, que só era possível graças a uma
ajuda especial de Deus (cf. Hipólito, Trad Apost. 9).
b) A Tradição do culto dos mortos
O
martírio de Policarpo é o primeiro testemunho da veneração de um mártir
cristão. Os cristãos de Esmirna tiveram o cuidado de obter os restos mortais do
seu bispo executado e “os enterraram em um lugar digno" (18,2). No túmulo
do santo eles começaram a se reunir no dia do aniversário de seu martírio,
considerado seu aniversário para o céu (18,3). O veneração foi ligada ao túmulo
e dedicada à comemoração da morte. Esta veneração devia preparar aqueles que
estavam envolvidos na comemoração a uma possível luta no futuro.
Esta
ligação entre espaço e tempo se encontra na tradição do antigo culto dos
mortos. Os judeus conheciam túmulos de santos: túmulos dos profetas que,
segundo se acreditava, tiveram uma morte violenta. Em vários lugares eram
vistos como intercessores e mediadores entre os homens e Deus. Não é certo se nestas
sepulturas se desenvolveu um verdadeiro e próprio culto. Entre os pagãos havia
os túmulos dos heróis e se estabeleciam dias festivos em sua honra; a eles se
levava presentes e se esperava uma
ajuda. Tanto o culto dos heróis como o dos mártires têm suas raízes no culto
dos mortos. Mas da parte cristã este culto cristão cresceu devido à importância
dos mártires e passou da esfera privada para a pública da comunidade. Só mais
tarde, quando a veneração dos mártires assumiu formas mais influentes, os cristãos
tomaram elementos do antigo culto dos heróis. Para o início não pode indicar,
além da raiz comum do culto dos mortos, outras conexões.
c) INÍCIO DA LITERATURA SOBRE OS
MÁRTIRES
Os
mártires foram comemorados também literariamente. O martírio de Policarpo é
mais uma vez, a este respeito, o primeiro documento. Para os documentos de
martírio das época sucessivas podem distinguir-se dois tipos:
-
O Martyrium, ou Passio, é uma narração de toda a paixão e morte e, como tal,
relação e interpretação dos fatos num único documento. Os mais antigos martyria
chegaram até nós em forma de cartas: a comunidade de Esmirna escreve à
comunidade de Filomelio sobre o martírio do bispo Policarpo; a comunidade de
Lião e Vienne aos irmãos da Ásia e da Frígia sobre o martírio de 177/178.
A
Passio de Perpétua e Felicidade (202/203 em Cartago) consiste em grande parte
em anotações pessoais da mártir Perpétua e do mártir Saturo, que foram
introduzidas e integradas por um redator.
-
O segundo tipo é a ata do processo (Acta). A ata dá a impressão de uma narração
autêntica e de um registro exato do processo judicial. Na verdade, só o fato de
o julgamento é histórico. O alegado relato é redigido em forma literária:
apologia cristã em forma de ata judicial.
Sermões
de mártires e lendas dos mártires aparecem só em épocas post-costantiniana. Na
Igreja pré-constantiniana havia exortações parinéticas aos cristãos em
condições de sofrimento, para incentivar a perseverança em face do martírio
iminente. Os exemplos mais conhecidos são os Ad Martyres de Tertuliano e a
Exhortatio de martyrium de Orígenes.
No
terceiro século o cristianismo não podia mais ser ignorado. A atração exercida
pelo número crescente de comunidades manteve-se inalterada e em números
crescente também atraía a alta classe social. Isso acelerava a integração
social das comunidades cristãs e alargava suas novas possibilidades, mas isto
também aguçou ainda mais o problema da relação entre cristãos e Estado romano
(cf. § 14.3). A Igreja mostra sua força especialmente através da sua forte
organização, apoiada por um clero hierarquicamente ordenado, bem como através
dos seus esforços para uma unidade além da diversidade de lugares e de coesão
acima das diferenças regionais (cf. § § 18-21). Na verdade, o cristianismo, do
ponto de vista civil e jurídico, ainda era uma entidade anônima, enquanto que
do ponto de vista oficial representava uma comunidade colocada de lado e
proibida; mas os cristãos não eram muito cuidadosos diante de tal situação.
Segundo Cipriano de Cartago, o imperador Décio temia mais um novo bispo em Roma
de que um usurpador (Ep. 55,9).
No
terceiro século, a situação no Império Romano tornou-se cada vez mais instável.
A crise de governo se tornou sempre mais freqüente. Entre 235 e 284 passaram
pelo trono mais de trinta imperadores. Nesta situação os detentores do poder
tornaram-se sensíveis diante de qualquer ameaça que poderia ameaçar a segurança
interna e externa. A situação desoladora do Império foi interpretada como uma
conseqüência da neglegentia Deorum (abandono dos deuses), do abandono do mos
maiorum (costumes e tradições dos antepassados), anteriormente tidos em alta
consideração. Ambas as atitudes podiam identificar nos os cristãos. A «questão
cristã», portanto, já não se podia adiar .
2. A perseguição sob o imperador Décio
Orígenes
chamou a atenção sobre a reviravolta que o imperador Décio (249-251) tinha
iniciado. "Daquele momento as perseguições não eram mais realizadas
esporadicamente como antes, mas de forma comum e generalizada” (Orígenes, Comm
Matt. Ser. 39). Eusébio declarou que o imperador tinha começado a perseguição
por ódio contra o seu antecessor Felipe, o Árabe (HE VI 39,1 cf. Oraculi
Sibilini XIII 79-88). Isso certamente simplifica a motivação do imperador, mas
também esclarece os esforços para uma nova orientação política. Décio veio da
Panônia e tinha como sua força principal tropas panônicas, que não tinham tido
qualquer ligação com o cristianismo. Ele trouxe com ele um entusiasmo por Roma,
que era típico dos países do Danúbio e promoveu como restitutor sacrorum et
libertatis uma ampla política de restauração. A veneração dos deuses antigos,
que tinha garantido por muito tempo a prosperidade do Estado romano, devia ser
totalmente restaurada e garantida. Em lugar da idéia cosmopolita-humanista da
cidadania e da nova religião (neoplatonismo e cristianismo), que se traduzia na
alienação do mundo e no cuidar cuidar da alma, devia novamente ser introduzida
uma ética patriótica ligada às
tradicionais virtudes romanas. Uma primeira ação contra a Igreja aconteceu sem
dúvida no fim de 249, visto que no início do ano seguinte há o testemunho do
martírio de alguns bispos: Alexandre de Jerusalém, Babila de Antioquia
(Eusébio, HE VI, 39,3-4) e, certamente, o bispo romano Fabiano (Eusébio, HE VI
39,1; Cipriano, Ep. 9.1). Outros bispos, como Cipriano, Dionísio de Alexandria
e Gregório Taumaturgo (Gregório de Nissa, Vida de São Gregório Thaumaturgo [PG
46, 949A, Opera X 1, 49), puderam salvar-se porque fugiram (Eusébio, H.E. VI
40, 1 ss.; Cipriano, Ep. 20 e outros).
Em
fevereiro de 250, o imperador ordenou com um edito para que todos os habitantes
do império fizessem uma súplica acompanhada de uma oferta de sacrifício, uma
supplicatio ture ac vino (sacrifício com incenso e vinho) diante dos deuses do
povo romano. Com este ato, devia-se reconhecer o direito dos deuses que lhes
era devido. O modo de proceder era determinado com precisão: todos os cidadãos
do Império deviam apresentar-se e sacrificar perante a comissão do sacrifício
do próprio local de residência; a comprovação deste ato e testificada por um
certificado escrito (libellus). Foram encontradas mais de quarenta libelli deste
tipo, que têm um formulário de maneira uniforme: "À comissão escolhida
para a supervisão dos sacrifícios. Eu sempre sacrifiquei aos deuses e até agora
eu ofereci a sua presença no modo prescrito libações e sacrifícios de animais e
eu provei a carne do sacrifício, e peço que me dê o devido certificado. Fiquem
bem! (Assinatura e data; libellus 3).
Com
o ato sacrifical cada súdito do Império devia demonstrar sua preocupação com a
salus publica e sua lealdade ao imperador. Em tais circunstâncias, a ação devia
necessariamente resultar num ataque maciço à Igreja cristã. Mesmo que os
cristãos não fossem diretamente forçados à apostasia, a aplicação do ato do
sacrifício envolvia a negação de sua fé. Em caso de recusa do sacrifício,
claramente se deixava às autoridades locais qualquer decisão sobre o tipo da
pena: prisão, tortura, sequestro de bens, exílio e morte (Eusébio, HE VI, 41).
Todo
um grupo de cristãos permaneceu certamente sólido em sua fé e morreu na prisão,
ou como resultado da tortura. Mas o número de apóstatas foi elevado, como
resulta da correspondência entre São Cipriano de Cartago e Dionísio de
Alexandria. Os cristãos, incluindo também alguns dos bispos (Cipriano, Ep.
59,10, 65,1, 67,6, 15,2 Martyrium Pionii, 16.1, 18,13), que obedeceram ao
decreto imperial, foram chamados de sacrificati, se eles tinham feito todo o
sacrifício, e de thurificati se tinham oferecido o incenso, e de libellatici se
tivesse obtido o certificado de sacrifício recorrendo à corrupção. O escrito de
Cipriano De lapsis nos dá a melhor imagem do que aconteceu e nos permite
conhecer o problema pastoral diante do qual as comunidades que tiveram que
enfrentar depois de uma tal apostasia de massa (cf. § 24, 35.2).
As
disposições imperiais foram executadas por mais de seis meses, até quando a
invasão dos godos exigiu a presença do imperador nos países do Danúbio. Com sua
morte prematura, em junho de 251, a perseguição terminou. "A paz foi
restituída à Igreja e nossa segurança é restabelecida" (Cipriano, De
lapsis 1). Isso certamente valia para o Norte de África. Em Roma o bispo
Cornelio foi exilado para Civitavecchia (Centumcellae), onde morreu em 253
(Cipriano, Ep. 60/61); também seu sucessor, Lúcio, foi enviado para o exílio
(Cipriano, Ep. 61:1). Também em Alexandria aconteceram outras perseguições, que
temporariamente terminaram apenas com a ascensão ao trono do imperador
Valeriano em 253.
3. Perseguição do imperador Valeriano
O
imperador Valeriano (253-260), conhecia perfeitamente a política de Décio.
Inicialmente não mostrou interesse em continuá-la, mas no quarto ano do seu
reinado mudou de atitude. Tendo pacificado militarmente as fronteiras, virou-se
para o inimigo dentro do Império. As medidas contra os cristãos encontraram a
sua motivação em dois editos.
O
primeiro edito (agosto de 257) impunha ao clero a supplicatio diante dos deuses
romanos. Foram proibidas as reuniões cristãs e a visita ao cemitérios (Eusébio,
H.E. VII 11-10). A recusa de sacrificar era punida com o exílio.
O
segundo edito (verão de 258, Cipriano, Ep. 80) alterou a pena de exílio para a
imediata execução capital e estendia a obrigação do sacrifício para os
senadores, altos funcionários e cavaleiros cristãos. Os leigos de condição
aristocrática deviam perder o status, trabalho, bens patrimoniais, e em caso de
tenacidade na recusa, eles eram condenados a execução capital. Mesmo as
mulheres pertencentes às classes superiores dos Honestiores foram punidas com o
confisco de bens e com o exílio, e aos funcionários imperiais (Caesariani) se
ameaçava o sequestro do bens e o trabalho forçado.
Ambos
editos deviam golpear gravemente a Igreja Cristã. Na medida em que os cristãos
não reconheciam os deuses antigos como forças que protegiam o imperador e o
império, e, portanto, não praticavam a religião romana (Romanam religionen
colere) e não tomavam parte no culto do Estado (Romanas caeremonias
recognoscere), se ameaçava o extermínio da Igreja deles. A perseguição só terminou
em 259, quando Valeriano, derrotado na guerra contra os persas, foi preso e
executado (Lactâncio, De mort. pers. 5). Esta perseguição teve vítimas
ilustres. Cipriano foi executado em 14 de setembro de 258 e Sisto II morreu em
Roma em 6 de agosto do mesmo ano; na espanhola Tarragona tocou ao bispo
Frutuoso, enquanto que Dionísio de Alexandria conseguiu sobreviver.
4. A tácita e interessada tolerância
A
cruel perseguição de Valeriano não conseguiu seu objetivo. Os cristãos tinham
mostrado maior firmeza do que tinham mostrado sob Décio; a organização se
fortaleceu e passou no teste. O filho e sucessor de Valeriano, Galieno
(260-268), não prosseguiu a política hostil contra os cristãos que havia sido
posta em prática por seu pai. Ele restituiu os lugares de culto e os cemitérios
confiscados e aboliu todas as restrições; “os ministros da Palavra poderiam
dedicar-se livremente às suas funções habituais" (Eusébio, HE VII 13).
Esta liberdade, já decretada pelo imperador em vários editos, foi mencionada
por ele em vários aspectos numa carta aos bispos do Egito (ibid.). Pela
primeira vez, então, se estabelecia num edito imperial uma relação entre
liberdade e culto cristão. Não é que o cristianismo se tornou uma religio
licita oficialmente, mas foi tolerado como um grupo religioso específico e era
reconhecido no seu direito de propriedade. Dionísio de Alexandria celebrou, por
essa razão, o imperador nos mais altos tons (Eusébio, HE VII 23,1-3) e não
prestou atenção para o fato de que Galieno, numa situação politicamente
perigosa, tinha buscado aliados (Eusébio, HE VII 21 -22). A Igreja tornou-se
objeto de cálculo político.
A
convivência pacífica entre Império e Igreja continuou sob o imperador Aureliano
(270-275). Ele respeitou as decisões do seu antecessor. Na controvérsia sobre o
bispo de antioqueno Paulo de Samosata, o imperador concordou em uma carta
rogatória em favor da Igreja: "Era dever do bispo de Antioquia estar em
comunhão com os bispos da Itália e de Roma (Eusébio, HE VII 30,19). Paulo
estava a serviço da rainha Zenóbia de Palmira, que foi derrotada por Aureliano
em 272. Por causa de sua teologia trinitária modalística e de uma cristologia de adozianística (§ 32),
ele foi deposto por um sínodo em Antioquia (§ 27,6), mas só pôde ser removido
com a intervenção das autoridades. Pessoalmente, Aureliano não era de modo
algum inclinado ao cristianismo. Ele adorava o « Sol invicto» (Sol invictus) e
pretendia unificar religiosamente o império sob o seu culto. Esta intenção
teria conduzido a uma nova controvérsia com o cristianismo por período bastante
longo do seu reinado, como nos informam Eusébio (H. E. VII 30,20-21) e
Lactanzio (De mort. pers. 6, 1-2).
5. A crise sob Diocleciano e Galério
a) A POLÍTICA DE DIOCLECIANO E A
PRIMEIRA TETRARQUIA
Durante
o últimos quatro decênios do III séc. a Igreja pôde viver sem grande
perturbação. O imperador Diocleciano (284-305) inicialmente não promoveu
mudanças ao precedente curso religioso-político. A divisão do poder, com a qual
se tentou reagir à difícil situação do império, não trouxe neste sentido
novidade alguma: em 286 Massimiano torna-se Augusto para a metade ocidental do
império, enquanto que Diocleciano se riservou a oriental, e em 293 cada Augusto
tomou um César como sócio no reino e sucessor ao trono: Galério no Oriente,
Costanzo Cloro no Ocidente. O «comando de quatro» (primeira tetrarchia) foi
construído junto com vínculos familiares: Galério era genro de Diocleciano e
Costanzo Cloro o era de Massimiano. Os dois Augustos ancoraram a sua soberania
no poder divino: Diocleciano a fazia derivar de Júpter, Massimiano se colocou
sob a tutela de Hércules. Diocleciano, filho dum camponês da Dalmácia, que
tinha começado a sua carriera como simples soldado, tornou-se um dos mais
importante imperadores. O seu programa de governo foi caracterizado por uma
reforma política de tipo conservador e por uma restauração religiosa. O seu
escopo foi o de regular tudo segundo as antigas leis e o ordenamento público
dos romanos (publica disciplina Romanorum) (cf o edito de 295 sobre o
matrimônio, Legum Mosaicarum et Romanarum Legum Coll. VI 4,6: «As nossas leis
protegem somente as coisas sacras e venerandas, e por isto a potência romana
cresceu de maneira tão poderosa com o favor da força divina»). A fidelidade ao
costume tradizionale (mos maiorum), aos «deuses imortais», e a esperança de um
constante «favor dos deuses » eram dificilmente conciliáveis com a tolerância
para com um grupo da população que rifutasse notoriamente estes valores. Em 297
Diocleciano promulgou um edito contra os maniqueus e procedeu severamente
contra aquilo « que as novas e vergonhosas seitas contrapõem às mais antigas
religiões» (Coll. XV 3,3 ): « Estamos cheios de um incrível zelo que nos força
a punir a obstinação (pertinacia) com a qual indivíduos demasiadamente indignos
persistem no seu modo distorcido de pensar (prava mens) » (Coll. XV 3,3). Uma
tal concepção revela aquele mesmo pensamento religioso-político que já
precedentemente tinha motivado comportamento hostil em relação aos cristãos por
parte dos imperadores romanos.
Este
comportamento levou enfim o imperador a proceder contra os cristãos. Da sua
religiosidade inspirada na antiga Roma, caracterizada por uma certa pretensão
de exclusividade, surgiu a intenção de reunir todos os súditos do Império sob os
antigos cultos. Mas, diante da resistência oposta pelos cristãos, ele podia
atingir o seu objetivo somente através da sua completa eliminação. Após a
vitória contra os persas teve início em 298 as providências contra os cristãos.
Primeiramente eles foram afastados do exército, um procedimento que podia ser
causado por atitudes provocatórias dos soldados e oficiais cristãos (Eusebio,
H. E. VIII 4,2-3; Lattanzio, De mort. pers. 10,4; várias Atas dos Mártires). Os
sustentadores oficiais do paganismo encorajavam o imperador a prosseguir por
esta estrada.
Dia
23 de fevereiro de 303 Diocleciano proclamou um primeiro edito: as igreja dos
cristãos deviam ser destruídas, ficavam proibidas suas reuniões e seus livros
sagrados deviam ser queimados. Os cristãos ficavam privados de seus ofícios,
dos seus títulos e da sua capacidade jurídica (Lattanzio, De mort. pers. 13,1;
Eusebio, H. E. VIII 2,4). O edito foi aplicado imediatamente; não estava ligado
a uma ordem de cumprir um sacrifício, mas perseguia um claro objetivo: a
aniquilação do cristianismo.
No
verão de 303 seguiram o segundo e terceiro edito: o clero foi preso e obrigado
a sacrificar (Eusebio, H. E. VIII 3,1-4; Eusebio, Mart. Palaest. 1,4). Parece,
todavia, que estas disposições não tiveram no ocidente uma plena aplicação.
Num
quarto edito, emanado na primavera de 304, Diocleciano dispôs que toda a
população do Império devia oferecer um sacrifício (Lattanzio, De mort. pers.
15,4; Eusebio, Mart. Palaest. 3,1). Através do sacrifício os cristãos deviam
ser obrigados à apostasia da sua fé. Em caso de resistência eram torturados e,
se persistissem no recusar, eram punidos com a morte (Eusebio, H. E. VIII 10).
O
último edito teve atuação nas várias partes do Império de formas diferentes. A
mais ampla aplicação aconteceu no oriente, mas também com incompreensões e
resistências. No Egito a sua atuação desencadeou uma desordem que virou uma
guerra civil (Eusebio, H. E. VIII 7-10); Eusébio, Mart. Palaest. 5,3). No
ocidente o edito não foi respeitado por Costanzo Cloro (Lattanzio, De mort.
pers. 15,7). Parece que Massimiano o aplicou com esitação; na primavera de 305
ele estabeleceu um dia comum para o sacrifício (Lattanzio, De mort. pers.
15,6).
Os
testemunhos cristãos revelam que na parte ocidental do Império, governada por
Costanzo Cloro, as ações de perseguição foram aplicadas apenas de má vontade.
Na reviravolta dada por Constantino, filho de Costanzo, é possível perceber
esta posição. Deve-se também considerar que os cristãos nestes países eram
muito inferiores em número. Enfim, a dureza de Diocleciano, que resultava
contrária à tradicional tolerância romana, não encontrou um consenso unânime
nem mesmo junto aos não cristãos (Lattancio, De inst. V 19, 22-23; 22, 21-24).
A crueldade das ordens de perseguição se reflete nos testemunhos cristãos,
mesmo que se tenha em conta exagero retórico-literário (Lattancio, Eusebio). Ao
modo insólito de conduzir a luta a parte cristã reagiu não raramente com
emotividade provocatória. O número das vítimas foi considerável, especialmente
nos territórios dos antigos núcleos cristãos do oriente, do Egito e do Norte da
África. Estes anos de perseguição se trasformaram numa decisiva prova di força
entre romanidade e cristianismo.
Dia
1° maio de 305 Diocleciano e Massimiano abdicaram de comum acordo e subiram ao
trono como Augustos os seus dois sócios Galério e Costanzo Cloro. No oriente
torna-se César Massimino Daia e no ocidente Flávio Valério Severo. Após essa
mudança houve inicialmente uma pausa na perseguição, mas que no oriente foi
reiniciada já um ano depois com toda a sua dureza e aspereza. No ocidente as
lutas entre os diadochi levou a uma definitiva cessação (cf § 41,1). O problema
dos cristãos não encontrou mais no Império uma resposta unitária (Eusebio, Mart.
Palaest. 13,lss.).
O
imperador Galério (305-311) pôs fim à perseguição dia 30 de abril de 311. Com o
seu edito de tolerância, que foi publicado em nome dos seus sócios Licínio,
Costantino e também Massimino Daia. O edito admitia indiretamente a falência da
política religiosa imperial. O imperador tirou, portanto, os cristãos da sua
condição de ilegitimidade e concedeu-lhe o livre exercício da própria religião:
«Eles podiam ser novamente cristãos e restaurar os seus lugares de reuniões,
mas com a condição de não agir de modo algum contra a ordem vigente»
(Lattancio, De mort. pers. 34; Eusebio, H. E. VIII 17,3-10). Deste modo o
cristianismo tornava-se religio licita (religião lícita), mas subordinado ao
ordenamento superior da disciplina Romana. A religiosidade política romana
reivindicava finalmente per si também o cristianismo: «É seu dever rezar ao seu
Deus pela nossa saúde, por aquela do Estado e pela própria» (Ibidem). O Deus
Christianorum (Deus dos cristãos) fazia agora parte das divindades que garantiam
a salus publica do Império.
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