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sábado, 8 de março de 2014

Martírio: Um olhar sobre os mártires e sua complexidade histórica.

a) Terminologia

Da consciência com que os cristãos ao encontro da morte por sua fé nasceu no século II veneração dos «mártires». A paixão e morte violenta para a fé cristã eram vistas como "testemunho" (μαρτυρειν; μαρτυρια; μαρτυριον), o executado era considerado simplesmente como o "mártir" (μαρτυζ). Esta terminologia é encontrada pela primeira vez no relatório sobre a morte do bispo Policarpo de Esmirna (c. 160?), mas pode ter aparecido anteriormente na Ásia Menor. A «testemunha» agora não era mais  simplesmente o pregador da mensagem de Jesus Cristo, mas aquele que nas palavras  e nos gestos dava testemunho até ao dom da vida.

O martírio era considerado como a maior forma de seguir a Cristo e a forma mais perfeita para ser seus discípulos (Inácio de Antioquia, Ad Rom 5,3). O conceito de morte como um testemunho cristão se formou principalmente durante o segundo século e se desenvolveu numa verdadeira teologia do martírio: porque o mártir morria em comunhão com Cristo, iria participar de sua vida eterna e do seu esplendor junto a Deus. Os mártires tornam-se assim não apenas modelos, mas também intercessores pelos que acreditavam. As fontes mais importantes para esses conceitos são a Epístola aos Romanos de Santo Inácio de Antioquia, o Pastor de Hermas (Visio 3,1,8-9; Sim. 8,3,6-7) e novamente o Martyrium Policarpi. Sua compreensão é influenciada por conceitos judaico (Daniel, Macabeus) e indirectamente também por idéias helenística (cf. especialmente Epiteto, Diss. III 26,28).

No contexto martiriológico é inserido também o título de "confessor" (óμολογητμζ, confessor). Porque o termo martys  ficou reservado para o testemunho de sangue, aqueles cristãos que tiveram de sofrer perseguição em uma maneira particular, mas tinham sobrevivido, foram chamados de "confessores”. Sofrimento deles possou a ser considerado como confissão qualificada, que só era possível graças a uma ajuda especial de Deus (cf. Hipólito, Trad Apost. 9).

b) A Tradição do culto dos mortos

O martírio de Policarpo é o primeiro testemunho da veneração de um mártir cristão. Os cristãos de Esmirna tiveram o cuidado de obter os restos mortais do seu bispo executado e “os enterraram em um lugar digno" (18,2). No túmulo do santo eles começaram a se reunir no dia do aniversário de seu martírio, considerado seu aniversário para o céu (18,3). O veneração foi ligada ao túmulo e dedicada à comemoração da morte. Esta veneração devia preparar aqueles que estavam envolvidos na comemoração a uma possível luta no futuro.

Esta ligação entre espaço e tempo se encontra na tradição do antigo culto dos mortos. Os judeus conheciam túmulos de santos: túmulos dos profetas que, segundo se acreditava, tiveram uma morte violenta. Em vários lugares eram vistos como intercessores e mediadores entre os homens e Deus. Não é certo se nestas sepulturas se desenvolveu um verdadeiro e próprio culto. Entre os pagãos havia os túmulos dos heróis e se estabeleciam dias festivos em sua honra; a eles se levava presentes e se  esperava uma ajuda. Tanto o culto dos heróis como o dos mártires têm suas raízes no culto dos mortos. Mas da parte cristã este culto cristão cresceu devido à importância dos mártires e passou da esfera privada para a pública da comunidade. Só mais tarde, quando a veneração dos mártires assumiu formas mais influentes, os cristãos tomaram elementos do antigo culto dos heróis. Para o início não pode indicar, além da raiz comum do culto dos mortos, outras conexões.

c) INÍCIO DA LITERATURA SOBRE OS MÁRTIRES

Os mártires foram comemorados também literariamente. O martírio de Policarpo é mais uma vez, a este respeito, o primeiro documento. Para os documentos de martírio das época sucessivas podem distinguir-se dois tipos:

- O Martyrium, ou Passio, é uma narração de toda a paixão e morte e, como tal, relação e interpretação dos fatos num único documento. Os mais antigos martyria chegaram até nós em forma de cartas: a comunidade de Esmirna escreve à comunidade de Filomelio sobre o martírio do bispo Policarpo; a comunidade de Lião e Vienne aos irmãos da Ásia e da Frígia sobre o martírio de 177/178.

A Passio de Perpétua e Felicidade (202/203 em Cartago) consiste em grande parte em anotações pessoais da mártir Perpétua e do mártir Saturo, que foram introduzidas e integradas por um redator.

- O segundo tipo é a ata do processo (Acta). A ata dá a impressão de uma narração autêntica e de um registro exato do processo judicial. Na verdade, só o fato de o julgamento é histórico. O alegado relato é redigido em forma literária: apologia cristã em forma de ata judicial.

Sermões de mártires e lendas dos mártires aparecem só em épocas post-costantiniana. Na Igreja pré-constantiniana havia exortações parinéticas aos cristãos em condições de sofrimento, para incentivar a perseverança em face do martírio iminente. Os exemplos mais conhecidos são os Ad Martyres de Tertuliano e a Exhortatio de martyrium de Orígenes.

 A perseguição da Igreja

 1. O império ameaçado

No terceiro século o cristianismo não podia mais ser ignorado. A atração exercida pelo número crescente de comunidades manteve-se inalterada e em números crescente também atraía a alta classe social. Isso acelerava a integração social das comunidades cristãs e alargava suas novas possibilidades, mas isto também aguçou ainda mais o problema da relação entre cristãos e Estado romano (cf. § 14.3). A Igreja mostra sua força especialmente através da sua forte organização, apoiada por um clero hierarquicamente ordenado, bem como através dos seus esforços para uma unidade além da diversidade de lugares e de coesão acima das diferenças regionais (cf. § § 18-21). Na verdade, o cristianismo, do ponto de vista civil e jurídico, ainda era uma entidade anônima, enquanto que do ponto de vista oficial representava uma comunidade colocada de lado e proibida; mas os cristãos não eram muito cuidadosos diante de tal situação. Segundo Cipriano de Cartago, o imperador Décio temia mais um novo bispo em Roma de que um usurpador (Ep. 55,9).

No terceiro século, a situação no Império Romano tornou-se cada vez mais instável. A crise de governo se tornou sempre mais freqüente. Entre 235 e 284 passaram pelo trono mais de trinta imperadores. Nesta situação os detentores do poder tornaram-se sensíveis diante de qualquer ameaça que poderia ameaçar a segurança interna e externa. A situação desoladora do Império foi interpretada como uma conseqüência da neglegentia Deorum (abandono dos deuses), do abandono do mos maiorum (costumes e tradições dos antepassados), anteriormente tidos em alta consideração. Ambas as atitudes podiam identificar nos os cristãos. A «questão cristã», portanto, já não se podia adiar .

2. A perseguição sob o imperador Décio

Orígenes chamou a atenção sobre a reviravolta que o imperador Décio (249-251) tinha iniciado. "Daquele momento as perseguições não eram mais realizadas esporadicamente como antes, mas de forma comum e generalizada” (Orígenes, Comm Matt. Ser. 39). Eusébio declarou que o imperador tinha começado a perseguição por ódio contra o seu antecessor Felipe, o Árabe (HE VI 39,1 cf. Oraculi Sibilini XIII 79-88). Isso certamente simplifica a motivação do imperador, mas também esclarece os esforços para uma nova orientação política. Décio veio da Panônia e tinha como sua força principal tropas panônicas, que não tinham tido qualquer ligação com o cristianismo. Ele trouxe com ele um entusiasmo por Roma, que era típico dos países do Danúbio e promoveu como restitutor sacrorum et libertatis uma ampla política de restauração. A veneração dos deuses antigos, que tinha garantido por muito tempo a prosperidade do Estado romano, devia ser totalmente restaurada e garantida. Em lugar da idéia cosmopolita-humanista da cidadania e da nova religião (neoplatonismo e cristianismo), que se traduzia na alienação do mundo e no cuidar cuidar da alma, devia novamente ser introduzida uma ética patriótica  ligada às tradicionais virtudes romanas. Uma primeira ação contra a Igreja aconteceu sem dúvida no fim de 249, visto que no início do ano seguinte há o testemunho do martírio de alguns bispos: Alexandre de Jerusalém, Babila de Antioquia (Eusébio, HE VI, 39,3-4) e, certamente, o bispo romano Fabiano (Eusébio, HE VI 39,1; Cipriano, Ep. 9.1). Outros bispos, como Cipriano, Dionísio de Alexandria e Gregório Taumaturgo (Gregório de Nissa, Vida de São Gregório Thaumaturgo [PG 46, 949A, Opera X 1, 49), puderam salvar-se porque fugiram (Eusébio, H.E. VI 40, 1 ss.; Cipriano, Ep. 20 e outros).

Em fevereiro de 250, o imperador ordenou com um edito para que todos os habitantes do império fizessem uma súplica acompanhada de uma oferta de sacrifício, uma supplicatio ture ac vino (sacrifício com incenso e vinho) diante dos deuses do povo romano. Com este ato, devia-se reconhecer o direito dos deuses que lhes era devido. O modo de proceder era determinado com precisão: todos os cidadãos do Império deviam apresentar-se e sacrificar perante a comissão do sacrifício do próprio local de residência; a comprovação deste ato e testificada por um certificado escrito (libellus). Foram encontradas mais de quarenta libelli deste tipo, que têm um formulário de maneira uniforme: "À comissão escolhida para a supervisão dos sacrifícios. Eu sempre sacrifiquei aos deuses e até agora eu ofereci a sua presença no modo prescrito libações e sacrifícios de animais e eu provei a carne do sacrifício, e peço que me dê o devido certificado. Fiquem bem! (Assinatura e data; libellus 3).

Com o ato sacrifical cada súdito do Império devia demonstrar sua preocupação com a salus publica e sua lealdade ao imperador. Em tais circunstâncias, a ação devia necessariamente resultar num ataque maciço à Igreja cristã. Mesmo que os cristãos não fossem diretamente forçados à apostasia, a aplicação do ato do sacrifício envolvia a negação de sua fé. Em caso de recusa do sacrifício, claramente se deixava às autoridades locais qualquer decisão sobre o tipo da pena: prisão, tortura, sequestro de bens, exílio e morte (Eusébio, HE VI, 41).

Todo um grupo de cristãos permaneceu certamente sólido em sua fé e morreu na prisão, ou como resultado da tortura. Mas o número de apóstatas foi elevado, como resulta da correspondência entre São Cipriano de Cartago e Dionísio de Alexandria. Os cristãos, incluindo também alguns dos bispos (Cipriano, Ep. 59,10, 65,1, 67,6, 15,2 Martyrium Pionii, 16.1, 18,13), que obedeceram ao decreto imperial, foram chamados de sacrificati, se eles tinham feito todo o sacrifício, e de thurificati se tinham oferecido o incenso, e de libellatici se tivesse obtido o certificado de sacrifício recorrendo à corrupção. O escrito de Cipriano De lapsis nos dá a melhor imagem do que aconteceu e nos permite conhecer o problema pastoral diante do qual as comunidades que tiveram que enfrentar depois de uma tal apostasia de massa (cf. § 24, 35.2).

As disposições imperiais foram executadas por mais de seis meses, até quando a invasão dos godos exigiu a presença do imperador nos países do Danúbio. Com sua morte prematura, em junho de 251, a perseguição terminou. "A paz foi restituída à Igreja e nossa segurança é restabelecida" (Cipriano, De lapsis 1). Isso certamente valia para o Norte de África. Em Roma o bispo Cornelio foi exilado para Civitavecchia (Centumcellae), onde morreu em 253 (Cipriano, Ep. 60/61); também seu sucessor, Lúcio, foi enviado para o exílio (Cipriano, Ep. 61:1). Também em Alexandria aconteceram outras perseguições, que temporariamente terminaram apenas com a ascensão ao trono do imperador Valeriano em 253.

3. Perseguição do imperador Valeriano

O imperador Valeriano (253-260), conhecia perfeitamente a política de Décio. Inicialmente não mostrou interesse em continuá-la, mas no quarto ano do seu reinado mudou de atitude. Tendo pacificado militarmente as fronteiras, virou-se para o inimigo dentro do Império. As medidas contra os cristãos encontraram a sua motivação em dois editos.

O primeiro edito (agosto de 257) impunha ao clero a supplicatio diante dos deuses romanos. Foram proibidas as reuniões cristãs e a visita ao cemitérios (Eusébio, H.E. VII 11-10). A recusa de sacrificar era punida com o exílio.

O segundo edito (verão de 258, Cipriano, Ep. 80) alterou a pena de exílio para a imediata execução capital e estendia a obrigação do sacrifício para os senadores, altos funcionários e cavaleiros cristãos. Os leigos de condição aristocrática deviam perder o status, trabalho, bens patrimoniais, e em caso de tenacidade na recusa, eles eram condenados a execução capital. Mesmo as mulheres pertencentes às classes superiores dos Honestiores foram punidas com o confisco de bens e com o exílio, e aos funcionários imperiais (Caesariani) se ameaçava o sequestro do bens e o trabalho forçado.

Ambos editos deviam golpear gravemente a Igreja Cristã. Na medida em que os cristãos não reconheciam os deuses antigos como forças que protegiam o imperador e o império, e, portanto, não praticavam a religião romana (Romanam religionen colere) e não tomavam parte no culto do Estado (Romanas caeremonias recognoscere), se ameaçava o extermínio da Igreja deles. A perseguição só terminou em 259, quando Valeriano, derrotado na guerra contra os persas, foi preso e executado (Lactâncio, De mort. pers. 5). Esta perseguição teve vítimas ilustres. Cipriano foi executado em 14 de setembro de 258 e Sisto II morreu em Roma em 6 de agosto do mesmo ano; na espanhola Tarragona tocou ao bispo Frutuoso, enquanto que Dionísio de Alexandria conseguiu sobreviver.

4. A tácita e interessada tolerância

A cruel perseguição de Valeriano não conseguiu seu objetivo. Os cristãos tinham mostrado maior firmeza do que tinham mostrado sob Décio; a organização se fortaleceu e passou no teste. O filho e sucessor de Valeriano, Galieno (260-268), não prosseguiu a política hostil contra os cristãos que havia sido posta em prática por seu pai. Ele restituiu os lugares de culto e os cemitérios confiscados e aboliu todas as restrições; “os ministros da Palavra poderiam dedicar-se livremente às suas funções habituais" (Eusébio, HE VII 13). Esta liberdade, já decretada pelo imperador em vários editos, foi mencionada por ele em vários aspectos numa carta aos bispos do Egito (ibid.). Pela primeira vez, então, se estabelecia num edito imperial uma relação entre liberdade e culto cristão. Não é que o cristianismo se tornou uma religio licita oficialmente, mas foi tolerado como um grupo religioso específico e era reconhecido no seu direito de propriedade. Dionísio de Alexandria celebrou, por essa razão, o imperador nos mais altos tons (Eusébio, HE VII 23,1-3) e não prestou atenção para o fato de que Galieno, numa situação politicamente perigosa, tinha buscado aliados (Eusébio, HE VII 21 -22). A Igreja tornou-se objeto de cálculo político.

A convivência pacífica entre Império e Igreja continuou sob o imperador Aureliano (270-275). Ele respeitou as decisões do seu antecessor. Na controvérsia sobre o bispo de antioqueno Paulo de Samosata, o imperador concordou em uma carta rogatória em favor da Igreja: "Era dever do bispo de Antioquia estar em comunhão com os bispos da Itália e de Roma (Eusébio, HE VII 30,19). Paulo estava a serviço da rainha Zenóbia de Palmira, que foi derrotada por Aureliano em 272. Por causa de sua teologia trinitária modalística  e de uma cristologia de adozianística (§ 32), ele foi deposto por um sínodo em Antioquia (§ 27,6), mas só pôde ser removido com a intervenção das autoridades. Pessoalmente, Aureliano não era de modo algum inclinado ao cristianismo. Ele adorava o « Sol invicto» (Sol invictus) e pretendia unificar religiosamente o império sob o seu culto. Esta intenção teria conduzido a uma nova controvérsia com o cristianismo por período bastante longo do seu reinado, como nos informam Eusébio (H. E. VII 30,20-21) e Lactanzio (De mort. pers. 6, 1-2).

5. A crise sob Diocleciano e Galério

a) A POLÍTICA DE DIOCLECIANO E A PRIMEIRA TETRARQUIA

Durante o últimos quatro decênios do III séc. a Igreja pôde viver sem grande perturbação. O imperador Diocleciano (284-305) inicialmente não promoveu mudanças ao precedente curso religioso-político. A divisão do poder, com a qual se tentou reagir à difícil situação do império, não trouxe neste sentido novidade alguma: em 286 Massimiano torna-se Augusto para a metade ocidental do império, enquanto que Diocleciano se riservou a oriental, e em 293 cada Augusto tomou um César como sócio no reino e sucessor ao trono: Galério no Oriente, Costanzo Cloro no Ocidente. O «comando de quatro» (primeira tetrarchia) foi construído junto com vínculos familiares: Galério era genro de Diocleciano e Costanzo Cloro o era de Massimiano. Os dois Augustos ancoraram a sua soberania no poder divino: Diocleciano a fazia derivar de Júpter, Massimiano se colocou sob a tutela de Hércules. Diocleciano, filho dum camponês da Dalmácia, que tinha começado a sua carriera como simples soldado, tornou-se um dos mais importante imperadores. O seu programa de governo foi caracterizado por uma reforma política de tipo conservador e por uma restauração religiosa. O seu escopo foi o de regular tudo segundo as antigas leis e o ordenamento público dos romanos (publica disciplina Romanorum) (cf o edito de 295 sobre o matrimônio, Legum Mosaicarum et Romanarum Legum Coll. VI 4,6: «As nossas leis protegem somente as coisas sacras e venerandas, e por isto a potência romana cresceu de maneira tão poderosa com o favor da força divina»). A fidelidade ao costume tradizionale (mos maiorum), aos «deuses imortais», e a esperança de um constante «favor dos deuses » eram dificilmente conciliáveis com a tolerância para com um grupo da população que rifutasse notoriamente estes valores. Em 297 Diocleciano promulgou um edito contra os maniqueus e procedeu severamente contra aquilo « que as novas e vergonhosas seitas contrapõem às mais antigas religiões» (Coll. XV 3,3 ): « Estamos cheios de um incrível zelo que nos força a punir a obstinação (pertinacia) com a qual indivíduos demasiadamente indignos persistem no seu modo distorcido de pensar (prava mens) » (Coll. XV 3,3). Uma tal concepção revela aquele mesmo pensamento religioso-político que já precedentemente tinha motivado comportamento hostil em relação aos cristãos por parte dos imperadores romanos.

Este comportamento levou enfim o imperador a proceder contra os cristãos. Da sua religiosidade inspirada na antiga Roma, caracterizada por uma certa pretensão de exclusividade, surgiu a intenção de reunir todos os súditos do Império sob os antigos cultos. Mas, diante da resistência oposta pelos cristãos, ele podia atingir o seu objetivo somente através da sua completa eliminação. Após a vitória contra os persas teve início em 298 as providências contra os cristãos. Primeiramente eles foram afastados do exército, um procedimento que podia ser causado por atitudes provocatórias dos soldados e oficiais cristãos (Eusebio, H. E. VIII 4,2-3; Lattanzio, De mort. pers. 10,4; várias Atas dos Mártires). Os sustentadores oficiais do paganismo encorajavam o imperador a prosseguir por esta estrada.

Dia 23 de fevereiro de 303 Diocleciano proclamou um primeiro edito: as igreja dos cristãos deviam ser destruídas, ficavam proibidas suas reuniões e seus livros sagrados deviam ser queimados. Os cristãos ficavam privados de seus ofícios, dos seus títulos e da sua capacidade jurídica (Lattanzio, De mort. pers. 13,1; Eusebio, H. E. VIII 2,4). O edito foi aplicado imediatamente; não estava ligado a uma ordem de cumprir um sacrifício, mas perseguia um claro objetivo: a aniquilação do cristianismo.

No verão de 303 seguiram o segundo e terceiro edito: o clero foi preso e obrigado a sacrificar (Eusebio, H. E. VIII 3,1-4; Eusebio, Mart. Palaest. 1,4). Parece, todavia, que estas disposições não tiveram no ocidente uma plena aplicação.

Num quarto edito, emanado na primavera de 304, Diocleciano dispôs que toda a população do Império devia oferecer um sacrifício (Lattanzio, De mort. pers. 15,4; Eusebio, Mart. Palaest. 3,1). Através do sacrifício os cristãos deviam ser obrigados à apostasia da sua fé. Em caso de resistência eram torturados e, se persistissem no recusar, eram punidos com a morte (Eusebio, H. E. VIII 10).

O último edito teve atuação nas várias partes do Império de formas diferentes. A mais ampla aplicação aconteceu no oriente, mas também com incompreensões e resistências. No Egito a sua atuação desencadeou uma desordem que virou uma guerra civil (Eusebio, H. E. VIII 7-10); Eusébio, Mart. Palaest. 5,3). No ocidente o edito não foi respeitado por Costanzo Cloro (Lattanzio, De mort. pers. 15,7). Parece que Massimiano o aplicou com esitação; na primavera de 305 ele estabeleceu um dia comum para o sacrifício (Lattanzio, De mort. pers. 15,6).

Os testemunhos cristãos revelam que na parte ocidental do Império, governada por Costanzo Cloro, as ações de perseguição foram aplicadas apenas de má vontade. Na reviravolta dada por Constantino, filho de Costanzo, é possível perceber esta posição. Deve-se também considerar que os cristãos nestes países eram muito inferiores em número. Enfim, a dureza de Diocleciano, que resultava contrária à tradicional tolerância romana, não encontrou um consenso unânime nem mesmo junto aos não cristãos (Lattancio, De inst. V 19, 22-23; 22, 21-24). A crueldade das ordens de perseguição se reflete nos testemunhos cristãos, mesmo que se tenha em conta exagero retórico-literário (Lattancio, Eusebio). Ao modo insólito de conduzir a luta a parte cristã reagiu não raramente com emotividade provocatória. O número das vítimas foi considerável, especialmente nos territórios dos antigos núcleos cristãos do oriente, do Egito e do Norte da África. Estes anos de perseguição se trasformaram numa decisiva prova di força entre romanidade e cristianismo.

 e) A SEGUNDA TETRARQUIA

Dia 1° maio de 305 Diocleciano e Massimiano abdicaram de comum acordo e subiram ao trono como Augustos os seus dois sócios Galério e Costanzo Cloro. No oriente torna-se César Massimino Daia e no ocidente Flávio Valério Severo. Após essa mudança houve inicialmente uma pausa na perseguição, mas que no oriente foi reiniciada já um ano depois com toda a sua dureza e aspereza. No ocidente as lutas entre os diadochi levou a uma definitiva cessação (cf § 41,1). O problema dos cristãos não encontrou mais no Império uma resposta unitária (Eusebio, Mart. Palaest. 13,lss.).

O imperador Galério (305-311) pôs fim à perseguição dia 30 de abril de 311. Com o seu edito de tolerância, que foi publicado em nome dos seus sócios Licínio, Costantino e também Massimino Daia. O edito admitia indiretamente a falência da política religiosa imperial. O imperador tirou, portanto, os cristãos da sua condição de ilegitimidade e concedeu-lhe o livre exercício da própria religião: «Eles podiam ser novamente cristãos e restaurar os seus lugares de reuniões, mas com a condição de não agir de modo algum contra a ordem vigente» (Lattancio, De mort. pers. 34; Eusebio, H. E. VIII 17,3-10). Deste modo o cristianismo tornava-se religio licita (religião lícita), mas subordinado ao ordenamento superior da disciplina Romana. A religiosidade política romana reivindicava finalmente per si também o cristianismo: «É seu dever rezar ao seu Deus pela nossa saúde, por aquela do Estado e pela própria» (Ibidem). O Deus Christianorum (Deus dos cristãos) fazia agora parte das divindades que garantiam a salus publica do Império.

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