Paulo
Ueti
Vigiar
é uma atividade de cuidado e atenção. Infelizmente vigiar, em nosso vocabulário
comum, tornou-se uma palavra com conotação negativa muito forte. Pensando na
religião, essa palavra se conectou de tal forma a uma imagem de Deus que pune,
que a mesma transformou-se para muita gente num lugar de medo, opressão, culpa
e castigo. Nada mais contrário ao seu significado etimológico e à experiência
cristã e de outros grupos de Deus.
Religião
é para juntar as pessoas e a natureza. É conexão, relação amorosa e de
equidade. É espaço de cura, sanação e transformação constante. A
"verdadeira" religião, segundo o movimento profético, é "buscar
a paz e a justiça", "defender o órfão e a viúva". Não deve ser
lugar onde o medo e o castigo, a guerra, violência e intolerância sejam o prato
do dia. Essa prática, resultante de um tipo de teologia, foi amplamente
desautorizada por Jesus. Mesmo seus discípulos estavam envoltos nesse universo
teológico e de espiritualidade violento e intolerante. Precisavam experimentar
outra leitura possível da religião na qual estavam inseridos. E não só os
discípulos no tempo de Jesus, mas também a Igreja de Lucas na segunda metade do
século I.
Em
seu evangelho, entre os capítulos 9 a 19, Lucas apresenta um Jesus que provoca
caminhos novos nos quais se possa entender a experiência de Deus e viver a
religião como espaço de liberdade e libertação. As conversas e reflexões deste
bloco do evangelho estão direcionadas principalmente para as pessoas que
seguiam a Jesus mais de perto (chamados de discípulos ou de os Doze em outro
evangelho).
Depois
de uma longa conversa sobre o desapego, provavelmente visando colaborar com a
comunidade para que compartilhe seus recursos humanos e econômicos, Jesus pede
que os discípulos tenham os "rins cingidos e as lâmpadas acesas".
Eles devem estar sempre preparados para serem "ex-cêntricos":
preparados para sair de si mesmos, desapegar-se de seu lugar comum e mover-se
em direção ao outro e ao mundo, que clama e geme dores de parto (Rm).
Há
uma tradição bíblica que identifica os rins como o lugar dos sentimentos, o
lugar do afeto, por onde somos "afetados" pelo mundo externo e pela
experiência íntima de Deus. É o lugar da nossa consciência ética e estética. É
o lugar das nossas decisões. Temos que decidir por onde ir, que teologia
desenvolver, a quem escutar. É preciso saber "quem é o meu próximo",
que conflitos assumir e decidir viver para Deus, não para nossas verdades e
posses. Cingir os rins é pedido para estar preparadas/os, para movimentar nosso
corpo em defesa dos valores do Reino. É requisito e expressão da fé: movimento
pela vida e plenitude.
Jesus
também nos pede para ficar com a lâmpada acesa. Somos chamadas/os para estar
como luz, como indicador de caminho, como facilitador de processos e como
iluminador da escuridão diante e dentro do mundo. O encontro com Jesus e a
convivência com ele deve nos encher de energia (dínamo, no grego, significa
força, poder). Com Jesus, temos condições de atuar no cotidiano não nos
deixando "conformar" pelos poderes opressores e hegemônicos deste
mundo em que vivemos. Transformados, vivemos pela fé para outro mundo possível
e podemos desenvolver outras teologias possíveis em favor da vida e da
libertação.
A
lâmpada acesa não deve ser usada para cegar e impedir que novidades sejam
descobertas. Os rins cingidos são para redescobrir nossa vocação para a
indignação e para a missão: ocupar as ruas e as ideo-teologias para que a
vontade de Deus seja feita assim na terra como no céu... para que a justiça e
misericórdia sejam o prato do dia... para que o pão nosso cotidiano seja
realidade.
Para
a Igreja Católica Romana agosto é o mês dedicado as "vocações". É bom
lembrar que vocação não é habilidade, talento. Vocação é CHAMADO, CONVOCAÇÃO.
Por isso cingir os rins e manter nossa luz acessa é tão importante. Para
escutar com os ouvidos do coração (no nosso mais interior) a voz de Deus que
clama no deserto, que grita através do povo e dos grupos violentados e
excluídos do convívio e estrutura social e das igrejas e grupos religiosos.
O
que estamos ouvindo? A quem estamos ouvindo? Que chamado (vocação) estamos
atendendo? Estejam preparadas/os sempre. Porque o Filho do Homem (profeta,
militante da vida e da inclusão) aparece de surpresa e surpreende como aparece.
Estejamos preparadas/os. Esperemos contra toda esperança (Rm) e oremos (ora et
labora - orar e trabalhar) para que a vontade de Deus seja feita e sua palavra
seja nossa palavra: ação criadora e plural neste mundo e no mundo que há de
vir, agora e depois.
Fonte:
http://www.cebi.org.br/
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