O bispo da diocese brasileira de Crato, Dom Fernando Panico,
divulgou nesse domingo, 13 de dezembro, durante a missa na catedral, que o padre
Cícero Romão Batista foi
reabilitado pela Santa Sédas
sanções impostas pela Igreja Católica de
1892 a 1916.
A nota é de Francesco Gagliano,
publicada no blog Il Sismografo,
14-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Durante a
homilia na catedral de Cariri, Dom Fernando Panico declarou:
"Hoje, por ocasião da solene abertura da Porta Santa da Misericórdia, nesta catedral de Nossa Senhora da Penha,
quero anunciar com alegria à cara diocese de Crato e aos peregrinos de Juazeiro do Norte,
um gesto concreto de misericórdia, de atenção e de afeto do Papa Francisco para
nós: a Igreja Católica se reconcilia
historicamente com o padre Cícero Romão Batista".
Em uma mensagem
assinada pelo cardeal Pietro Parolin,
secretário de Estado da Santa Sé, enviada aDom Panico, se reconhece que a memória do padreCícero Romão Batista lembra
uma obra pastoral que pode ser considerada como um instrumento de evangelização
popular.
"É sempre
possível, com a distância do tempo e o evoluir das diversas circunstâncias,
reavaliar e apreciar as várias dimensões que marcaram a ação do Padre Cícero como
sacerdote e, deixando à margem os pontos mais controversos, por em evidência
aspectos positivos de sua vida e figura, tal como é atualmente percebida pelos
fiéis."
A carta afirma
que "é inegável que o padre Cícero Romão Batista, no arco de sua existência,
viveu uma fé simples, em sintonia com o seu povo e, por isso mesmo, desde o
início, foi compreendido e amado por esse mesmo povo".
O Papa Francisco,
como reconheceu o bispo de Crato, apresenta o Padre Cícero como
"um exemplo de um sacerdote em uma Igreja 'em saída', aberta aos problemas
e aos desafios dos tempos modernos, para uma nova evangelização".
Essa declaração
é a meta final de um processo que começou há mais de 15 anos por Joseph Ratzinger,
na época prefeito da Congregação para a Doutrina da
Fé. A carta na íntegra será publicada no próximo dia 20 de
dezembro, como declarou o porta-voz da diocese de Crato.
Padre Cícero Romão Batista
Por Arnaldo Nesti, revista
Religioni e Società
Permitam-me
chamar a atenção para a figura do padre Cícero Romão Batista (1844-1934),
do qual me ocupei casualmente, mas com interesse próprio, nessas semanas,
participando de uma das romarias em sua honra, que foi realizada nos primeiros
dias de fevereiro, para a Candelária, em Juazeiro do Cariri.
Em poucas
palavras, o Padre Cícero nasceu
em Crato, no
nordeste brasileiro, em 1844, e foi ordenado padre em 1870, depois de ter
completado os estudos no seminário de Fortaleza. Ainda hoje é lembrado, no claustro do
seminário local, o ano da sua ordenação.
Ele chegou em
1871 em Juazeiro, um
vilarejo de Crato, na
época, que também é sede episcopal, além de municipal. Em 1889, ao distribuir a
Comunhão, uma partícula sangrou na boca de Maria de Araújo. O fato se repetiu. A notícia se
espalhou. Começou-se a gritar o milagre.
A reação da
Cúria episcopal acabou suspendendo o jovem Padre Cícero a divinis. Em torno do Padre Cícero,
criou-se um movimento popular de devota admiração. Em 1898, o Padre Cícero foi
convidado a se apresentar ao Santo Ofícioem Roma. Apesar da suspensão temporária da pena,
tendo voltado para Juazeiro, a sua
pena foi reconfirmada.
O Padre Cícero,
enquanto isso, também desempenhou um papel político, pelo desenvolvimento da
comunidade deJuazeiro e
pela sua autonomia administrativa e econômica, a tal ponto que, em 1913, foi
eleito como o primeiro prefeito da nova comunidade que foi se formando,
separando-se de Crato.
Nesse meio
tempo, ele desempenharia um papel importante em todo o Ceará,
enfrentando as dramáticas situações de conflito que, então, se apresentaram por
causa das difíceis relações entre Crato e a nova Juazeiro. No
coração do Nordeste, a região de Cariri é comparável à do Faroeste, expressão
de profundos arcaísmos. Ausência do Estado, banditismo generalizado.
O Padre Cícero tornou-se
objeto contínuo de peregrinação. A ele se dirigiam para pedir conselhos,
orações, ajuda, cura. O Padre Cícero é pajé e cacique. Para alguns, o Padre
Cícero não é nem um santo nem um herói. É um simples, humilde e devoto
sacerdote igual a muitos outros do sertão do século XIX, que, por uma série de
circunstâncias, transformou-se em uma das figuras mais controversas da história
do Brasil.
Defensor
involuntário de um milagre, foi denunciado pela Igreja como impostor, e por
temerários líderes políticos como perigoso agitador, aclamado pelas massas
famintas como santo capaz de libertar os pobres e os enfermos dos seus males.
Por um complexo
jogo de fatores, um obscuro sacerdote se vê desempenhando tarefas das mais
importantes na vida política do Ceará. Conservador por formação e convicção,
sempre agiu como intermediário, visando a garantir o respeito da ordem vigente.
O Padre Cícero acumulou
um pequeno patrimônio que deixaria de presente aos salesianos, enquanto, ainda
obediente à Igreja, continuava esperando para ser readmitido no exercício do
ministério sacerdotal. Para o povo, o Padre Cícero é vítima da injustiça e
viveu como símbolo da virtude e da santidade.
Aos 90 anos,
quando morreu, a notícia do seu falecimento parece incrível. Mas, ao seu redor,
apesar da persistente hostilidade das instituições eclesiásticas,
desenvolveu-se um grande movimento popular, a tal ponto que se tende a considerá-lo
como um novo Francisco de Assis do Cariri.
A mais de 70
anos da sua morte, constantemente, mas especialmente por ocasião de algumas
datas do ano, emJuazeiro,
centenas de milhares de peregrinos chegavam em devota peregrinação, por devoção
ao Padre Cícero e
para manter uma promessa. Vinham, em particular, além do mês de fevereiro, no
dia 24 de março, para lembrar a data de nascimento, e no dia 20 de julho, dia
da morte.
Muitos chegavam
com os pés descalços. Eu também pude me dar conta pessoalmente da maciça
participação de multidões devotas. A imagem do Padre Cícero é
sinal de proteção. Qual a posição da Igreja hoje? Por ocasião da recente
peregrinação, durante a missa vespertina na praça dos peregrinos em frente ao
santuário de Nossa Senhora das Dores,
na presença do [então] cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Claudio Hummes, foi anunciada a formação de
uma comissão para a reabilitação histórica e eclesiástica do Padre Cícero,
expressando um sentimento de otimismo, a fim de poder reescrever uma nova história
religiosa de Juazeiro e do Padre Cícero.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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