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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Irmão, quem és tu? Novo documento vaticano ilumina a vida dos irmãos religiosos

No final da década de 1980, eu brevemente flertei com a ideia de uma vocação religiosa. Em certa etapa de minha vida, pensei que poderia querer me tornar um irmão religioso, em grande parte porque eu não tinha certeza quanto ao sacerdócio.
Conforme qualquer diretor de formação que se preza diria a você, essa foi uma maneira terrivelmente imatura de pensar uma vocação. Não se deve comprometer-se com uma forma de vida simplesmente por causa daquilo que ela não é; é preciso haver algum atrativo positivo, pois, caso contrário, a vocação não irá se sustentar. A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 14-12-2015 . A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Conforme ficou constatado mais tarde, encontrar a minha esposa tirou de vez essa tal ideia de minha cabeça, de forma que jamais tive de ponderar qual poderia ser o elemento atrativo para uma vida de irmão religioso. Que pena, porque isso significa que eu nunca realmente ultrapassei o muro do silêncio que, geralmente, circunda aquela que é possivelmente a vocação menos conhecida, e menos apreciada, na Igreja Católica.
Tudo isso me ocorre agora porque, nesta segunda-feira (14 de dezembro), a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica – mais conhecida como “Congregação para os Religiosos” – apresentou um novo documento intitulado “Identidade e Missão do Irmão Religioso na Igreja”.
Como a maioria dos textos vaticanos, este documento vinha há anos sendo produzido e, honestamente, ele não trouxe grandes novidades em termos de notícia. É mais uma meditação espiritual, entre outras coisas refletindo sobre a comunhão da Trindade como o modelo e inspiração para a fraternidade vivida pelos irmãos uns com os outros e com o mundo.
Negligenciar o documento seria vergonhoso, no entanto, porque se há algum grupo dentro do catolicismo que merece o seu lugar ao sol, este com razão é o dos irmãos religiosos.
No mundo todo, existem cerca de 55 mil irmãos na Igreja Católica, um número muito menor do que o de padres (415 mil) e freiras (705 mil), ainda que seja um número comparável ao de diáconos permanentes (42 mil). Nos EUA, há cerca de 4.300 mil irmãos religiosos, bem abaixo dos mais de 12 mil em 1965 (2 mil dos atuais irmão já estão aposentados).
O Ir. Paul Bednarczyk, da Congregação de Santa Cruz, presidente da National Religious Vocation Conference, chama os irmãos de “um dos segredos mais bem guardados da Igreja”. O abade beneditino Jerome Kodell chamou os irmãos de “o grupo mais invisível na Igreja”, alertando que o modo de vida deles está em perigo de desaparecer da consciência pública”.
Em verdade, a maioria dos católicos comuns nos bancos das igrejas só tem um vago conhecimento de que os irmãos religiosos existem. Quando os católicos falam sobre vocações, eles em geral o fazem em termos de “padres e freiras”, deixando de fora os irmãos (e diáconos, a propósito) fora de cogitação.
O discurso oficial católico restringe, às vezes, aos irmãos as oportunidades abertas de liderança, com certeza contribuindo para um clima de negligência.
Por exemplo, em 2002, o Vaticano disse aos capuchinhos nos EUA que eles não poderiam eleger um irmão como o seu Superior Provincial; em 2009, Roma vetou um esforço da congregação Maryknoll em eleger um irmão como o seu Superior americano. Isso aconteceu porque, tecnicamente, os irmãos são leigos, muito embora a maioria dos católicos não os considere como tais, e as regras católicas impedem os leigos de serem superiores.
(O novo documento do Vaticano reconhece este problema, mas não o resolve. O arcebispo espanhol José Rodríguez Carballo, secretário da Congregação para os Religiosos, disse na segunda-feira em coletiva de imprensa que será pedido ao Papa Francisco que crie uma comissão ad hoc de estudos para ponderar a participação dos irmãos no comando local, regional e geral da Igreja.)
Mas, então, o que mesmo é um irmão?
Eis o que você irá mais ou menos encontrar caso procurar pelo termo “irmão” na enciclopédia católica: “Leigos que assumem votos de pobreza, castidade e obediência. Pertencem a comunidades formadas de irmãos apenas, ou de irmãos e padres. Os irmãos religiosos se dedicam ao carisma particular de sua comunidade, expressa em serviço e oração”.
Essa definição é válida, porém não chega até o cerne do tema. O novo documento emitido esta semana aborda-o extensivamente. Porém três breves aspectos apenas são válidos de nota aqui em termos dos motivos por que uma Igreja sem irmãos religiosos seria uma Igreja significativamente empobrecida.
Em primeiro lugar, conforme lhe dirão muitos dos sacerdotes que pertencem às ordens religiosas, o sacerdócio é um aspecto fundamentalmente importante mas, até certo ponto, secundário em suas vidas. Eles consideram como sendo a coisa mais básica o ser um irmão em suas comunidades, por exemplo, as comunidades beneditinas ou franciscanas. Eles dirão que o cerne da identidade deles se dá na qualidade de beneditinos ou franciscanos, e que o sacerdócio é a maneira específica pela qual manifestam tais identidades.
Seja um irmão, um diácono, ou um sacerdote, o que é fundamental para todos os religiosos é que eles vivam a sua vocação como parte de uma família dedicada aos votos que assumem e à missão específica de suas comunidades. Os irmãos fazem isso de uma maneira única, porque não existe sobreposição clerical alguma acima dos seus compromissos nucleares.
Em outras palavras, se os irmãos se forem, um elemento-chave do entendimento católico da vida religiosa se vai com eles.
Em segundo lugar, os irmãos são únicos entre os religiosos, posto que eles não fazem parte da hierarquia da Igreja. Pelo menos em teoria, isso lhes dá mais liberdade para falar e agir, especialmente no compromisso com os ministérios aos mais necessitados.
Ao longo dos séculos, os irmãos religiosos estiveram nas linhas de frente das formas de serviço mais exigentes da Igreja – alimentando os famintos, confortando os doentes, educando os jovens, cuidando dos pobres, e assim por diante. Ainda iremos encontrar irmãos fazendo estas coisas hoje, geralmente com um espírito de total compromisso que os sacerdotes, em parte por causa das outras exigências que possuem, não têm condições de fazer.
Relacionado com o que estamos falando, os irmãos muitas vezes são capazes de ministrar a pessoas de uma maneira diferente: como sendo uma delas, sem quaisquer desvios de autoridade ou poder. Muitos irmãos relatam que as pessoas com quem eles trabalham lhes dizem: “Eu nunca diria isso a um padre, mas me sinto à vontade em dizer para você...”.
(Carballo indiretamente se referiu a este tema ao apresentar o documento na segunda-feira, dizendo que os irmãos testemunham o caráter essencialmente leigo da vida religiosa na Igreja.)
Em terceiro lugar, os irmãos são uma prova do valor da comunidade numa era hiperindividualista. Sem a pompa do sacerdócio, eles dão mostras de que doar a própria vida a uma comunidade religiosa, por si só, é parte fundamental da espiritualidade católica autêntica.
O Rev. John Pavlik, padre capuchinho e diretor executivo da Conferência dos Superiores Maiores, diz que os irmãos são um lembrete de que os católicos não devem ser “operadores independentes”, mas que fazem parte de uma família.
Conforme disse nesta segunda-feira o Cardeal João Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os Religiosos, em seu cerne a vocação de um irmão é simplesmente a vocação cristã.
Nos EUA, os irmãos católicos vêm se reunindo em um “think tank” (grupo de reflexão) há três anos para fomentar ideias destinadas ajudar em suas vocações. Até o momento eles tiveram oito sessões; com razão, estes religiosos desejam que a publicação do novo documento gere um novo impulso. Há planos para um simpósio nacional na Universidade de Notre Dame, onde irmãos seriam convidados a interagir com as lideranças da Igreja, clérigos e leigos, e a debater o documento.
O Irmão Robert Berger, professor de Estudos Religiosos da Manhattan College, diz que, certa vez, os irmãos foram vistos como homens extraordinários fazendo coisas ordinárias, comuns, posto que havia muitos irmãos por aí e os católicos normalmente colocavam as suas formas de viver sobre um pedestal.
Hoje, segundo ele, a situação está ao contrário; os irmãos são vistos como “homens comuns fazendo um ministério extraordinário”.
Esperamos que o documento desta segunda-feira ajude a garantir que estes “homens comuns” finalmente recebam o reconhecimento que merecem.

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