No final da década de 1980, eu
brevemente flertei com a ideia de uma vocação religiosa. Em certa etapa de
minha vida, pensei que poderia querer me tornar um irmão religioso, em grande
parte porque eu não tinha certeza quanto ao sacerdócio.
Conforme
qualquer diretor de formação que se preza diria a você, essa foi uma maneira
terrivelmente imatura de pensar uma vocação. Não se deve comprometer-se com uma
forma de vida simplesmente por causa daquilo que ela não é; é preciso haver
algum atrativo positivo, pois, caso contrário, a vocação não irá se sustentar. A
reportagem é de John L. Allen Jr.,
publicada por Crux,
14-12-2015 . A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Conforme ficou
constatado mais tarde, encontrar a minha esposa tirou de vez essa tal ideia de
minha cabeça, de forma que jamais tive de ponderar qual poderia ser o elemento
atrativo para uma vida de irmão religioso. Que pena, porque isso significa que
eu nunca realmente ultrapassei o muro do silêncio que, geralmente, circunda
aquela que é possivelmente a vocação menos conhecida, e menos apreciada, na
Igreja Católica.
Tudo isso me
ocorre agora porque, nesta segunda-feira (14 de dezembro), a Congregação para
os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica – mais
conhecida como “Congregação para os Religiosos” – apresentou um novo documento
intitulado “Identidade
e Missão do Irmão Religioso na Igreja”.
Como a maioria
dos textos vaticanos, este documento vinha há anos sendo produzido e,
honestamente, ele não trouxe grandes novidades em termos de notícia. É mais uma
meditação espiritual, entre outras coisas refletindo sobre a comunhão da
Trindade como o modelo e inspiração para a fraternidade vivida pelos irmãos uns
com os outros e com o mundo.
Negligenciar o
documento seria vergonhoso, no entanto, porque se há algum grupo dentro do
catolicismo que merece o seu lugar ao sol, este com razão é o dos irmãos
religiosos.
No mundo todo,
existem cerca de 55 mil irmãos na Igreja Católica, um número muito menor do que
o de padres (415 mil) e freiras (705 mil), ainda que seja um número comparável
ao de diáconos permanentes (42 mil). Nos EUA, há cerca de 4.300 mil irmãos religiosos, bem
abaixo dos mais de 12 mil em 1965 (2 mil dos atuais irmão já estão
aposentados).
O Ir. Paul Bednarczyk,
da Congregação de Santa Cruz, presidente da National Religious Vocation
Conference, chama os irmãos de “um dos segredos mais bem guardados da Igreja”.
O abade beneditino Jerome Kodell chamou
os irmãos de “o grupo mais invisível na Igreja”, alertando que o modo de vida
deles está em perigo de desaparecer da consciência pública”.
Em verdade, a
maioria dos católicos comuns nos bancos das igrejas só tem um vago conhecimento
de que os irmãos religiosos existem. Quando os católicos falam sobre vocações,
eles em geral o fazem em termos de “padres e freiras”, deixando de fora os
irmãos (e diáconos, a propósito) fora de cogitação.
O discurso
oficial católico restringe, às vezes, aos irmãos as oportunidades abertas de
liderança, com certeza contribuindo para um clima de negligência.
Por exemplo, em
2002, o Vaticano disse aos capuchinhos nos EUA que eles não poderiam eleger
um irmão como o seu Superior Provincial; em 2009, Roma vetou um esforço da
congregação Maryknoll em
eleger um irmão como o seu Superior americano. Isso aconteceu porque,
tecnicamente, os irmãos são leigos, muito embora a maioria dos católicos não os
considere como tais, e as regras católicas impedem os leigos de serem
superiores.
(O novo documento
do Vaticano reconhece este problema, mas não o resolve. O arcebispo espanhol José Rodríguez Carballo,
secretário da Congregação para os Religiosos, disse na segunda-feira em
coletiva de imprensa que será pedido ao Papa Francisco que crie uma comissão ad hoc de
estudos para ponderar a participação dos irmãos no comando local, regional e
geral da Igreja.)
Mas, então, o
que mesmo é um irmão?
Eis o que você
irá mais ou menos encontrar caso procurar pelo termo “irmão” na enciclopédia
católica: “Leigos que assumem votos de pobreza, castidade e obediência.
Pertencem a comunidades formadas de irmãos apenas, ou de irmãos e padres. Os
irmãos religiosos se dedicam ao carisma particular de sua comunidade, expressa
em serviço e oração”.
Essa definição é
válida, porém não chega até o cerne do tema. O novo documento emitido esta
semana aborda-o extensivamente. Porém três breves aspectos apenas são válidos
de nota aqui em termos dos motivos por que uma Igreja sem irmãos religiosos
seria uma Igreja significativamente empobrecida.
Em primeiro
lugar, conforme lhe dirão muitos dos sacerdotes que pertencem às ordens
religiosas, o sacerdócio é um aspecto fundamentalmente importante mas, até
certo ponto, secundário em suas vidas. Eles consideram como sendo a coisa mais
básica o ser um irmão em suas comunidades, por exemplo, as comunidades
beneditinas ou franciscanas. Eles dirão que o cerne da identidade deles se dá
na qualidade de beneditinos ou franciscanos, e que o sacerdócio é a maneira
específica pela qual manifestam tais identidades.
Seja um irmão,
um diácono, ou um sacerdote, o que é fundamental para todos os religiosos é que
eles vivam a sua vocação como parte de uma família dedicada aos votos que
assumem e à missão específica de suas comunidades. Os irmãos fazem isso de uma
maneira única, porque não existe sobreposição clerical alguma acima dos seus
compromissos nucleares.
Em outras
palavras, se os irmãos se forem, um elemento-chave do entendimento católico da
vida religiosa se vai com eles.
Em segundo
lugar, os irmãos são únicos entre os religiosos, posto que eles não fazem parte
da hierarquia da Igreja. Pelo menos em teoria, isso lhes dá mais liberdade para
falar e agir, especialmente no compromisso com os ministérios aos mais
necessitados.
Ao longo dos
séculos, os irmãos religiosos estiveram nas linhas de frente das formas de
serviço mais exigentes da Igreja – alimentando os famintos, confortando os
doentes, educando os jovens, cuidando dos pobres, e assim por diante. Ainda
iremos encontrar irmãos fazendo estas coisas hoje, geralmente com um espírito
de total compromisso que os sacerdotes, em parte por causa das outras
exigências que possuem, não têm condições de fazer.
Relacionado com
o que estamos falando, os irmãos muitas vezes são capazes de ministrar a
pessoas de uma maneira diferente: como sendo uma delas, sem quaisquer desvios
de autoridade ou poder. Muitos irmãos relatam que as pessoas com quem eles
trabalham lhes dizem: “Eu nunca diria isso a um padre, mas me sinto à vontade
em dizer para você...”.
(Carballo indiretamente
se referiu a este tema ao apresentar o documento na segunda-feira, dizendo que
os irmãos testemunham o caráter essencialmente leigo da vida religiosa na
Igreja.)
Em terceiro
lugar, os irmãos são uma prova do valor da comunidade numa era
hiperindividualista. Sem a pompa do sacerdócio, eles dão mostras de que doar a
própria vida a uma comunidade religiosa, por si só, é parte fundamental da
espiritualidade católica autêntica.
O Rev. John Pavlik,
padre capuchinho e diretor executivo da Conferência dos Superiores Maiores, diz
que os irmãos são um lembrete de que os católicos não devem ser “operadores
independentes”, mas que fazem parte de uma família.
Conforme disse
nesta segunda-feira o Cardeal João Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os
Religiosos, em seu cerne a vocação de um irmão é simplesmente a vocação cristã.
Nos EUA, os irmãos
católicos vêm se reunindo em um “think tank” (grupo de reflexão) há três anos
para fomentar ideias destinadas ajudar em suas vocações. Até o momento eles
tiveram oito sessões; com razão, estes religiosos desejam que a publicação do
novo documento gere um novo impulso. Há planos para um simpósio nacional na
Universidade de Notre Dame, onde irmãos seriam convidados a interagir com as
lideranças da Igreja, clérigos e leigos, e a debater o documento.
O Irmão Robert Berger,
professor de Estudos Religiosos da Manhattan College, diz que, certa vez, os
irmãos foram vistos como homens extraordinários fazendo coisas ordinárias,
comuns, posto que havia muitos irmãos por aí e os católicos normalmente
colocavam as suas formas de viver sobre um pedestal.
Hoje, segundo
ele, a situação está ao contrário; os irmãos são vistos como “homens comuns
fazendo um ministério extraordinário”.
Esperamos que o
documento desta segunda-feira ajude a garantir que estes “homens comuns”
finalmente recebam o reconhecimento que merecem.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário