Esta é a questão decisiva que marca o
fim da primeira parte do evangelho de Mateus… Questão que continua hoje a ser
posta a cada um de nós, e todos somos convocados a respondê-la.
A reflexão é de Marcel Domergue,
sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do
21º Domingo do Tempo Comum (Domingo, 24 de Agosto de 2014). A tradução é de
Francisco O. Lara e João Bosco Lara.
Eis
o texto.
Referências
bíblicas
1ª leitura: Isaías 22,19-23
2ª leitura: Romanos 11,33-36
Evangelho: Mateus 16,13-20
Rumo
à prova decisiva
Este texto do capítulo 16 de Mateus
perde muito do seu significado quando separado dos versículos 21-28 que vêm
logo a seguir e que só serão lidos no próximo domingo. De fato, Jesus está à
véspera de partir para Jerusalém onde será crucificado (versículo 21, fora da
leitura). Seus discípulos irão conhecer a prova maior da fé: é possível ter
vindo de Deus, para estabelecer o seu «Reino», um homem que foi superado pelo
complô dos que não aceitam a sua mensagem? E se não é o enviado de Deus, quem é
ele? Daí vem a questão que abre este relato: «Quem dizem os homens ser o Filho
do homem?» A resposta é significativa: Jesus não é visto apenas como uma
espécie de reencarnação de um personagem do passado, mas é classificado ainda entre
os personagens religiosos tradicionais. Não se vê o que ele tem de excepcional,
de único. E os discípulos que estão próximos a Jesus, que não se contentam em
escutar os seus ensinamentos, mas compartilham de sua vida? Eles, precisamente,
irão estar na primeira linha nesta prova de fé decisiva que se vai ter de
atravessar e que vai fazê-los duvidar. «E vós, quem dizeis que eu sou?» Este
«vós» dirige-se prioritariamente aos Doze. Em nome deles, Pedro responde com
uma profissão de fé que só poderá encontrar a sua forma e ganhar o seu sentido
pleno à luz da Ressurreição. Sem que possam defini-la, os discípulos pressentem
já, desde os primeiros encontros, a identidade secreta de Jesus, mas será na
Páscoa, anunciada aqui no versículo 21, que ela se fará declarar em plena luz
do dia.
"Tu
és o Filho do Deus vivo"
Porque aceita morrer na cruz é que Jesus
pode ser reconhecido como Filho de Deus, ou seja, perfeita imagem e semelhança
de Deus. «Odiado sem razão» (João 15,25), foi de fato também sem razão que ele nos
deu o seu amor. Ele pôs no mundo o amor com o qual o Pai, a Origem, nos ama:
Foi, com efeito, «sem razão» que Deus nos fez existir. Vamos, no entanto,
repetir que, aqui, a palavra Filho não tem o seu sentido habitual; por isso a
escrevemos com uma maiúscula. Para João (1,1-5), o Verbo existe desde sempre,
fora do tempo. Não vem depois de Deus, mas, se podemos dizer isto sem colocar
Deus no tempo, Ele é contemporâneo de Deus. Paulo, em Colossenses 1,15-17, dirá
que Ele é «a Imagem do Deus invisível», o que é um paradoxo. Como pode o
invisível ter uma imagem? Ele é «o Primogênito de toda a criatura». Anterior a
tudo, porque tudo o que existe só existe n’Ele e por Ele. Esta Palavra
criadora, que habita o homem como um fermento para fazê-lo crescer, emerge quando
aparece Jesus. Só então a nossa criação faz-se completa: o Cristo é o homem do
final, o homem totalmente perfeito, o «Filho do homem», imagem humana do Deus
invisível e, por aí, o Filho de Deus. O filho é, com efeito, imagem e
semelhança: esta fórmula empregada para definir o homem em Gênesis 1,26 é
repetida em 5,1 e utilizada novamente a propósito do primeiro filho de Adão. O
Filho de Deus está em gestação no homem por toda a eternidade de Deus.
"E
tu és Pedro"
Em Jesus, as pessoas viam apenas o filho
do carpinteiro de Nazaré; só a fé poderia fazê-los pressentir a plenitude da
sua identidade. O mesmo vale para Simão: vendo-o, diz-se que é o «Filho de
Jonas». Perfeito! Só que, neste instante, não é esta herança, esta filiação de
carne e sangue que está falando por ele, mas sim a sua origem absoluta, Aquele
que é o Pai de tudo o que existe e que em Cristo foi criado. Simão torna-se
«Pedro». Na Bíblia, a mudança do nome significa uma mudança de destino. Abrão,
«pai muito elevado», torna-se Abraão, «pai de multidões»; Jacó torna-se Israel,
«forte contra Deus»… O que significa «Pedro»? O rochedo sobre o qual se pode
apoiar e construir, porque é sólido e não decepciona. É o próprio Deus: «Deus é
o meu rochedo, a minha fortaleza, o meu libertador…» (2 Samuel 22,2…). O mesmo
vale para o rochedo que Moisés “ferirá” com a sua vara, para fazer jorrar a
água (Êxodo 17,1-7). Paulo vê neste rochedo (ao qual acrescenta a faculdade de
mover-se, qualificando-o como «espiritual») uma figura do Cristo (1 Coríntios
10,4). Mas a pedra pode tornar-se uma pedra de tropeço que provoca a queda do
transeunte que nela venha a tropeçar. Simão recebe a missão de se tornar a
pedra sobre a qual será construído o edifício da fé. Mas aqui, no final do
relato, o vemos tornar-se a pedra sobre a qual se tropeça. Agora é a sua
herança humana que está falando por ele, e não a voz do Pai.
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/
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