O
jovem A. tem 24 anos e mora em um país muçulmano. O fato de vir de família
católica faz de sua casa alvo de constantes ameaças. O sonho do avô era, um
dia, ver um papa pessoalmente. A. o realizou ao vir ao Rio para a Jornada
Mundial da Juventude, há um mês. Assim como outros 40 peregrinos de países onde
existem a perseguição religiosa e os conflitos armados, o rapaz, jurado de
morte só por participar do evento, não quer ir embora: está pedindo refúgio ao
governo brasileiro. A reportagem é de Roberta Pennafort e publicada pelo jornal
O Estado de S. Paulo, 23-08-2013.
"Não
posso voltar. Já avisaram que matam não só a mim, mas toda a minha
família", contava ontem, chorando, na Casa de Acolhida da Cáritas
Arquidiocesana do Rio de Janeiro, na zona norte da cidade, seu novo endereço.
"Durante a JMJ, me senti extremamente livre ao ver milhões de pessoas na
rua gritando, cantando, professando sua fé. Estou triste por não ver mais o
rosto da minha mãe antes de dormir, mas lá não consigo um bom emprego pelo simples
fato de ser cristão, mesmo tendo estudado toda a minha vida e me formado em
Artes e Jornalismo."
Os
peregrinos são jovens na casa de 20 anos, egressos de três países: Paquistão,
Serra Leoa e República Democrática do Congo. Os congoleses fogem da violência
em seu país e se abrigaram com conterrâneos já radicados no Rio. Os demais
estão espalhados em paróquias. Alguns trazem marcas de tortura no corpo;
histórico de mortes de familiares e de humilhações são comuns.
Para
acelerar a adaptação ao novo país, eles têm aulas de português duas vezes por
semana, duas horas por dia. A comunicação é toda em inglês. Os jovens se mantêm
e se alimentam com a ajuda da Igreja, de fiéis e de voluntários. O contato com
a família, raro, é por telefone e internet. Ao Estado, pediram para não terem o
nome nem a nacionalidade publicados, por temerem pela segurança dos que ficaram
para trás.
"Aqui
as pessoas são muito felizes, cada um tem sua religião. É o paraíso. Na minha
comunidade, se você é cristão, e não muçulmano, não te dão nem um copo d'água.
Sou coagido o tempo todo a virar muçulmano, mas podem cortar a minha cabeça que
eu não viro, pois tenho muito orgulho da minha fé", disse outro rapaz, de
olhar perdido.
"Mataram
meu pai e minha irmã quando ela tinha 7 anos. Minha mãe teve de fugir da nossa
cidade. Sofro muita pressão psicológica, o que pode ser pior do que tortura
física", relatou outro, para quem a vida de refugiado, ainda que
melancólica, se prenuncia melhor do que a de medo que tinha antes.
Processo
Assim
que a Jornada Mundial da Juventude acabou, no dia 28 de julho, os jovens
pediram ajuda a religiosos com quem mantiveram contato. Já marcaram entrevistas
na Polícia Federal, para dar início ao processo por que passam todos os
candidatos a refugiados. Os casos serão analisados pelo Comitê Nacional para
Refugiados (Conare), presidido pelo Ministério da Justiça. A Cáritas de São
Paulo tem outros cinco casos. Se forem aprovados, os estrangeiros terão os
vistos trocados.
Segundo
Andres Ramirez, representante no Brasil do Alto Comissariado da Organização das
Nações Unidas para Refugiados (Acnur), são situações-limite, que se enquadram
na Lei 9.474, que dispõe sobre o tema e estabelece que "será reconhecido
como refugiado todo indivíduo que por fundados temores de perseguição por
motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas
encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira
acolher-se à proteção de tal país".
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br
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