Ildo Bohn Gass
A
narrativa do evangelho proposta para este final de semana encontra-se em Lucas
13,22-30. Nela, Jesus deixa claro que faz parte do seu projeto de libertação
quem anda no caminho da justiça, isto é, que entra pela porta estreita da casa
do Reino.
Neste
relato, mais uma vez encontramos Jesus ensinando abertamente nas cidades e
aldeias. Assim, anuncia o caminho da justiça a todas as pessoas, independente
de sua cultura ou etnia. Jesus dirige-se decididamente para Jerusalém, onde
enfrentará os poderes da injustiça, e que o condenarão à morte (cf. Lucas
13,22).
Podemos dividir a catequese sobre o
caminho do discipulado em quatro momentos.
Jesus
"passava por cidades e aldeias e caminhava para Jerusalém". Essa
informação não está à toa no lugar em que se encontra. É que o tema fundamental
desta narrativa é a respeito do caminho que leva à salvação.
É
justamente no caminho para Jerusalém, o caminho do seguimento (Lucas
9,51-19,48), que Jesus vai clareando qual é o projeto para as pessoas que
decidem segui-lo. É o caminho da não violência (Lucas 9,51-56), da prioridade
do anúncio do Reinado de Deus (Lucas 9,57-62). É levar a todos os povos do
mundo a paz, a saúde, a boa-nova do Reino e a superação de todas as forças
maléficas (Lucas 10,1-20). É priorizar os pequeninos (Lucas 10,21-25), bem como
a única lei, a do amor pleno, que se traduz, a exemplo do samaritano, em
solidariedade com quem sofre discriminação e violência (Lucas 10,26-37).
Para
não nos alongarmos, lembramos ainda que o caminho do discipulado é o da
partilha (Lucas 12,33-34), ao contrário da ganância do homem rico (Lucas
12,16-21) e do rico avarento (Lucas 16,19-31). Só por isso, já é possível
perceber que a porta para entrar nesta casa do Reino é estreita, muito
estreita. Além de exigir renúncia e desapego, esforço e perseverança, ela
enfrenta interesses pesados, sejam eles políticos, econômicos ou religiosos.
Não é por acaso que o texto informa que Jesus está a caminho de Jerusalém, onde
viverá o desfecho deste conflito, sendo condenado à morte pelos poderes
religiosos e imperiais, agora de braços dados (Lucas 13,31-35; 23). A porta
estreita da justiça também é a porta da cruz (Lucas 18,31-34).
É
neste contexto que um judeu anônimo em meio ao povo pergunta: "Senhor, são
poucos os que se salvam?" No judaísmo daquele tempo, era pensamento comum
que somente os judeus eram o povo eleito e que a salvação era para eles. É
verdade também que judeus mais piedosos pensavam que não bastava ser judeu. Era
preciso também viver a lei de Deus em todos os seus detalhes.
Jesus,
no entanto, não responde a pergunta. Em vez de dizer quantos se salvam, Jesus
deixa claro que a salvação não pertence a nenhum povo especial ou a nenhum
grupo privilegiado. Ela é de todas as pessoas que lutam para entrar pela porta
estreita.
Jesus
esclarece que há duas portas, dois caminhos. Um é estreito e o outro é largo.
Jesus se refere a que portas? São, na verdade, dois projetos de vida.
Ainda
no caminho para Jerusalém, Jesus resume esses dois projetos da seguinte forma:
"Nenhum servo pode servir a dois senhores: ou odiará um e amará o outro,
ou se apegará a um e desprezará a outro. Não podeis servir a Deus e ao
dinheiro" (Lucas 16,13).
De
um lado, temos o projeto do dinheiro. Entrar pela porta deste projeto não exige
esforço. Ela é larga e tem como mística o individualismo, o consumismo e a
busca de riqueza individual como sentido de vida.
O
outro projeto é o Reino de Deus e a sua justiça. Entrar pela porta deste
projeto exige esforço. Seguir este caminho é deixar o individualismo e a
acomodação, o pensar somente em si e o acumular. Entrar pela porta da equidade
requer acolhida e solidariedade, partilha e superação de preconceitos. Tudo isso
exige conversão permanente aos valores de Deus. E Jesus tem claro que, diante
das facilidades que o outro caminho oferece, é preciso esforçar-se para ser
fiel ao plano de Deus. Essa foi sua experiência na luta contra as propostas
diabólicas deste mundo, isto é, a fama, o poder e a riqueza (cf. Lucas 4,1-13).
Adiante,
no próprio evangelho deste domingo, veremos que o segundo projeto é a prática
da injustiça. Assim, Jesus deixa-nos claro que lutar para entrar pela porta
estreita é o mesmo que praticar a justiça.
3. "Afastai-vos de mim, vós todos,
praticantes da injustiça" (Lucas 13,25-28)
Na
sequência, Jesus conta uma parábola a respeito de um banquete a portas
fechadas, o banquete do Reino. Ali, terão lugar os praticantes da justiça.
Não
entra pela porta do Reino quem optar pela prática da iniquidade. É o contrário
do projeto da porta estreita.
Quem
pratica a injustiça exclui-se da casa do Reino. Ali não entrará, pois busca
portas largas e cheias de facilidades. É que a porta da casa do Reino é restrita.
E não é Jesus quem exclui ou fecha a porta. Quem pratica a injustiça está
apegado à riqueza, ao poder e ao consumismo. Está muito "gordo" para
passar na porta da justiça. E, então, não existe chance para ele? Sim, há.
Porém, precisa queimar muita "gordura", a gordura da injustiça com
todos os seus frutos de violência, de discriminação e de exclusão.
Vimos
acima como Jesus se referiu aos dois caminhos fundamentais. De um lado, o
projeto de Deus que gera vida em abundância (João 10,10) e, de outro, o projeto
do dinheiro. E "no amor ao dinheiro está a origem de todos os males"
(1Timóteo 6,10).
Conhecemos
também quais são os frutos de quem adere a esse projeto da porta larga. Para
quem busca esta porta não servem desculpas. Não adianta dizer "nós comemos
e bebemos contigo e ensinaste em nossas praças" (Lucas 13,26). Não basta
somente participar na comunidade, nas liturgias e na catequese. É preciso muito
mais. É preciso o essencial: praticar a justiça. A vida comunitária tem sentido
quando celebra e fortalece a luta para entrar pela porta estreita, a prática da
justiça.
4. A boa-nova de Jesus é para todas as
pessoas que lutam pela justiça (Lucas 13,29-30)
Por
fim, em vez de Jesus responder ao judeu anônimo quantas pessoas se salvam, se
são poucas ou muitas, Jesus aproveita a oportunidade para mostrar que a
boa-nova do Reino não pertence a nenhuma pessoa ou movimento, povo ou grupo
privilegiados. A salvação, a participação no Reino, não é mérito de ninguém. No
entanto, faz parte do Reino quem decidir com firmeza pela porta do discipulado,
a porta estreita. E esta requer esforço.
E
mais. Esta porta da justiça não tem fronteiras. Não existe ali um porteiro que
faz uma triagem prévia. O direito de passar por essa porta não é exclusivo de
nenhum movimento religioso ou filosófico. Na porta estreita passam todas as
pessoas de boa vontade e que estão abertas ao caminho da equidade, independente
da cor da pele, da idade, do sexo, da religião. Pois outro será o critério.
Será a prática da justiça, que gera pessoas recriadas, que produzem frutos de
partilha e de solidariedade, de liberdade e de vida. Em Mateus 25,34-36, Jesus
recorda o que caracteriza uma pessoa justa: é todo aquele que se solidariza com
quem está com fome e com sede, sem roupa e sem casa, sem saúde e sem liberdade.
Nisso, aliás, consiste a verdadeira religião: "assistir os órfãos e as
viúvas em suas aflições, conservando-se sem mancha neste mundo" (Tiago
1,27). E, segundo Amós 5,24, o verdadeiro culto a Deus é aquele em "que o
direito corre como a água e a justiça como um rio perene".
O
Livro de Atos dos Apóstolos, que foi escrito pelos mesmos autores do evangelho
segundo Lucas, resume em poucas palavras essa perspectiva universal do Reino,
tema do evangelho deste final de semana. Assim afirma o judeu Pedro na casa do
gentio Cornélio: "Na verdade, eu me dou conta que Deus não faz acepção de
pessoas e de que, em toda nação, quem lhe for fiel e praticar a justiça é
acolhido por ele" (Atos 10,34-35). Lutai, portanto, para entrar pela porta
estreita, a porta da casa do Reino.
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