Pe. Thomaz Hughes, SVD
(Lucas 13,22-31)
COMENTÁRIO
Jesus
continua a sua caminhada em direção à Jerusalém, e no caminho, prossegue
ensinando os seus discípulos. O debate agora é sobre uma questão que sempre
intrigava os cristãos - e também os de outras crenças: “É verdade que são
poucos aqueles que se salvam?” (v. 23).
“É
verdade que são poucos os que se salvam?”
Durante muito tempo, o assunto de muitas pregações nas igrejas
era a condenação. Falava-se muito mais em pecado do que na graça, no diabo do
que em Jesus, do inferno do que no céu ou no projeto de Jesus para este mundo.
Infelizmente, especialmente nos ambientes fundamentalistas, tanto católicos
como protestantes, essa tendência volta a vigorar. É só assistir certos
programas de TV e rádio! Neste trecho Jesus nos ensina como enfrentar esta
questão!
Chama
a atenção que Jesus não responde à pergunta. Ele não indica se são muitos os
que se salvam, ou não. A preocupação d’Ele é que as pessoas vivam de acordo com
o projeto de Deus. Nisso encontrarão a salvação. Por isso, ele desvia a atenção
do ouvinte da questão do “além morte” para que volte à vivência prática da fé.
O conselho d’Ele é claro: “Façam todo o esforço possível para entrar pela porta
estreita” (v. 24). Resta perguntar - em que consiste esta “porta
estreita?” O texto nos dá a resposta: “Ele responderá: “Não sei de
onde são vocês. Afastem-se de mim todos vocês que praticam a injustiça” (v. 27)
Interessante
que Deus afastará os que praticam a injustiça - não fala daqueles que têm
fraquezas humanas, que têm uma fé diferente, que ignoram as verdades da
teologia - ou seja, se preocupa com a prática da injustiça. Pois o seguimento
de Jesus é basicamente isso, o amor prático, que se manifesta na justiça. Sem
esta prática, simplesmente a fé é vã! A “porta estreita” é a prática da
justiça!
Jesus adverte que
talvez não sejam os que conhecem a sua mensagem que irão herdar o Reino. Pois o
critério do julgamento não será o conhecimento teórico do evangelho, mas a sua
vivência concreta na justiça, conforme ele diz: “Muita gente virá do oriente e
do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus” (v.
29)
Diante
do fechamento do judaísmo farisaico, com a sua religião nacionalista, Jesus
abre perspectivas ecumênicas - a salvação não se restringe aos que faziam parte
oficialmente do Povo de Deus! Virão pessoas do mundo todo - as pessoas que,
mesmo sem conhecer a Bíblia - viviam a luta pela justiça!
É
impossível, no nosso mundo de exclusão, fugir da questão da justiça. A
Conferência de Santo Domingo, seguindo as de Medellin e Puebla, já perguntou
como era possível que as piores injustiças do mundo se dão exatamente no
continente nosso, que se diz cristão! A Conferência de Aparecida continuou com
essa preocupação. Como é possível que nos países oficialmente católicos há
tantos rostos do Cristo crucificado? Não é possível ser cristão sem lutar em
favor das pessoas com “rostos desfigurados pela fome, rostos desiludidos pelas
promessas políticas, rostos humilhados de quem vê desprezada a própria cultura,
rostos assustados pela violência cotidiana e indiscriminada, rostos angustiados
de menores, rostos de mulheres ofendidas e humilhadas, rostos cansados de
migrantes sem um digno acolhimento, rostos de idosos sem as mínimas condições
para uma vida digna” (João Paulo II,Vita Consecrata nº 76).
Não devemos medir
o nosso cristianismo e a pujança da nossa fé pelos belos edifícios e imponentes
matrizes, nem pelas belas celebrações e concentrações nas grandes ocasiões, por
tão válidas e até importantes que possam ser. Meçamos a nossa fé, a nossa
adesão ao Reino pelo nosso empenho em prol dos empobrecidos, pelos
injustiçados, não nos limitando a uma ação meramente assistencialista (por tão
imprescindível que tais ações sejam), mas também nos engajando na luta pela
mudança estrutural de uma sociedade cujo projeto de vida - o neo-liberalismo
selvagem - nada mais é do que um projeto de morte, e portanto anti-evangélico e
pecaminoso.
É
mister unirmos as nossas forças às das pessoas de boa vontade de todas as
crenças e de nenhuma, para que em parceria defendamos a vida ameaçada na
sociedade moderna. Aprendamos de Jesus neste trecho - ele não permite que os
seus interlocutores fiquem olhando somente para o que acontecerá depois da
morte, lá no além, mas insiste que olhem para a vida cotidiana, com as suas
exigências em favor dos oprimidos. O grande teólogo
dominicano sul-africano, Albert Nolan, tocou nessa questão quando escreveu no
seu livro “Jesus Antes do Cristianismo”: “De um modo geral, quer nos
denominemos cristãos, quer não, não costumamos tomar Jesus a sério.
Existem notáveis exceções, mas, habitualmente, nós não amamos os nossos
inimigos, não damos a outra face, não perdoamos setenta vezes sete, não
abençoamos quem nos insultam, não partilhamos aquilo que temos com os pobres
nem colocamos toda a nossa esperança em Deus”....“Jesus tem sido mais frequentemente
honrado e venerado por aquilo que ele não significou, do que por aquilo que ele
realmente significou. A suprema ironia é que algumas das coisas, às quais
ele mais fortemente se opôs na sua época, foram ressuscitadas, pregadas e
difundidas mais amplamente através do mundo – em seu nome.”(Nolan – Jesus antes
do Cristianismo p. 15)
Ressoa
uma advertência para nós que somos frequentadores das Igrejas, que conhecemos
os ensinamentos do Evangelho, e que talvez caiamos na tentação de um certo
elitismo religioso: “Vejam: há últimos que serão primeiros, e primeiros que
serão últimos” (v. 30). Ser primeiro ou último, acolhido ou afastado, depende
em primeiro lugar do nosso empenho pela justiça!
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