A presença de São João da Cruz
Bruno
Secondin[1]
Foi o
teólogo K.Rahner quem previu para o próximo século uma tipologia
de homem religioso
mais disponível para a
experiência mística. O teólogo
jesuíta não estava prevendo a chegada de um grande número de místicos
excepcionais, mas antes uma vida cristã (ou melhor, simplesmente religiosa ou
piedosa - em alemão, der Fromme-), na qual a fé intensamente vivida
torna-se transparência mediante o amor. Não sabemos se terá razão.
Com
certeza, porém, podemos afirmar que hoje muitos são os sintomas de uma
"nova fase" para a mística e de uma nova sorte para os místicos,
ainda que a sua fisionomia pluridimensional exija percorrer muitas linhas para
encontrar o seu "centro"[2].
Descoberta
do Misticismo
Paradoxalmente está
o pós-moderno redescobrindo
e revalorizando a religião e a própria mística[3]. Não
como um salto "além-fronteiras",
mas como a
plenitude da existência e da própria fé, a profundidade da sua
autenticidade. Também sobre este
ponto K.Rahner parece ter tido
uma intuição muito boa: de fato para ele "a mística na sua própria
natureza específica é um íntimo,
essencial momento da fé", e
assim "o místico não está
sobre um degrau acima do crente"[4].
Quanto
a esta "persistência do misticismo"[5] já há
quem se preocupe, suspeitando de uma
"volta do sagrado irracional
e doentio"; um outro lê aí uma "fuga" coletiva, provocada pela necessidade de
certezas e soluções imediatas, que a
sociedade complexa já não fornece
mais. O recurso à "mística" e ao
"misticismo" estaria revelando um desfalecimento das esperanças e
uma impotência dos
projetos: o curto-circuito da fé estaria provocando "fortes emoções" sem história e oferecendo o justo
"álibi" para se subtrair às complexas solidariedades históricas.
Para
os psicanalistas, desde sempre, são os místicos apenas vítimas de figuras
paternas opressivas, de regressão à infância, de histérico narcisismo. Mais do
que linguagem festiva da fé[6], a
experiência "mística" parece-lhes
uma literatura de
evasão nevrótica ou valsa religiosa para os aposentados da
história.
Mas
esta posição crítica e de suspeitas não está mais na moda, embora seja ainda
hoje lamentável a credulidade fácil neste terreno. Com efeito mística e
misticismo demonstram muito grande "in", isto é, "estar na
crista da moda"; são palavras suntuosas,
sedutoras: fazem parte daquele processo de nova sedução, que a
religião parece ter em todas as culturas. Ainda não estamos na invasion des
mystiques, mas sem dúvida já domina certa mania de experiências vertiginosas,
vitalísticas, talvez gnósticas e até mesmo exotéricas.
Pode-se
ver aí uma espécie de consumismo religioso, de efeito imediato, sem paciência
nem profundidade. Uma sondagem entre os adultos americanos atestava que em 1974
mais de 40% dentre eles pensavam
ter tido alguma experiência
mística: sensações de luz, amor,
comunhão, eternidade. Uma pesquisa
Gallup de 1976
descobria que 16%
estavam entregues a uma disciplina mística, com prevalência das
religiões orientais ou de cura espiritual.
Quem
teria esperado por isso nem que seja somente há uns cem anos? O século passado,
como tendência cultural geral, não tinha muita simpatia pela mística nem pelas
experiências dos místicos. Numerosos eram então os estudos médico-positivistas,
que viam os místicos como exaltados, caracteriais, epiléticos, histéricos. Também,
como reação contra tais interpretações "redutoras", nasceu
entre os católicos um interesse novo pelo patrimônio histórico e
pelos percursos antropológicos
dos místicos.
É no último
decênio do século passado - existe aqui também uma ligação
cronológica, mas apenas casual, com
o anterior centenário da morte de
João da Cruz - que entre os teólogos e historiadores católicos
começa uma nova, científica e também robusta pesquisa
sobre a mística. E veremos logo os pontos-chaves do seu desenvolvimento.
Para os
teólogos protestantes, ao
contrário, o juízo a respeito da mística permanecerá
decididamente negativo, ao menos até os anos 60. Depois andou
mudando. Mas alguma desconfiança sempre perdura por causa da
suspeita de que o desejo de posse de Deus prevaleça sobre o encontro nu
e fiducioso com o
Deus que salva livremente.
I. Traços
históricos
Da
"querelle mystique" à "vida espiritual"
Não
pretendo traçar a história da palavra mística e dos seus derivados e
conexos: o caos semântico por todos conhecido acompanha a natureza ambígua,
selvagem e paradoxal das palavras dos próprios místicos[7].
Sabe-se
que, tanto pela sua origem (grega e extrabíblica) como pela tradição semântica
dos séculos, a palavra "mística" tem uma poderosa polivalência de conceitos e se presta a mil
usos. O século XVII inventou o substantivo mística; o século XVIII, o
termo misticidade; o século XIX, o neologismo misticismo. O nosso
século fala de neomística, mística não-cristã, mística selvagem e usa
abundantemente o termo substantivo "mística" com referência a
coisas muito pouco
religiosas, como mística revolucionária, do esporte, da luta de classes,
do feminismo e até do sexo e de outras coisas mais.
Bastaria
então apenas este aceno à invenção recente dos neologismos para se entender
como é preciso ser cauteloso; e tanto mais, ao interpretarmos com termos nossos
aquilo que nos séculos passados era chamado com outros vocábulos. São João da
Cruz, por exemplo, não somente não usa nenhum dos três substantivos acima
citados (mística, misticidade, misticismo); mas também, até quando
usa o adjetivo
místico/a (dez vezes
apenas[8], e
Teresa só três), pretende dizer "contemplativo", ou então
"espiritual".
Dois
textos fundamentais devem ser citados como terminus a quo do despertar
dos estudos sobre mística: o Traité de la vie intérieure[9] de
A.Meynard em 1885
e Les degrés da la vie
spirituelle de A.Saudreau em 1896. Propõem uma doutrina sobre a mística -
que depois completarão com outras obras científicas[10] - baseada
na convicção de
que toda a
vida espiritual tem um
desenvolvimento unitário, desde os
graus mais baixos
até o vértice, que
é a contemplação
infusa. A mística é, portanto, essencial
para a santidade, caminho obrigatório para todos, e a contemplação adquirida
não teria existência nem fundamento. O movimento antimístico
espanhol do século XVI e a
escolástica barroca teriam sido
a causa da "alteração" desta
doutrina "tradicional".
Esta posição
entrava claramente em conflito
com a teoria clássica dos carmelitas. O primeiro a reagir em termos teológicos
foi, contudo, o jesuíta A.F.Poulain, que tinha já escrito em 1893 um pequeno
tratado sobre La mystique de Saint Jean de la Croix. No início
deste século publica o trabalho exigente Les grâces d'oraison[11]. Poulain
está mais propenso
ao método positivo-indutivo e até
mesmo, através de textos e documentação histórica, distingue duas
formas de contemplação:
uma mais ativa e uma totalmente passiva. Esta é raríssima e
extraordinária, enquanto a ativa é mais freqüente e ordinária. Não é, portanto,
necessário o estado místico para se chegar à perfeição.
A
polêmica entre Saudreau
e Poulain consumiu
alguns decênios[12], e nela
tomaram parte muitos
teólogos famosos, por exemplo,
A. M. Meynard, M. de la
Taille, J. Maréchal, R. Garrigou-Lagrange, A.Gardeil, J.Arintero,
J.De Guibert, A.Farges e outros. Os
carmelitas certamente foram
chamados em causa,
mas somente num segundo momento entraram na polêmica, defendendo e
ilustrando a natureza
e a função da contemplação ativa ou adquirida. Descalços
espanhóis e franceses distinguiram-se
nesta defesa da sua posição
clássica que, afinal, resultou então melhor documentada, é
verdade, mas também
relativizada, a favor do carácter
teologal e, conseqüentemente, "gratuito" da experiência contemplativa. Gabriel de
Santa Maria Madalena procurou conciliar as duas posições, defendendo a
distinção de duas contemplações (segundo os textos clássicos), mas também
aceitando a normalidade da contemplação mística no caminho da perfeição.
A
polêmica teve como resultado positivo um grande progresso em todo
o setor da mística. Veio pouco a pouco formando-se um
corpus de idéias menos fragmentado sobre a verdadeira
natureza dos estados
místicos, sobre a
relação entre vocação
à santidade/perfeição, itinerário teologal e de prática de virtudes e o
vértice da experiência espiritual; sobre a secundariedade dos fenômenos
místicos extraordinários,
sobre a
superação de uma distinção/justaposição de perfeição ascética e perfeição mística
e sobre
a integração entre psicologia e
teologia no estudo dos místicos.
"Ascética e mística
serão, enfim, dois modos
de experimentar a mesma vida teologal. Antes, afinal, parecerá mais correto
falar não de «ascética», mas de «experiência cristã», dentro da qual, e com
ela homogênea, encontra lugar a experiência mística propriamente dita"[13].
Na
prática, a querelle mystique serviu de precursora para o
amadurecimento da teologia espiritual
como disciplina teológica, no âmbito da qual foram depois enfrentadas outras
modalidades da experiência mística cada vez mais emergentes.
Outra vantagem
relevante arrancada da
polêmica foi um cuidado muito
mais sério com
os textos críticos dos grandes
mestres da mística:
novas edições completas
das suas obras, reconstrução dos contextos históricos a eles relativos,
profundas pesquisas nos testemunhos contemporâneos tanto eclesiásticos como
culturais.
Sobretudo,
duas modalidades de interesse
parecem-me ter um valor
significativo: começaram a
aparecer reconstruções históricas
abrangentes e ao mesmo tempo eruditas e, mais ainda,
ligadas a uma opção filosófica ou cultural. Para dar exemplos: os
trabalhos de Pourrat
(sobre a história da Espiritualidade), de Baruzi (exatamente sobre
a experiência mística de São João da Cruz), de
Bremond (sobre a
espiritualidade francesa) são significativos nesta modalidade. Os seus textos continuam ainda hoje
exemplares pela originalidade
das interpretações (embora controvertidas) e pela capacidade de comunicação com os
círculos culturais não eclesiásticos.
E além
disto, os grandes pensadores, filósofos e teólogos não se
recusaram a se confrontarem com
estes testemunhos e daí nasceram
propostas de avaliação
construtiva ou de rejeição, também, e de
crítica, que fizeram estes testemunhos sair dos círculos fechados e de elite,
dando-lhes uma importância cultural nova. Estamos pensando
nos trabalhos de
J.Baruzi, M.Blondel, H.Bergson,
A.Stolz, A.Mager, E.Gilson,
M.Menéndez y Pelayo e, mais recentemente, K.Rahner,
H.U.von Balthasar, Y.Congar, H. de Lubac, J.Leclercq até chegarmos a
Th.Merton.
Em conseqüência disto tomou forma e consistência
novo modo de posicionar todo o problema da mística, colocando-o no
grande depósito da "espiritualidade": ascética e mística[14], como
ciência teológica e histórica ao mesmo tempo. Vem então sendo
concedida maior atenção aos
múltiplos percursos (concretos,
históricos, experienciais) rumo à vida cristã em plenitude e perfeição. Rigor
teológico e científico de uma parte, indicações práticas para uma vivência em
transformação, da outra, têm modificado profundamente a maneira de tratar o
tema da mística e os seus elementos-chaves.
Temas novos e releitura
Já
desde os anos 30 encontram-se traços desta releitura dos textos clássicos
em perspectiva existencial; contudo ela se foi ampliando nos anos entre a guerra e o Concílio. Deixadas de lado
as grandes questões teóricas, suspensas
acima da história vivida e, talvez, meramente
acadêmicas, iniciam-se novos caminhos
de interpretação, dando-se
preferência à chave
hermenêutica das urgências históricas
culturais. Confronta-se assim com análises detalhadas e
profundas o pensamento
dos místicos sobre
a antropologia, o sentido
da existência, as grandes categorias bíblicas, litúrgicas,
cristológicas, o sentido da
graça e da história, a função dos símbolos e do
mistério, a corporeidade e a afetividade.
E contemporaneamente vai
crescendo junto aos teólogos a
convicção de que uma correta elaboração teológica das verdades da fé e do mistério da salvação não pode descuidar
as contribuições da experiência espiritual e mística dos séculos. Torna-se
então uma aspiração comum, embora nem sempre realização
concreta bem sucedida, o recurso à tradição espiritual como a um fundamental locus theologicus.
A teologia
não poderia ser
plenamente eclesial, no seu sentido
mais rico, se se descuidasse
do aprofundamento e da interpretação das verdades da fé que se
operam através do caminho da vida movida pelo Espírito e conformada ao Filho ao longo de percursos
misteriosos e irradiantes.
A reviravolta
antropológica que veio com o Concílio e a remexida de
perspectivas e prioridades causada pela preocupação pastoral e
cultural do Concílio deram ainda maior importância à
experiência espiritual, incluindo a mística.
Desmitificou, num primeiro momento, certos modelos clássicos de
santidade e mística estereotípicos,
desterrados da história,
mas simultaneamente provocou uma releitura de toda a sintaxe espiritual da
tradição, de modo a reexprimi-la
em termos de
realização, encarnados, experienciais.
De
modo algum é verdade que as mudanças do
Concílio tenham sujeitado a mística a atraso: apenas e acima de tudo exigiram
que na mística se reflitam os grandes
princípios do mistério cristão e dela brotem
respostas e inspirações
para o presente
da História, onde se deve
encarnar a Salvação. Somos
devedores à mentalidade conciliar também pela volta ao vigor da preocupação
"mistagógica", e os místicos -
ao menos os maiores - são de bom
grado chamados em
causa, a fim de, como místicos, retraçarem propostas de "mistagogia" à altura
de sustentar a ascensão para a verdade e de designar exigências e
modalidades. A cada místico de importância se pede hoje que seja
não somente testemunha, mas também mistagogo, que conduza à profundidade do mistério vivo.
Nos
tempos mais recentes foram ainda
deslocados para temas particulares os
pontos de aprofundamento: para aqueles temas que correspondem à nova consciência,
que o cristão
e o homem religioso - mais
genericamente - têm da história. Por isso as
considerações sobre a mística tornaram-se
uma reflexão sobre a analogia com a intuição profética, sobre a função da passividade e das imediações, da transformação processual, da solidariedade
das criaturas, do esforço pela libertação histórica dos que são
oprimidos, da reciprocidade homem-mulher e sua originalidade como homem ou
mulher, da procura de sentido, dos tormentos negativos da fé.
Ultimamente, outros temas ainda, correspondentes às novas experiências humanas,
começam a se
apresentar: a procura da felicidade e da
sabedoria, a intuição poética, a semântica da linguagem mística, a
comunicação paradoxal, o
silêncio como linguagem, as técnicas de iniciação, as tradições simbólicas de outras tradições
místicas (não cristãs), a
contribuição dos místicos para a
inculturação da fé e para a Nova Evangelização, o confronto com novas religiosidades (em particular a New Age, no momento),
etc.[15]
O
misticismo na vida que se vive
Em
substância, até aqui temos sobretudo falado
de mística como tema de
estudo, como riqueza espiritual histórica, que se deve interpretar e de fato é
interpretada constantemente com nova sensibilidade e em
âmbitos novos. A este complexo de reflexões, aprofundamentos, temas que
se alargam e se entrelaçam dever-se-ia acrescentar o complemento do que se está
vivendo na vida mística. Este também tem sido muito variegado e talvez até
desconexo.
Usamos no início
o termo misticismo
e o sentido não é necessariamente
negativo. Queríamos indicar esta galáxia que se compõe de pessoas concretas e de
correntes religiosas, de sincera busca
do divino segundo
as diferentes tradições e
culturas e também de curiosidade glutona e crédula por demais, de figuras ricas em experiências excepcionais
e de correntes revolucionárias utópicas.
Quando estava
no início a citada etapa do
estudo sobre a mística, estavam já presentes novos itinerários de vida
mística de carácter alternativo em relação aos modelos clássicos agora já
citados e comentados. Os nomes não são
de segunda ordem. Santa Teresa de Lisieux (+1897), por
exemplo, Gema Galgani (+1903), Isabel da Trindade (+1906),
Carlos de Foucauld (+1916), Elisabeth Leseur (+1914), Matilde Bertrand
(conhecida como Lúcia Cristina,
+1908), Jerônimo Jaegen (+1919). Estes e outros ainda já tinham dado consistência à nova linguagem e aberto
novos caminhos para a mística cristã. Só muito mais tarde se tomará
conhecimento do seu valor[16].
Mas
naqueles mesmos anos estavam em ascensão
as ideologias messiânicas novas, em particular a socialista e depois
comunista, que delineavam no futuro um mundo novo de justiça e de liberdade popular. Estes movimentos
populares tinham também, a seu modo, as suas pontinhas de mística entremeadas com a utopia e com o sonho de
transformações revolucionárias. O sofrimento dos trabalhadores alcançava formas
de horrível escravidão. A aspiração por uma nova sociedade bem depressa
atingia - particularmente após a
primeira Grande Guerra - formas de
ditadura política sustentada por uma ideologia que
abusava até da linguagem e dos símbolos místicos. Nazismo, fascismo e
outros ismos fizeram
uso e abuso de alguns módulos simbólicos e lingüísticos das correntes
místicas.
A diástase,
quer dizer, a falta de conjunção entre a vida e uma tematização teorética orgânica é um fato lógico, natural.
Só a história e a distância decantam e
ajudam o reconhecimento, mas na realidade a provocação a partir da experiência
naquele momento não tinha espaço nas teorias doutrinais. Sobre o plano
histórico-
social, o
desmoronamento de impérios
e mitologias religiosas
amedrontava a muitos, sem que se
pudesse entender as mudanças
emergentes da época. Sobre o plano religioso,
recordamos que se está no
contexto do "modernismo": e assim
era obrigatória a desconfiança do experimental. Mas, por sorte, havia um ou outro, que agiam de maneira
diferente; quanto a São
João da Cruz, por exemplo, W.James, H.Delacroix, F.von Hügel, E.Underhill.
A
interferência contínua entre o
experimental descritivo e o doutrinal teorético
será uma conquista
preciosa, que virá a partir
dos anos 30 e
depressa será também aplicada à história passada e à análise
da documentação de
cada testemunha. Esta operação - com relação a muitos místicos, inclusive São
João da Cruz - permitirá
a aquisição de uma chave de interpretação que recorre a duas
perspectivas: 1ª a perspectiva teórico-sistemática que, como se sabe, vai ao
encontro dos grandes temas ou grandes realidades - Deus, Cristo, a graça, a bíblia, o pecado,
o homem, a existência, as criaturas etc.- lidos então sob a chave tomista,
filosófica, metafísica; 2ª a
perspectiva do devir espiritual
de um projeto, com as suas etapas e condicionamentos. Aqui entram em jogo a nova antropologia, a relação
natureza/graça, as pesquisas sobre a linguagem,
a moderna historiografia, a contribuição da psicanálise. É esta
segunda perspectiva que irá prevalecer nos decênios seguintes.
Novos
paradigmas da existência
As modalidades
místicas de vivência cristã nos anos entre as duas
guerras e de logo após o conflito
mostram que, mais do que as grandes teorias e
princípios clássicos, novos
paradigmas da existência estão em ação.
O crescente protagonismo do laicato dava ele também os seus frutos de
excelente vida espiritual e até mesmo mística.
Faço apenas alguns acenos parciais:
o itinerário aos limites do
sentido como o da escritora Simone
Weil (+1943), ou a mística do
pressentimento do
político Dag Hammarskjöld (+1961), a intuição cósmica dos cientistas
teólogos, Teilhard de Chardin
(+1955) e Serghieiev
Bulgakov (+1944), ou a vida nas fronteiras
da graça como para
Madeleine Delbrêt (+1964), ou o
abraço com outras tradições religiosas de Júlio Monchanin (+1957) e H.Le Saux
(+1973) e a mediação cultural de Tomás Merton (+1968) ou ainda
o esplendor da resistência espiritual no inferno do "holocausto",
como aconteceu com
Dietrich Bonhoeffer (+1945),
Edith Stein (+1942) e Tito Brandsma (+1942) e com tantos leigos
anônimos, mas cristãos de fibra.
Poder-se-iam citar muitos outros exemplos, mas espero que bastem estes acenos para demonstrar que os
redutos existenciais da mística
estavam alargando os seus
pontos de referência, a exigir novos horizontes de significação. Notável
e que merece ser recordado é o fato que todos eles praticamente nutriam uma
grande admiração pelo Doutor Místico e dele recebiam influência, seja como
inspiração pessoal, seja em geral, como modelo de existência cristã. Contudo
a ponta de originalidade e criatividade deles será percebida à
distância, nos decênios próximos de nós.
Certamente
temos também percursos "místicos" mais clássicos - contemporâneos dos que acabamos de citar -
ligados a formas
tradicionais no caminho
da oração, da ascese,
do sofrimento silencioso, da solidão
penitente, da devoção
eucarística e cristocêntrica, do amor eclesial. Eles também
fazem parte do patrimônio
da vivência cristã autêntica. Entrelaçam-se velho e novo,
tradicional e inédito; convivem muitas vezes justapostos, sem se fecundar.
Poderiam ser citados Pio de Pietralcina (+1968), Marta Robin (+1981), João Batista
Reus (+1947), Teresa Musco (+1976), Gabriela
Sagheddu (+1940), provavelmente
Adriana von Speyr (+1967), também[17].
Simultaneamente com todo este multiplicar-se
de modelos de experiência mística e itinerários temos a brotação de numerosas
correntes de gnoses
vitalísticas, itinerários para
iluminação interior e propostas
exotéricas ou sincretistas.
Andaram elas esparramando-se de maneira inimaginável, graças também à
crise de valores, de identidade e de projetos da sociedade contemporânea.
É de
obrigação falar sobre o fascínio do
Oriente, como de uma necessidade de
arrebentar a corrente da fria racionalidade do ocidente com
uma nova expansão da própria consciência, por meio de uma nova harmonia
entre cosmos, corpo e psique. Talvez de moda já passou a viagem
geográfica até o Rio Ganges, à procura de nova identidade, mas é certo que permanece
o fascínio pelas técnicas orientais de concentração e purificação. Está tendo boa execução a proposta de um sério e acolhedor
confronto com as tradições
ascéticas e místicas do hinduísmo e do
zen-budismo, com o modelo monástico dos ashrams,
com a religiosidade mais
autêntica dos sábios orientais. O confronto
ultimamente se extendeu também à mística do sufismo no Islã
e algumas tradições místicas hebraicas como a cabala, o cassidismo, o zohar.
O nome
dos grandes místicos (incluindo João da Cruz) sempre é evocado
nestes itinerários gnósticos e
vitalísticos e exerce comparações e confrontos, integra novas linguagens no seu
sistema e novos sentidos, demonstrando semelhanças e inconciliabilidades.
Não se
trata, acima de tudo, de confrontos teóricos, e sim de
aproximações, que pretendem ser experimentais, ao mesmo tempo que ecléticas e
sincretistas, fragmentárias e tolerantes. Mais do que sobre êxitos discutíveis
valeria a pena lançar a atenção sobre as pessoas que aí estão envolvidas.
Trata-se de gente que de maneira sofrida
vive os dissabores da crise cultural, da
transformação acelerada das referências religiosas.
A perda
de "sentido" na
sociedade de hoje está sendo atribuída à
queda dos ideais religiosos, em
vista dos quais se procuram na "nova religiosidade" aquele sentido e
realizações que parecem ter-se evaporado. No fundo cada crente tem a sua mística,
correspondente às próprias exigências de sentido e de experiência
totalizadora. O que parece caracterizar
o encontro entre procura e oferta na neomística é este aspecto de totalidade.
Direi que em boa parte o
sucesso da proposta de "iniciação" dos recentes movimentos eclesiais - e
também dos novos movimentos religiosos mais em geral - depende da
capacidade de globalizar e de unificar que eles têm[18].
Entre eles é
freqüente o uso da linguagem dos
místicos e a própria palavra: mística. A isto não corresponde um conhecimento específico dos grandes autores, mas alguma
frase de efeito tão somente.
Misticismo
contemporâneo
Gostaria,
enfim, de acenar para outras faixas do retorno ao misticismo nos dias de hoje.
A nebulosa da mística
selvagem, por exemplo, desde
as experiências com os
"estados alterados da consciência", como nos moribundos, até
aquelas "místicas de grupo",
sobre as quais fala Carlos Costaneda
nos seus romances
vividos no México entre os índios,
que tomam o peyotl, até os visionários de todo tipo, inclusive
aqueles artificialmente fabricados por meio de drogas e outros alucinógenos
(LSD). Podemos até mesmo acenar à hipótese de uma mística comunitária, que se verificaria em alguns grupos que se
inspiram na espiritualidade pentecostal e neocarismática[19].
Talvez se incluíssem
também as manifestações de piedade popular nas quais, no dizer de
Paulo VI, encontramos "uma sede de Deus, que só os simples e pobres podem
conhecer (...), e atitudes interiores
raramente observadas noutra parte
em grau igual" (EN 48).
No último
decênio se tem insistido em reconhecer também como ambientes de
"possível" experiência
mística o caminho dos sofrimentos e esperanças dos pobres que, animados pela fé, estão a caminho
da justiça e da libertação. Esta
experiência não tem nada a ver
com o ódio de classes ou uma consolação puramente
evasiva, mas é
um caminho guiado
pela Palavra de Deus, pela solidariedade humana concreta e pela consciência de
pertencer ao povo dos pobres, que
Deus ama com predileção e chama para ser
o seu "povo novo"[20].
Serviço, espírito de fraternidade, parresia (uma altiva liberdade) e
paciência, oração intensa e
sofrimento, e até mesmo martírio,
assinalam estas experiências. Afirmar que é místico o seu caminho de fé
creio que em boa parte seja possível. Várias
comunidades do Continente Latino-Americano demonstram
já ter percorrido
este itinerário de
maneira corajosa, consciente, e
até refletida sob certos aspectos[21]
Estamos descobrindo
agora que, nas comunidades do Leste europeu, o gemido dos
oprimidos e silenciados percorreu também, durante decênios, veredas místicas
inéditas: as veredas da fé nua.
Aquelas pessoas tiveram de navegar por mares desconhecidos, sem cartas
geográficas e sem
pontos de referência, por meio
século esperando e até mais, animadas pela força da fé, que o fim de uma
terrível noite da alma e da
memória religiosa chegasse. Por
enquanto só fragmentariamente são
narrados os infinitos
percursos da profecia, solidariedade,
esperança e resistência no meio de extrema precariedade. À experiência deles
como se poderia recusar o título de
"mística" e o emprego da categoria de "noite dos sentidos e do
espírito" ?
Sobre
o misticismo contemporâneo gostaria de
acenar para a consciência cósmica,
prometedora e propagadora da New Age (Nova Era)[22]. É um
fenômeno complexo de neognose popular e pós-moderna, um tipo
de religiosidade fluida
e sincretista, que faz amálgama
de tradições, religiões e culturas diferentes, e entre seus
pais enumera cientistas como Frijof Capra e Gregory Bateson. Poderia
ser chamada religião epistemológica, capaz de
exprimir a sua concepção do
mundo, utilizando tanto os
registros da mística católica
ou ortodoxa ou
ainda de uma mística
alternativa e exotérica, quanto os da racionalização do mundo. Não se trata de uma religião organizada, antes rejeitam-se formas organizadas e
fórmulas dogmáticas em favor de uma nova
espiritualidade, que vá além dos limites
religiosos e culturais para fazer
nascer uma nova consciência universal.
Vai
aqui um texto: "As crises da
nossa época forçam as religiões do mundo a liberar uma nova
forma espiritual, que há de transcender
qualquer limite religioso, cultural e nacional, para fomentar uma nova
consciência de unidade da comunidade humana e o nascimento de uma dinâmica espiritual, que permita
encontrar uma solução para os problemas mundiais. Afirmamos a necessidade de uma nova
espiritualidade despojada de todo
ilhamento e orientada para o nascimento de uma consciência planetária"[23].
Na base
desta nova espiritualidade colocam
o contacto direto com o
divino; justamente esta
experiência direta, este acesso à dimensão
mística e a expectativa de uma consciência cósmica,
pacífica e unificadora são as suas formas mais claras. A transformação da
consciência pessoal (ao chegar a era do Aquário) despertará capacidades místicas não conhecidas ou sufocadas
pelas religiões tradicionais. Tais capacidades envolverão a pessoa toda (o
holismo), o cosmos (a ecologia), o relacionamento homem/mulher (a
feminilidade), o sagrado (a mística), a inter-humanidade (a planetariedade)[24].
II. A
presença de São João da Cruz
De um
modo ou de outro João da Cruz tem estado presente em toda esta evolução dos
conceitos e nas múltiplas propostas existenciais. Desde a primeira fase
polêmica sobre a mística até as últimas brotações experienciais dos nossos
dias, encontramos sempre o seu nome apresentado como garantia de tudo o que se
diz ou propõe. Às vezes criticado como testemunha de uma visão
"individualística", culturalmente obsoleta, às vezes exaltado como
"antecipador" do respeito pelo homem, graças ao seu processo de
transformação e à originalidade do seu imaginário simbólico.
Não é
possível reconstruir aqui cada uma das passagens, às vezes até surpreendentes,
da história da interpretação de São João da Cruz nem a história da influência
dele na questão e experiências místicas[25]. Em
consonância com o momento cultural específico, também a São João se concederam
atenções, que exploraram por etapas sucessivas a sua figura histórica, o seu
sistema teológico, os seus processos psicológicos, os seus conteúdos
antropológicos, a sua linguagem poética, a sua proposta experiencial, o seu
arco-íris simbólico, as suas possibilidades de diálogo com as novas emergências
humanas etc.
Uma
presença constante e de qualidade
Em
linhas gerais pode-se constatar que São João sempre tem impressionado pelo
rigor da sua linguagem, pela acuidade das suas observações, pela qualidade,
mesmo literária, dos seus escritos. Mais do que uma função de liderança na
evolução inovadora do conceito e das
formas de mística
deste século, devemos reconhecer-lhe
uma presença constante escondida debaixo do encargo de averiguar, discernir e
confirmar com a sua autoridade. Pelo carácter sério, escolástico, essencial, a
ele se recorre de preferência como "segunda palavra", regra
correta para o discernimento, instância superior,
testemunha insuspeita.
Ele,
antes de tudo, tem feito parte das leituras preferidas das pessoas de cultura
exigente. Verdadeira ou falsa que seja a fama de "difícil e duro" que
o cerca, a leitura das suas obras certamente nunca foi muito difundida. Os
estudos de muito boa qualidade que por todo este século pensadores originais
lhe dedicaram, mais do que convencer a fazer uma leitura direta, talvez o que
fizeram foi provocar fechamento.
Até
mesmo frente à admiração e especial dependência dele, que é atestada
explicitamente por figuras deste século de notável influência - desde Teresa de
Lisieux e Isabel da Trindade até Carlos de Foucauld, Edite Stein, Tito
Brandsma, e ainda Jacques Maritain, Simone Weil, M.Blondel, Ortega y Gasset,
Teilhard de Chardin, C.Marmion, Th.Merton e outros, só para citar os que estão
acima de qualquer suspeita - não direi que estes tenham impelido os leitores ou
admiradores a penetrarem realmente, até o fundo, nos livros de São João da
Cruz.
Nem se
deve dar muito crédito a certas afirmações genéricas sobre a admiração, que
este ou aquele teólogo, bispo, escritor, sobretudo líderes de movimentos
eclesiais, têm pelo místico de Fontiveros. Trata-se muitas vezes de vaguíssimo
conhecimento, de um reflexo da admiração por parte de um outro, de obrigatória
"retórica" de fachada. E quando se trata de teólogos ocupados em
muitas frentes, a leitura deles é sempre interessante, talvez até original, mas
muito parcial[26].
Não devemos confundir fragmentos de conhecimento, frases ou palavras de efeito,
que por toda parte se difundem - noite escura, nada, cárcere, contemplação
contam-se entre elas - com o domínio da estrutura de pensamento e do processo
espiritual, que caracterizam João da Cruz.
Direi
que São João sempre esteve presente como ponto de referência às mais das vezes
genérico, salvo algumas questões peculiares, nas quais verdadeiramente age como
mestre acima dos outros. No final faremos um aceno a este ponto. Ao invés, é
muito interessante anotar que no ritmo da evolução do tema sobre a mística, de
que temos falado, São João vem sendo submetido a análises extremamente
rigorosas para que revele o seu pensamento e a sua opinião. Neste sentido
podemos dizer que São João como que joga de tabela: porque não é baseando-se em
alguma indicação dele que se aprofundam certos temas, mas chamam-no à causa
quando certos temas se tornam objeto de estudos e aprofundamento e não de moda
passageira.
Podemos
dizer que com o trabalho de Baruzi[27] se
responde à exigência de uma experiência transcendente caracterizada pela
solidez e pela abertura a todo o humano, além da identidade religiosa própria;
com a leitura feita sob a perspectiva do neotomismo[28] pretende-se
demonstrar uma robustez teológica digna de um "doutor" da Igreja; com
a pesquisa sobre o contexto histórico[29] e com a
edição crítica dos textos - famosa é a questão do Cântico A e B - se
quer provar o desejo de tomar distância de uma hagiografia deformadora e
acolher seriamente as exigências de estudos científicos[30]; com os
aprofundamentos da relação entre João da Cruz e a Bíblia[31], entre
ele e as outras correntes espirituais (flamenga, de Dionísio Areopagita, dos
alumbrados, dos hebreus, do Islã, por exemplo)[32], e
ainda da sua relação com a espiritualidade carmelita[33] e com o
cristianismo primitivo etc. dava-se resposta aos alargamentos históricos e
espirituais, que vinham emergindo aqui e ali e que pareciam não bem focalizados
até agora quanto a João da Cruz[34].
Hoje
notam-se novas pesquisas sobre a Cristologia, o Espírito Santo, a ecologia, a
paz, a solidariedade com os últimos; sobre os aspectos humanos positivos, os
processos de transformação da consciência, as figuras femininas, a consciência
de carmelita, a forma de "leitura" da Bíblia, a angústia existencial,
a cultura, até mesmo sobre a "Nova Evangelização" etc[35].
São temas interessantes, que manifestam, contudo,
como algumas questões e exigências que
emergem na espiritualidade - e na mística especialmente - se
confrontam com ele através análises inovadoras,
perguntas provocadoras,
releituras cientificamente honestas.
Convocado
a pronunciar-se
Não se
pode dizer que a leitura ou releitura de São João tenha provocado novos
interesses na espiritualidade: sempre ele foi chamado à causa a parte post:
como para discernir, dirimir, declarar a sua opinião com autoridade, até para
pôr às claras os seus silêncios e omissões, tendo como conseqüência a percepção
da novidade de certos argumentos. E cada vez que isto aconteceu resultou não
apenas um aprofundamento precioso e específico sobre a sua doutrina e
experiências, mas ainda tornou-se mais sólido o tema em questão.
Na
verdade é um Mestre, substancioso, essencial, mesmo se não vulgarizável
com facilidade. J.D.Gaitán reconhece que os intérpretes "experimentaram
sempre uma grande dificuldade na hora de saber apresentá-lo à Igreja e ao
mundo"[36].
Pena que para torná-lo "apresentável", foram às vezes exageradas as
suas idéias, negados os seus silêncios, ampliados os temas para ele secundários,
e assim foi ele deformado para uso e abuso nosso. João da Cruz enfrentou os
problemas espirituais do seu tempo, em particular alguns aspectos das experiências-vértices,
discernindo e tematizando: esta é a sua característica específica e a sua
grandeza também. Desistoricizá-lo, abstrair das ressonâncias
histórico-existenciais e experienciais pode deformar a sua característica
própria.
As
últimas tendências no que se refere à mística, como acima recordamos,
encontram-no ainda hoje chamado à causa. Por motivo do diálogo inter-religioso
já se iniciou uma sondagem, ao menos temática, de uma correlação entre a sua
doutrina, simbologia, antropologia e as
outras tradições místicas. São elementos ainda fragmentários, mas também
promissores[37].
As
igrejas que estão procurando sair da inferioridade cultural (em todos os
sentidos), onde estiveram há séculos, e exploram novos caminhos de fé,
santidade e existência cristã, olham com interesse para João da Cruz. Não
pretendem fazer dele um uso manipulador, antes juntam as próprias experiências
e esperanças ao paradigma do carmelita, para redescobrirem consonâncias e
divergências. Querem dele auferir critérios de comparação e convalidação, mas
reconhecer também nas diferenças a novidade do Espírito, que está agindo na
História.
Vale
isto, em particular, para a América Latina, que ama salientar em São João o
místico e o profeta ao mesmo tempo. E a releitura de João da Cruz em chave de
"mística da libertação" está produzindo interessantes elementos de
novidade, não sem os riscos de fáceis acomodações e alguma queda de qualidade[38].
A
preferência de certas correntes asiáticas espirituais por certos esquemas de
São João - a noite escura, o vazio e o nada, o silêncio, o não-senso, o vasto
mundo simbólico, a ascese, o inefável etc. - vem igualmente motivando pesquisas
e confrontos, simpatias e interesses até há pouco tempo impossíveis[39]. Aqui
também se encontram vantagens e desvantagens. De uma parte não podemos
interpretar muito profundamente a São João se não levarmos em conta a sua plena
e consciente pertença à fé católica[40]. De
outra parte, porém, devemos constatar que a estrutura antropológica de base, à
qual faz ele as suas referências, permanece válida e permite, na verdade,
encontros e osmoses, comparações e até explicitações originais, que são
positivas para as duas partes.
Recorre-se
a João da Cruz em outros ambientes culturais, para reencontrar no poeta
uma modalidade de testemunho do mistério, que rompa os esquemas da
racionalidade e seja um corretivo da linguagem religiosa antropomórfica ou
sociológica. Deste ponto de vista os estudos sobre a sua linguagem estão
levando a resultados interessantes sobre o plano da eurística, isto é, da
transmissão dos textos; sobre o plano da hermenêutica - resultados até agora
restritos quase somente aos textos poéticos -; sobre o plano interdisciplinar
da semiologia: metáfora e símbolo são ainda um campo pouco aprofundado.
Temos
citado alguns setores; poderíamos citar muitos outros. Podemos, porém, concluir
que a cada nova proposta ou nova perspectiva no campo da teologia em geral e no
da experiência espiritual em particular logo vem corresponder um aprofundamento
de qualidade também em relação a João da Cruz. E os resultados muitas vezes são
realmente contribuições para um esclarecimento mais completo e harmônico.
Contudo,
não faltam nem mesmo temas, perspectivas, sensibilidades, que no corpo joanino
parecem fracos, ausentes, vistos de maneira reduzida ou culturalmente superada.
Isto também faz parte do diálogo
sincero e constante, que São João parece conseguir entreter com os espirituais
do nosso tempo. Parece que sem uma opinião dele - fosse mesmo uma reticência
sua - nem sequer se pode dizer que os assuntos são tratados como se deve. Mas é
importante salientar que para ser Mestre não deve ter dito a última
palavra a respeito de tudo: é certo que os seus escritos foram ocasionais, de
propósito parciais e incompletos, ligados à antropologia e teologia do seu
ambiente. Reconhecer-lhe interesses temáticos preferenciais e ligações
culturais vivas não é diminuir a importância dele, mas antes pôr na luz o que
lhe é próprio e original. Enciclopedismo nunca foi originalidade.
Leituras
ideológicas ligadas a um "sistema"
Na
fase da recuperação da mística como valor cristão positivo, contra as
interpretações, que a reduziam e às quais acenamos no início, São João é uma
das testemunhas, que se apresentam em defesa da qualidade e solidez de tal
experiência. A maneira de citá-lo é aquela da "mina" de sentenças
oportunas, que se devem usar estrategicamente nas várias posições expostas a
crítica. A escolha da impostação teológico-tomista dos grandes princípios ao
descrever a vida espiritual não podia senão - com citações fragmentadas -
reconduzir a estes grandes elementos toda a proposta espiritual do carmelita.
Esta
leitura chamada "ideológica" - isto é ligada aos grandes temas
teológico-dogmáticos ou então filosófico-metafísicos - deu contudo os melhores
frutos, quando pensadores de notável capacidade analítica e de perspectivas
complexas reconstruíram-lhe todo o sistema. Sobre o plano da metafísica
aconteceu assim com a famosa obra de J.Baruzi[41]: um
trabalho que permanece clássico, até mesmo pela originalidade das suas intuições,
embora com evidentes limites. De fato provocou um interesse novo e inesperado
pela leitura de João da Cruz, sublinhando a carga afetiva, que acompanha a
expressão da experiência mística. Seria também para serem recordados, como
modelos de leitura "sistemática", J.Maréchal, H.Bergson, M.Blondel,
Ortega y Gasset. No âmbito da escolástica poderiam ser citados J.Arintero e
R.Garrigou-Lagrange com os seus numerosos discípulos.
Uma espécie própria, à parte, são as introduções
gerais, isto é, leituras abrangentes de toda a obra de São João da Cruz.
Resulta tanto mais útil esta mediação quanto não condicionada por
seleção parcial e temática[42].
Contudo esta produção esteve também sujeita à necessidade de fazer, a todo
custo, concordar com os grandes temas teológicos algum pensamento, que talvez
não lhes correspondia plenamente. De qualquer modo, praticamente até os nossos
dias, a série das "introduções" gerais deu frutos consideráveis. E
nos trabalhos mais recentes vêm freqüentemente englobados os resultados
parciais, as pesquisas temáticas realizadas neste entretempo, as novas
leituras. Se temos a vantagem da panorâmica mais completa e da integração
harmônica e equilibrada das novas perspectivas, não se pode negar o risco de um
manual enciclopédico, ou melhor, de um enchirídion onde se encontra um
pouco de tudo, mas talvez escape o que é específico, que também é parcialidade,
ênfase específica às vezes, omissão e silêncio em vários casos.
Esta
espécie de horror vacui, quero dizer, terror por um tema não tratado ou
uma perspectiva ausente, provoca releituras necessariamente forçadas. "San
Juan de la Cruz no es universal a pesar de sus particularidades de fe y
vocación, si no precisamente gracias a ellas. La fuerza irradiante de
universalidad brota de la concreción de una experiencia concreta y depurada,
pero siempre encarnada en sus propias formas. Privada de sus concreciones de fe
y de vida, la experiencia mística de San Juan de la Cruz se vuelve teórica,
filosófica y se degrada"[43].
Não se
pode dizer que João da Cruz foi por todo este tempo o Mestre-Prínceps na
amadurecida elaboração da teologia da mística. O estudo de J.Maritain[44], por
mais que ofereça a proposta interessante de fazer dele un practicien,
isto é um mestre da espiritualidade (imaginada como ciência prático-prática),
está todavia animado pelo mesmo preconceito: o do relacionamento com os grandes
sistemas (teológicos e filosóficos), que seriam princípios de comprovação.
Por
isto houve acusações de psicologismo místico, uma verdadeira degradação perante
a linearidade mistérica e essencial dos (Santos) Padres. Refiro-me às críticas
de A.Stolz na famosa obra Teologia da Mística[45]. Ao
beneditino respondeu Gabriel de Santa Maria Madalena, defendendo a legitimidade
"teológica" da experiência mística de São João da Cruz, mas também
pondo em relevo a importância do seu contributo quanto à introspecção
psicológica e a função da afetividade. A contribuição do Pe. Gabriel foi
determinante para deslocar a questão da mística longe dos horizontes
metafísicos, tomísticos e filosóficos em direção aos horizontes antropológicos
e às novas provocações das ciências humanas[46].
No
princípio dos anos 60, por meio de uma pesquisa complexa, G.Morel[47] inovou
em parte a leitura e interpretação de João da Cruz, reconstruindo o
"sentido da existência" no Doutor Místico, segundo o esquema dinâmico
hegeliano. Se para Baruzi a palavra-chave era "rythme" (na realidade
um conceito muito fluido), para Morel a palavra-chave é lógica e movimentos.
Por meio de excelentes análises fenomenológicas Morel procura demonstrar uma
visão dialética do real. "A renovação é para São João da Cruz - escreve -[48]
constitutivo da realidade finita: o homem não é realidade estática, mas
realidade «ec-stática», em devir". Contudo o universo do idealismo
absoluto não é o de São João da Cruz.
Devedoras
do método das leituras sistemáticas são também todas as tentativas de confronto
e analogia entre João da Cruz e outros autores ou correntes antigas ou novas.
Geralmente baseiam-se sobre determinadas categorias gerais ou conceitos
teóricos, para se verem as suas semelhanças, consonâncias e analogias. Os
resultados certamente servem, mas não passam além de um certo valor, que é
relativo.
Se as
leituras sistemáticas querem tratar os escritos de São João da Cruz em termos
de "idéias", há outras leituras, chamadas "simbólicas" que,
ao contrário, querem descobrir "conteúdos de consciência". A
categoria-chave é a do símbolo. Existe a vantagem de se poder fazer
referências a uma riqueza muito mais ampla de significados e, por isso, as já
numerosas análises em chave simbólica têm enriquecido a tradição das
interpretações do Doutor Místico. Todavia há o risco de se abrirem para
leituras totalmente arbitrárias, subjetivas, amplamente projetivas e, portanto,
sem fundamento.
Está-se
desenvolvendo uma última proposta de leitura: é aquela do método
dinâmico-estrutural, que gostaria de elaborar uma síntese dos outros
métodos a partir do princípio do processo de transformação sempre em
aberto. O Instituto de Espiritualidade de Nimega é o centro mais ativo desta
nova proposta. O princípio básico é este: "os textos espirituais
relacionam-se primariamente com os processos de transformação e não com os
conteúdos do crer, a doutrinação espiritual, a história das idéias, o sistema
de valores, os comportamentos, o psiquismo ou os conteúdos da consciência. Os
textos espirituais - lingüísticos ou não - são
articulações de um processo dinâmico-estrutural"[49]. Mas
este método também não escapa a uma acentuada subjetividade e é mesmo
discutível, embora mereça muita atenção o princípio do processo aberto e
infinito, do qual a linguagem revela algumas "estruturas" profundas.
Através
de todas estas leituras "sistemáticas", "simbólicas" ou
"estruturais", não só se torna São João da Cruz melhor compreendido na sua herança de
escritor místico, mas daí derivam também elementos, que servem de paradigma
para a compreensão e interpretação mística sem mais. Os estudos e as variações
sobre João da Cruz, nestes últimos decênios, levaram a uma convicção inovadora,
isto é: antes da teoria vem uma experiência, e esta experiência só parcialmente
é capaz de ser transmitida pela linguagem. Deriva daí que se dê muita atenção
aos paradoxos, aos paralelos, aos símbolos, ao discurso disperso e ao próprio
"silêncio" mais do que a uma exposição discursiva, plana, cheia de
argumentos.
III.
Horizontes de atualidade
O
êxito de São João, sem dúvida, está ligado ao tema da noite e sua
simbologia; a literatura a respeito é mais do que abundante[50]. Ainda
mesmo que não seja ele o criador deste símbolo, foi ele, todavia, quem ofereceu
deste símbolo uma descrição ordenada e sugestiva, que até hoje ainda é
atraente. Para muitos, crentes ou não, há na noite de São João da Cruz
uma chave de interpretação para situações universais e substanciais da
existência humana. De qualquer maneira São João também percebeu encontrar-se a
tratar de um argumento "sobre o qual é muito difícil falar" (1N 7,5).
"A gravidade do tema despertou a forte capacidade lingüístico-poética de
Frei João, impelindo-o à criação de uma linguagem significativa e
original"[51].
Leituras
atualizadas da "noite"
Exatamente
neste século os estudos levaram a repensar profundamente e novamente
reinterpretar todo o argumento, a começar pela obra monumental de João Baruzi, Saint
Jean de la Croix et le problème de l'expérience mystique[52], no
qual bem umas 400 páginas tratam do díptico Subida/Noite. Após a
proclamação do doutorado (1926), este tema tornou-se mais clássico ainda, mesmo
porque foi posto em relação com a doutrina escolástico-tomista. A prevalência
da atenção sobre o aspecto fenomenológico da mística fez o sucesso de Subida/Noite
na primeira parte do nosso século, mas provocou também uma sua clara
relativização na outra segunda metade. A primazia do aspecto teologal e do radicalismo
evangélico acima do antropológico e filosófico levou a revalorizar as outras
obras maiores, Cântico e Chama Viva, e ainda os romances, também.
Mesmo assim levou a recompreender a própria compacticidade teológica da Subida
e sobretudo da Noite, revalorizando-lhes a relação não tanto com a
"mística" quanto com os caminhos obscuros e dramáticos da existência
humana.
Muitos
sugerem interpretar esta "ditosa ventura" tendo presentes as
experiências vividas por São João e por aqueles que ele teve oportunidade de
dirigir espiritualmente. Porém é um contexto por demais limitado e pouco
pluralista. Mostra-se também redutivo o sentido de experiência somente no setor
da oração, e portanto como experiência de vida mística, pois se trata, na
realidade, de uma estrutura fundamental em qualquer existência cristã.
Elemento
essencial da Noite em São João da Cruz é a ação de protagonista do
Espírito Santo: esta ação ilumina motivações profundas, estruturas interiores
escondidas. É uma verdadeira desintegração criadora, uma autêntica descida aos
infernos (2N 6,6), que das bases arranca as pilastras. Não causa surpresa,
portanto, que São João fale de morte viva, de situação horrível. E, de mais a
mais, é uma fase necessária e obrigatória; assim ele fala no início da Subida:
"geralmente deve a alma passar primeiro pelo meio de dois principais
aspectos de trevas... ou noite" (1S 1,1). F.Ruiz insiste justamente em
afirmar o caráter dinâmico desta Noite: "Não é paralisia, abandono,
abatimento, inércia. A alma passa pelo meio da noite, e a noite, pelo meio da
alma"[53].
Se assim é, então no centro de tudo não está primariamente a atividade da
pessoa, mas o processo de reação teologal frente ao agir de Deus; para alcançar
"um mais íntimo saber" (CB 36,12). É esta qualidade nova, mais
completa, passiva e divina que se vai operando; de comunhão com Deus, mas
também de relacionamentos fraternos e de oblação pelo outro.
Tende-se
hoje a aplicar o processo da Noite a situações de sofrimento e desespero
das pessoas em particular, mas também de grupos e da própria sociedade. O
próprio Papa na sua carta Maestro en la Fe salienta esta forma de
atualidade do conceito de Noite: "O Doutor Místico exige hoje a
atenção de muitos crentes e não crentes para a descrição que ele mesmo faz da
noite escura como experiência tipicamente humana e cristã. A nossa época viveu
momentos dramáticos, nos quais o silêncio ou ausência de Deus, a experiência de
calamidades e sofrimentos, como guerras ou o próprio holocausto de tantos seres
inocentes, fizeram compreender melhor
esta expressão, dando-lhe, além
disto, um caráter de experiência coletiva aplicada à própria
realidade da vida e não somente a uma fase do caminho do espírito. A doutrina
do Santo é invocada hoje diante deste mistério insondável da dor humana (...).
A esta experiência deu João da Cruz o nome simbólico e evocador de noite
escura, com uma referência explícita à luz e obscuridade do mistério da
fé"[54].
Com
naturalidade se fala de noite escura quando se recorda a tragédia dos
"lagers" nazistas, onde havia desaparecido todo senso de dignidade e
compaixão humana, enquanto milhões de pessoas se encontravam como num túnel
escuro, num caos de sofrimentos e trevas. História horrenda sepultada nas
entranhas da memória coletiva e que até hoje inquieta a todos nós[55].
Usou-se a metáfora Noite Escura, ao se falar da oposição dos
intelectuais americanos à guerra do Vietnã[56]; em particular
o fez o famoso jesuíta Daniel Berrigan[57]. Diante
do abalo e frustração das feministas frente à intransigência institucional da
Igreja, uma monja carmelita usou a expressão noite escura[58].
Está-se difundindo na América Latina, a começar pelo pai da teologia da
libertação, Gustavo Gutiérrez, o recurso ao vocabulário da Noite Escura,
do Deserto Imenso, das Pisadas que não se conhecem, para
descrever sofrimentos, injustiças, esperanças, transformações e caminhos novos
de liberdade e libertação[59].
Gostaria
de apresentar uma outra aplicação, que já começa a aparecer junto a algum
comentarista. É uma proposta, talvez uma hipótese apenas, que deve ser
verificada, pois parece-me haver muitas analogias. Falo da transformação que
cada pessoa se vê na situação de sofrer
e assumir, queira ou não, nas
crises da meia‑idade. Somente há
pouco tornou-se esta parte da vida objeto de interesse para a espiritualidade
e, no entanto, trata-se de uma fase,
na qual
a pessoa sente-se sacudida desde as suas profundezas: no plano psíquico
e físico, no sentido total da sua vida já vivida e da que ainda viverá.
Trata-se de uma ruptura que esvazia e desconcerta e da qual só com uma
nova síntese se sai de maneira positiva e com uma nova conversão da pessoa em
todos os níveis e em todas as suas capacidades.
Muitos
dos elementos, que João da Cruz põe de relevo na transformação e tribulação da
noite ativa e passiva, aparecem aqui e não para alguns unicamente, mas para
todos. O léxico em uso é análogo: o
da noite ativa, mas
também o da
noite passiva[60].
Afeições, projetos, certezas, conquistas, decisões, tudo vem como colocado na
ribalta, posto em dúvida, como que desapropriado. É um momento que podemos
chamar de descida à mansão dos mortos e de ressurreição. A tradição espiritual
fala de "segunda conversão",
"segunda viagem",
"pobreza radical", e "demônio do meio‑dia". Por mais que se
entrelacem psiquismo e cultura, fisiologia e relacionamentos humanos, creio que
podemos reconhecer que não faltam sensações mais profundas e centrais, ao menos
naqueles que vivem a sua fé religiosa. "Deus aí pode introduzir a sua
graça sem eliminá-las, oferecendo lugar a uma experiência teologal ou
mística"[61].
Enfrentar mal esta quebra existencial, com soluções postiças ou fugas cheias de
pânico, pode impedir que se realizem como pessoas amadurecidas e fazer com que
permaneçam na intermediária, "nem dentro nem fora desta noite", como
diz São João com propriedade (1N 14,5).
É uma hipótese que retenho susceptível de
aprofundamento e de investigação[62].
Enfim,
é para mim um prazer apresentar a interpretação da Noite tecida na
mensagem do Padre Geral dos Carmelitas, John Malley, intitulada Caminhando
em companhia de todo homem e mulher. Diz assim: "A noite é o fim do
narcisismo e da abstração, é disponibilidade para o encontro com o Outro e com
os outros. É a constante adaptação do homem a Deus. Não é um breve período de
crises, um intermezzo, mas uma situação permanente, porque nunca nós
acabamos de nos adaptarmos à lógica divina, ao amor de Deus. Atitude crítica
para consigo mesmo e
perante a realidade; discernimento frente
à história e
dentro da história; uma consciência da
relatividade das metas alcançadas, concedendo espaço para a
novidade do Espírito. A noite é conseqüência do amor, é escola de amor. É o
meio pelo qual se consegue uma nova consciência: tornamo-nos mais livres para Subir
a Montanha sem que Nada se interponha (cf. 1S 13)"[63].
Atualidade
de São João para a mística e para os místicos: alguns
pontos.
Depois
de ter tratado mais extensamente sobre a atualidade do tema Noite,
oferecemos agora alguns breves pontos sobre outros argumentos, que mereceriam
certamente um desenvolvimento mais amplo.
Por
muito tempo se considerou São João como um dos mestres no âmbito da Mística
graças aos seus textos, às introspecções teológicas, à descrição que faz dos
elementos distintivos da experiência do divino autêntica, imediata, sublime. E
assim ele permanece até hoje, ao menos para aqueles que compreendem a mística
como um tema, que se deve desenvolver com argumentação lógica e clareza de passagens
e "conteúdos" experienciais. Com efeito, quando os
"tratadistas" da espiritualidade entram no capítulo final da mística
e dos seus fautores, São João está entre os autores fundamentais, que servem de
sustento.
Podemos
até dizer que alguns temas não podem ser explicados sem a direção plena de João
da Cruz. Limito-me a dar um elenco daquilo que todos afirmam como importante. A
sua linguagem sobre as purificações ativas e passivas dos sentidos e do
espírito por meio das "noites", a sua ênfase sobre a função da
afetividade no processo de transformação e união com Deus, o caminho da fé mais
como experiência radical do que como adesão a idéias e dogmas, a riqueza do seu
léxico simbólico e parabólico e a sua capacidade de criar
uma "sugestão" inspiradora, a relativização e mesmo desconfiança diante
da multiforme fenomenologia
corpórea ou mental dos
estados místicos, o sentido
da transcendência e, portanto,
da incapacidade de
se exprimir quando se trata dos confrontos do encontro
com Deus.
Apresentemos
agora alguns exemplos para demonstrar a sua possível atualidade no campo da
mística e nos problemas que lhe dizem respeito.
Um
exemplo: a imagem de um "Deus mudo", seja no sentido que a linguagem
com que Deus se exprime é essencial e total ao mesmo tempo (cf. a famosa expressão de 2S 22,7),
seja no
sentido da vida de fé, que deve passar
pela prova do "silêncio de Deus", que chega até às fímbrias do
ateísmo, da perda de sentido da vida, da tribulação interior
sem luz nem esperança. Em um contexto
de experiência religiosa contaminada
por muitas "mensagens" e "visões", com propostas de
experiências místicas, onde a
"cruz" e o "vazio" são como que expulsos a
priori, São João recorda que a
autenticidade do encontro
com Deus é comprovada pelo que é essencial no seu divino comunicar-se,
pela ausência de palavras humanas
adequadas à transmissão dos
conteúdos da experiência e pela presença da obscuridade dolorosa e da
purificação profunda.
Exemplo,
que ainda é inspirador para os dias de hoje, é o seu "procurar ajuda"
nas Escrituras e na Igreja para encontrar a possibilidade de
"explicar-se" com palavras: refiro-me ao famoso prólogo da Subida
(prólogo nº 2). Não é
tanto o cuidado de ortodoxia ou
de coerência com a fé católica que está em jogo, mas muito mais uma outra
verdade, quer dizer: a palavra bíblica é o lugar de origem, decisivo, no qual o
Absoluto se expressa, se fez "Palavra" no tempo. O místico, portanto,
não pode estar senão em conformidade com esta linguagem originária, em
profunda analogia com ela e por ela intimamente condicionado: e por este
caminho será autêntico. E além disto deve estar em comunhão com a grande
tradição viva da
Palavra, que é a vida da Igreja: assim a sua singularidade se derrama
por sobre a universalidade, enquanto assume os seus horizontes e oferece a
própria contribuição como parte de um organismo vivo.
Mais
um exemplo ainda: o seu escrever doxologicamente. Ele escreve não em função de alguma publicação
ou para testemunhar as próprias convicções teóricas ou para expor à luz as
experiências próprias. Antes escreve como complementar exercício de mistagogia
e direção espiritual muito específica, pressionado por exigências de fazer
entender melhor aquilo que a linguagem da poesia permite intuir, mas não é
capaz de explicar. Temos de recuperar esta convicção, que às vezes nos parece
não positiva: João da Cruz é parcial nos seus temas e nos seus tratados, é
ocasional, é incompleto. Isto porque decidiu acompanhar de maneira eficaz o desenvolvimento
de situações concretas, os estados particulares desta ou daquela alma. O seu
escrever é confissão mais do que teoria abstrata e, por isso, a linguagem é
muitas vezes entretecida de
paradoxos, parábolas, interrupções, antíteses, oximoros, suspensões.
A
ligação entre poeta e escritor não é vista, antes de tudo, em termos de forma
literária, mas de processos experienciais. A anchura y copia (amplitude
e abundância) da experiência encontram forma principalmente numa expressão
simbólica e poética, e depois, às vezes, numa explicação e numa linguagem
discursivo-escolástica. Compreender de veras a São João, ou melhor,
transformar-se de leitores em discípulos seus, significa repercorrer em marcha
atrás o itinerário genético, isto é, da
prosa para a
poesia até o
momento da experiência da
comunhão com Deus.
Trata-se de passar
da posição lógica, ascética, moral para a posição
estética, simbólico-poética e para a "mística" como experiência do
mistério de Deus. Muito perigoso seria reduzir São João da Cruz a um manual de modo
de usar; pelo contrário, ele faz solicitações para o face a face com Deus,
sem redes nem anteparos, para a vertigem do encontro e as tribulações da participação
da vida divina. Quanto a isto oferece uma boa contribuição
o método citado da leitura dinâmica estrutural.
Como
último exemplo quero acenar ao relacionamento entre São João da Cruz e Santa
Teresa: histórias e historietas todos conhecemos. Gostaria de chamar a atenção
para um ponto-chave diferente: Teresa de Jesus
era da opinião
de que muitas dificuldades na vida espiritual provêm
da falta de conhecimento doutrinal por parte do diretor e, por isso mesmo,
antepunha o diretor sábio ao diretor santo. João da Cruz, pelo contrário,
estava convencido de que os acontecimentos lamentáveis nascem da falta de
experiência autêntica. Quanto a esta visão dos fatos, cada um provavelmente
partia da própria situação pessoal: João tinha feito
ótimos estudos e conhecia,
portanto, os riscos da ciência, que incha; Teresa era quase autodidata e
padecia de um estranho fascínio pelos teólogos.
Um
e outra, parece-me, tinham uma palavra de atualidade e de verdade. A devoção
sem um mínimo
de solidez doutrinal e teológica
sofre o risco
de estabelecer-se sobre
veredas secundárias: e nisto Teresa tinha razão. Mas também a ciência
abundante, sem o sustento de um coração cheio de amor e sem uma prática
coerente e generosa, corre o risco de não ser atingida pela verdadeira moção
transformadora do Espírito. Por isto João da Cruz é
reabraçado não somente como "teólogo", que doutrina, mas como
testemunha de uma verdade: no coração da "doutrina" não pode estar senão o processo de
transformação sempre aberto a novos horizontes. E assim a sua
função de mestre não é tanto a de oferecer
contribuições teológicas bem
tematizadas, mas a de demonstrar
que a teologia
verdadeira é aquela
que percorre veredas desconhecidas, à escuta do Deus Mudo, e que
não tem senão palavras poéticas, parabólicas e simbólicas para anunciá-Lo, mas
não profana a
sua comunicação com
uma enxurrada de palavras humanas.
Paradoxalmente
a grandeza de São João da Cruz não consiste no desdobrar-se em detalhes, mas no
ter sabido esconder o mistério conhecido, no ter reconhecido e testemunhado o
risco da palavra que obscurece e profana, o risco da explicação que empobrece e
torna esvanecida a realidade íntima. Os seus ensinamentos sobre mística
aprendem-se quando não fazemos da sua herança uma espécie de enchirídion
de teologia espiritual, mas antes de tudo uma contestação da nossa necessidade
de deixar claro, de explicar, de
classificar tudo.
Como
conclusão
Assim
já o salientamos: João da Cruz foi uma presença-chave em toda a evolução dos
conceitos e das perspectivas sobre mística neste século. Foi chamado à causa
para defender posições clássicas ou então para desmenti-las, para justificar-se
por certas omissões ou contribuir para o discernimento da validez e qualidade
de novas sensibilidades espirituais. Mais do que um mestre a solicitar abertura
de estradas novas, ele apareceu durante um século como "uma segunda
palavra", uma instância superior boa para se fazer uma avaliação ou para
submeter a novas buscas que desmentissem lacunas aparentes.
Parece-me
que hoje, no final do século, João da Cruz se encontra numa posição nova: a sua
linguagem poético-simbólica, até há pouco considerada secundária quanto a
explicações ou comentários didascálicos, agora, pelo contrário, transforma-se
na sua nova originalidade; antes mesmo, torna-se um desafio seu num
mundo que sente a esterilidade da racionalização idolátrica, da linguagem
positivista, e exige novas linguagens menos funcionais e mais ricas de
intuição, de projetabilidade, de estupor, de indizibilidade, de simbolismos. Pelo primado que ele concede à
experiência e pela sua antropologia aberta a um processo de transformação
conduzida pelo amor, São João da Cruz manifesta-se como precursor antecipado de
um sentido mais veraz da existência.
SUMÁRIO
Com
este estudo, por ocasião do IVº Centenário da morte de São João da
Cruz(1591-1991), Bruno Secondin concentra-se sobre o estado atual das reflexões
teológicas sobre o misticismo. Como que oferecendo uma resposta à intuição de Karl Rahner, que
prevê uma enorme abertura à experiência mística como uma característica do
século, que está chegando, apresenta este estudo o desenvolvimento do
"misticismo" durante o século passado e faz uma comparação com o
misticismo como se está desenvolvendo na experiência cristã de hoje. Aqui se
oferece um exame da influência de São João da Cruz sobre este desenvolvimento,
após avaliar os vários modelos sugestivos de releitura sistemática e depois de
ter feito uma crítica sobre cada um. Aqui se faz apelo à autoridade do grande
místico espanhol, tendo em vista a avaliação e justificação destas novas
propostas. Finalmente, é analisada também a atual apresentação do tema:
"Noite Escura"; e numa derradeira síntese são identificados muitos
dos elementos significativos do magistério do Santo de Fontiveros, enquanto são
de maneira especial relevantes para os dias de hoje.
EPÍGRAFE
Em uma noite escura
De amor em vivas ânsias inflamada
- Oh! Ditosa ventura! -
Saí sem ser notada
Estando já minha casa sossegada.
..............................
Oh! Noite que me guiaste
Oh! Noite mais amável que a alvorada
Oh! Noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!
APRESENTAÇÃO
libertação e comunhão
são exigências não somente do
caminho cristão, mas também
- e por isso mesmo -
da condição humana".
"Nesta busca João da Cruz
nos recorda que a união com Deus
é a plenitude de todos os valores,
paradigma da condição humana..."
A
presente obra é para nós um agradável lugar de encontro com um grande homem,
mestre de vida e vida em plenitude. Do início ao fim da leitura, que nos prende
com seu tom simples, coloquial e profundo, temos a certeza de estarmos colhendo
flores num canteiro, onde as plantas são "híbridas", sendo a dimensão
psicológica do homem o "cavalo" e a dimensão espiritual o ramo
enxertado, capaz de produzir flor de rara beleza. Encontramos de verdade a
psicologia a serviço da espiritualidade, e a espiritualidade - mística -,
tomada como o caminho mais apto e curto para que o homem chegue à maturidade, à
sua plena estatura.
Sim,
o autor, no desenrolar da obra, vai-nos levando a entender a admirável e
completa visão psicológica do processo espiritual do homem em busca de sua
plenitude, aqui entendida como realização da sua vocação humana de ser chamado
a se tornar "imagem e semelhança do próprio Criador-Deus".
Este
processo - nos vai revelando o autor - consiste no longo caminho que o homem
faz em busca de seu verdadeiro centro
- DEUS -, do qual se desviou pela
própria condição humana: "em pecado me mãe me concebeu" [Sl 50
(51),7], e ao qual, de mil formas - necessidades insatisfeitas, inquietudes,
ansiedades, bloqueios, dores, aspirações, escuridões ... - somos de novo
lembrados: " Vós quereis que a verdade esteja em mim e a sabedoria me
ensinais na intimidade" (Sl 50 (51),8). Encontrar esse caminho é o sentido
fundamental da vida humana.
Tentativas
diversas são feitas ao longo da história humana, na procura da luz no fim do
túnel. Cada ciência humana tenta compreender o homem e indicar-lhe o rumo para
sua plena maturidade = satisfação, realização, perfeição. Por óticas diversas é
vista a multiplicidade que no ser humano produz ambigüidades e desintegração.
Muitas vezes o ser humano, por teorias sociológicas, antropológicas, teológicas
e sobretudo psicológicas com suas práticas conseqüentes, é reduzido a uma de
suas partes que é trabalhada como se fosse o todo. E então... quanto engodo e
infelicidade são produzidos!
O
autor, ao tomar João da Cruz e levar-nos gentilmente a seu encontro, vai-nos
revelando o coração, a experiência e a visão que este nosso irmão tem da vida e
do eu humano: visão integral, ontológica e moral em acordo completo com o
mistério da Revelação acontecido e acontecendo na "História da
Salvação", no hoje de Deus - tempo de vida de cada criatura.
Por
ser paradoxal a nossos olhos cheios de fumaça, o caminho para Deus parece
complicado, e difícil o ensino de nosso Mestre, João da Cruz. Lido superficial
e apressadamente, sem a devida experiência e contemplação pessoal, leva a
perder a profundidade do assunto e parece algo de exótico, exotérico,
complicado. No entanto, conversando conosco, o autor Wilfried Stinissen nos vai
lentamente levando a compreender e saborear o fino manjar que nosso místico nos
oferece, com admirável conhecimento da psicologia do mais profundo (nosso eu e
suas instâncias) e das metas a alcançar para que a vida humana chegue a seu
sentido mais pleno. Leva-nos a compreender o fio condutor da doutrina de São
João da Cruz, ou seja o caminho do encontro com Deus; o caminho da saída do
falso eu, da imagem idealizada de si mesmo, para o encontro da harmonização
maior que purifica o "homem interior" e eleva o "homem
exterior". É o paradoxal caminho das "negações" que, contudo,
desemboca na plena humanização. É caminho paradoxal porque já plenifica o homem
em cada passo feito, convidando-o a ir sempre mais além para que adquira a
plenitude da maturidade humana.
O
autor nos vai revelando que em João da Cruz o ponto de partida para a
maturidade humano-cristã é "Deus que nos amou primeiro" e quer
comunicar-nos sua vida e libertação total. Cheios de tudo aquilo que é
incompatível com o amor de Deus, precisamos de "entrar" em nossas
faculdades para esvaziá-las de seus ídolos, libertá-las das trevas que são as
afeições às criaturas. Daí a necessidade de passarmos pelas "noites"
(dos sentidos e do espírito), despojando-nos das raízes do egoísmo que nos
oprimem e nos impedem de amar. O tema é amplamente tratado, com muitos exemplos
ilustrativos e enriquecedores, com aproximações esclarecedoras.
A
imagem da "noite escura" é lida e aplicada de forma inteligível: ao
crescimento humano; à solidariedade humana; à análise da reconquista e desfrute
do paraíso perdido, quando o homem se apodera do "papel divino"
através de uma real e profunda identificação com o próprio ser divino.
A
atualidade do tema é evidente, porque vamos também descobrir que João da Cruz é
atual e importante. Ainda que os caminhos espirituais sejam diversos, o crescimento rumo à
maturidade de cada ser humano obedece a certas leis humanas. João da Cruz -
como o autor nos vai conduzindo a entender - conseguiu captar estas leis
essenciais, próprias do processo espiritual. E, curiosamente, se quisermos
partir para a admiração do fato, estas leis se aproximam muito das teorias psicológicas
modernas que conduzem o homem à busca do seu eu verdadeiro. Tanto assim que nos
afirma um entendido de João da Cruz: "a mística de João da Cruz não nos
oferece um caminho alternativo ou substitutivo ao desejo humano da crescer e de
crescer em comunhão. Mas põe-nos em guarda contra os excessos de confiança nas
tendências do «sociologismo» ou do «psicologismo» com relação à liberdade
interior... " Portanto, o caminho da libertação pessoal - ante-sala para a
comunhão com os irmãos - não se alcança apenas com a transformação das
estruturas sociais, fontes de servidão; nem pelos caminhos da psicologia tomada
como chave de libertação do espírito e de comunhão com os outros. Na
espiritualidade cristã, tal como nos leva a entender o autor, a partir de João
da Cruz, a busca de Deus pela fé e pelo amor - ambos purificados - é garantia
da realização e maturação humanas. A sociologia e a psicologia podem auxiliar
neste processo. O crescimento psicológico se torna libertador apenas na medida
em que purifica e liberta a fé e o amor.
Então,
com certeza, o caminho libertador e humanizante do espírito humano é fruto da
lenta ação do Espírito Santo, realizado na proporção em que aceitamos ser por
Ele purificados, e não se alcança à força de análises ou exercícios parciais
embasados em concepções unilaterais da pessoa humana. Estes exercícios podem
ser úteis na sua própria esfera, ajudando a abrir o caminho para a fé. Vamos
encontrar luminosamente esclarecida esta situação e teremos a alegria da
verificar que o caminho espiritual é mais simples do que pensamos.
Creio
que a leitura desta oobra deverá ser feita lentamente, quase como se de fato
nos encontrássemos os três: João da Cruz mediado por Wilfried Stinissen e cada
leitor. E neste encontro tivéssemos sede de falar, um com o outro, de nossa
experiência mística, de nosso caminho rumo a Deus. Sem dúvida vamos verificar
que João da Cruz parecia estar-nos ouvindo e descrevendo nossa caminhada quando
escreveu a sua "Noite EScura". E Wilfried Stinissen nos parecerá ser um
dos bons comunicadores que vão com muita propiedade mediando a conversa,
contribuindo para que esta seja inteligível, proveitosa e saborosa. E cada um
de nós terá a imensa alegria de descobrir o místico que é, vivendo no ÊXODO
contínuo = luta, purificação... e na ALIANÇA = celebração, amor gratuito,
presença e comunhão com Deus:
"
o que Deus pretende é nos tornar deuses por participação, sendo ELE por natureza,
assim como o fogo converte todas
as coisas em fogo ". (Max 106)
Alegremente
vamos compreender a necessidade da noite purificadora, as modalidades da noite
e os frutos positivos que ela mostrará: nossa integração, felicidade,
alteridade, comunhão, santidade.
Bom
encontro!...
Irmã
Camélia Cotta
[21]. Cfr. G.Gutiérrez Beber do
próprio poço: o itinerário espiritual de um povo Vozes Petrópolis
1987 (Trad. de Hugo Pedro Boff); Falar de Deus a partir do sofrimento
do inocente - Uma reflexão do Livro de Jó Vozes Petrópolis
1987 (trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth); J.Sobrino Tracce per una
nuova spiritualità Borla Roma 1987; S.Galilea,As raízes da
Espiritualidade Latino-Americana (Os místicos ibéricos) Paulinas São Paulo
1986 (trad.Luiz João Gaio); Uma síntese: C.Maccise Lectura
latino-americana de San Juan de la Cruz. Desde una perspectiva liberadora
em F.Ruiz (coordenador) Experiencia y pensamiento en San Juan de la Cruz
Ed.Espiritualidad Madri 1990
pgs. 271-295
[37]. São citados, principalmente, os
vários estudos do jesuíta irlandês, que trabalha no Japão, William Johnston: é
dele The still Point: Reflections on Zen und Christian Mysticism Harper an Row Nova York
1971. Cfr. também J.Mamic, San
Giovanni della Croce e lo Zen Buddismo. Un confronto della problematica dello
"svuotamento" interiore. Teresianum Roma
1982
[43]. "São João da Cruz não é
universal apesar das particularidades da sua fé e vocação, mas precisamente
graças a elas. A força irradiante de universalidade brota da concretitude de
uma experiência sólida e depurada, mas sempre encarnada nas suas próprias
formas. Privada das suas concreções de fé e vida, a experiência mística de São
João da Cruz torna-se teórica, filosófica e se degrada". F.Ruiz Vida y
experiencia carmelitana en los escritos de San Juan de la Cruz em
O.Steggink (ed) Juan de la Cruz: espíritu de llama Institutum Carmelitanum-KOK Roma/Kampen
1991 pg.686
[47]. G.Morel Le sens de l'existence
selon Saint Jean de la Croix 3 vol.
Aubier Paris 1960-1961. Cfr. a recensão de X.Tiliette, Mystique et métaphysique: à propos d'un livre
recent em Revue de Métaphysique et Morale, 66 (1961) pgs. 375-380. Antes de Morel, H.Samson tinha
aprofundado o tema, L'esprit humain selon Saint Jean de la Croix Presse Universitaire Paris
1953.
[49]. Spiritualiteit en Mystiek in
Dynamisch-Structureel Perspectief, Titus Brandsma Instituut - Nijmegen 1988
pg 24. Temos
um exemplo prático na tese de láurea de A.R. Luévano, Endless Transforming
Love. An interpretation of the Mystical Doctrine of
Saint John of the Cross according to the Soul's Affective Relation and Dynamic
Structures
Institutum Carmelitanum Roma 1990
[60]. Cfr. o nosso Nuovi cammini
dello Spirito. La spiritualità alle soglie del terzo millenio Paulinas
Cinisello Balsamo 1990 pgs. 156-161. (Nota do tradutor: fala-se de Noite
Escura e do Nada até na arte, como na pintura, escultura e mesmo na
poesia. Cf. Jean-Pierre Jossua: Yves Bonnefoy et la mystique em La Vie
Spirituelle 705 t.147
1993 427-439)
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