* Dom Frei Vital Wilderink, O Carm, In Memoriam.
Terceiro
dia. Tema: O amor de Deus e do próximo
Acolhida
1. Criar um bom ambiente, dando as
boas-vindas e colocando as pessoas à vontade.
2. Canto inicial. Sugestão: “Toda a
Bíblia é comunicação”. Durante o canto são introduzidas a Bíblia e, em seguida,
uma imagem de Santa Teresinha, e colocadas sobre uma mesinha no meio de grupo.
3. O presidente ou coordenador da
celebração apresenta brevemente o assunto que vai ser refletido, meditado e
rezado neste terceiro dia da novena.
4. Os participantes invocam a luz do
Espírito Santo.
O
caminho do amor
Não há dúvida: o amor é a
experiência mais universal, mais alta, doce e difícil do ser humano. Ela se
reveste de diversos aspectos e dimensões,
de degraus e etapas, de diversas motivações e expressões. Mesmo
inconsciente no início, é uma energia primordial que procura alcançar seu
objetivo que é de ser aceito como bebê, criança, adolescente, jovem, adulto. É
como um anseio do próprio desenvolvimento, sempre acompanhado de um apetite de
prazer. Primeiro no plano biológico e psíquico, depois, com o nascer da
consciência e do conhecimento, no nível
do afeto da alegria de ser aceito, respeitado e querido como gente. A
busca da realização humana em todos seus aspectos sempre está ligada ao
respeito da dignidade da pessoa. Do contrário, haverá uma quebra, uma ferida,
uma diminuição da responsabilidade mútua que é inerente ao amor. Querer-se bem,
querer o bem do outro é uma caminhada difícil que exige uma transformação do
nosso eu para abrir o espaço para o amado. A experiência nos ensina que esse
mesmo eu é frequentemente da sua própria prisão a vigia mais eficiente.
.
Do momento em que o ser humano
faz sua entrada na terra, já no seio materno, manifesta-se nele uma energia
primordial que o impulsiona para seu desenvolvimento. É uma força orgânica,
biológica e psíquica que, como princípio de prazer, vai em busca de uma
afirmação. Mas no ser humano não existe apenas um anseio pelo prazer. Esta
aspiração se entrelaça com outro desejo forte: que me aceitem como gente.
Querer ser aceito e respeitado é a primeira expressão da dignidade humana. É toda uma trajetória, que se estende, de
modo diferenciado, ao longo dos anos da
vida. e que vai configurando a relação existencial do ser humano com o ambiente e seu próprio estado vital.
Tudo isto ressoa, de maneira dificilmente discernível, na sua consciência e vai
plasmando a afetividade do sujeito. O afetivo está presente em todos os setores
e dimensões da vida de uma pessoa. No seu caminho de amadurecimento cabe-lhe
não só interpretar os seus afetos, mas também tomar uma atitude diante delas.
Algumas reminiscências que
Teresinha guardou da sua infância esclarecem, de modo mais concreto, como isto
se deu na vida dela. Ela tinha quatro anos e oito quando sua mãe morreu de
câncer. Entre a mãe e a filha existia uma relação afetiva muito forte. Apenas
podemos conjeturar o quanto a falta da afeição materna prejudicou a criança na
sua evolução psicológica. Teresinha
tornou-se retraída, com uma sensibilidade à flor da pele. A nova e confortável
residência em Lisieux para onde a família se mudou, era o ninho que lhe dava
ainda certa segurança. O que faz uma criança nestas condições? Chora para
atrair a atenção. Mesmo com seus 12 a 13 anos de idade, Teresinha não consegue
vencer a sua sensibilidade infantil. “Era realmente insuportável” como
comentará mais tarde. Mesmo o horizonte religioso, àquela altura já presente na
sua consciência, não conseguia curá-la de sua hipersensibilidade. Às vezes
procurava cumprir certas tarefas domésticas às escondidas, “unicamente por amor
de Deus”. Mas quando os familiares não
manifestavam nenhum agradecimento ou elogio, as lágrimas da Teresinha já
começavam a rolar.
Mas na Festa do Natal de
1886, acontece o que Teresinha chamará de “a graça de sua conversão completa”.
A família voltava da Missa do Galo. Chegando em casa, as crianças corriam para
a lareira para pegar seus sapatos cheios de
presentes natalinos. O costume continuava mas só para Teresinha, que uma semana depois faria
quatorze anos! O pai, cansado com a Missa da meia noite, se irritou quando viu
os sapatos da sua filha caçula na
lareira. Ainda fora da sala, Teresinha escutou o comentário mal humorado de seu
querido pai: “Felizmente que esta vai ser a última vez!” As lagrimas já
começaram a brilhar nos olhos da Teresa. Ela subiu a escada para tirar o
chapéu. Deixemos que ela mesma conte: “Celina também estava bem a ponto de
chorar, pois me queria muito bem e compreendia minha mágoa: “Ó Teresa, disse-me
ela, não desça. Seria muito penoso ir neste momento ver o que há nos teus
sapatos”. Teresa, porém, já não era a mesma. Jesus tinha transformado o seu
coração. Depois de sufocar minhas lágrimas, desci lépida a escadaria. A
comprimir as batidas do coração, peguei meus sapatos, coloquei-os diante do
papai, e fui tirando alegre todos os objetos, com ar feliz, como o de uma
rainha. Papai ria-se, tinha também recuperado a alegria, e Celina estava sob a
impressão de um sonho!”.
Constata-se que, quando o sujeito se
vê forçado a reprimir uma tendência, esta é estimulada não somente pela
presença de seu objeto conatural, mas também por efeito de um estímulo que encaminha
para o objeto por uma associação às vezes casual. Desta maneira aparecem
reações agressivas ou alterações nervosas no comportamento. De outro lado, o
ser humano é capaz de interromper, por um ato de vontade, a sequência entre uma
necessidade sentida e a sua satisfação. Por esta capacidade, exercitada ou não,
o ser humano pode subtrair-se na sua conduta à direção do prazer e da dor. Aqui
a razão entra no campo afetivo como outro princípio de ação e faz tomar
distância do próprio ambiente de vida conseguindo assim impor o seu
domínio. Apresenta-se neste caso algo
que possui um alcance maior que a simples necessidade: é o desejo. Os limites
do desejo humano não se definem. Cada desejo aponta para um além. Se não fosse
assim não haveria renovação do nosso ritmo vital. A nossa vida ficaria presa ao
instante das necessidade percebida. Seria o tédio. ”O vento sopra para o sul,
depois gira para o norte e, girando e girando, vai dando as suas voltas. Todos
os rios correm para o mar, e o mar nunca transborda; embora cheguem Ao fim do
seu percurso, os rios sempre continuam a correr”(Ecl 1, 6-7). Como ser pensante
abre um parêntese, intercala um espaço não previsto, entre a sucessão das
necessidades e suas satisfações. É um “silêncio” certamente não de agrado à
sociedade de consumo e à lógica da eficiência do mercado.
A afetividade humana tem
na condição biológica o seu ponto de partida, seu primeiro suporte. Mas não se
reduz a estímulos instintivos. Os sentimentos e emoções humanas superam a mera
reação biológica. A afetividade humana, com suas duas vertentes, animal e
racional, é fundada na unidade da consciência. O que implica na necessidade de
uma disciplina pessoal e de uma opção que supõe uma visão do sentido da vida.
Na visão da fé cristã, o homem não é uma “paixão inútil”. Reconhece, sim, que a
sua existência tem um caráter dramático devido a uma deviação originária.
No ser humana a
afetividade se fundamenta tanto sobre a corporeidade como sobre a racionalidade.
O que implica nele uma passividade em relação às suas necessidades e
aspirações. Isto não só no âmbito biológico, mas também no nível do seu
intelecto uma vez que a vida racional se abre para um horizonte de certo modo
infinito. Se o ser humano, a partir dessas suas características fundamentais, não
fosse “alvo”, não haveria ressonância de nada na sua consciência, ressonância
que precisamente constitui a instância afetiva. Nem haveria, por conseguinte,
um estímulo para o agir humano, que pressupõe, por sua vez, uma capacidade de
discernir. A questão do discernimento será sempre complexa por causa da junção
paradoxal da receptividade passiva e da atividade desbravadora. A repercussão
afetiva de uma situação corresponde a condições objetivas ou é efeito de uma
emotividade subjetiva? É provável que haja
sempre uma combinação dos dois fatores com um leque muito variável de
proporções.
Considerando a abertura
universal da nossa inteligência, não se pode excluir da afetividade do ser
humano em relação a Deus. Os escritos da tradição da fé judaico-cristã possuem
uma linguagem claramente afetiva. Não aparece neles um Deus descoberto por
filósofos a partir das aspirações transcendentes, mas de um Deus que Ele mesmo
toma a iniciativa de ir ao encontro do homem. É o Deus que se revela, que
estabelece uma aliança com o homem: é um Deus de amor.
Apela-se à razão para negar
objetividade a essa visão. Em defesa de uma explicação geral e objetiva do
real, elaboram-se teorias com pretensões de filosofias universais, que tornam
desnecessário qualquer outro nível de pensamento. São teorias que, excluindo a
metafísica, explicam cientificamente a origem do real, até chegar a um ponto
que lhes é cientificamente inatingível. Ponto onde adivinham uma necessidade,
um acaso, enfim algo sem razão. Colocando o irracional como fundamento, fazem
desabar sua própria construção racional, uma vez reduzem a própria razão a um
produto casual do irracional. A fé cristã não interrompe a linha do racional
pois coloca no princípio o Verbo, a força criadora da razão no princípio de
todas as coisas. Não se vê como declarar
irracional o terreno em que os argumentos científicos e o próprio pensamento
filosófico não conseguem penetrar. A fé cristã dá a esse terreno o nome de
mistério, não porque deixa de optar pela primado do racional sobre o
irracional, mas porque para ela a razão verdadeira é o amor e o amor é a razão
verdadeira. Amor e razão coincidem. Há algo de irracional em negar que na sua
unidade eles são as o verdadeiro fundamento e objetivo do todo o real.
Para a fé cristã Deus é um
Deus que se revela ao homem entrando na sua história. Revelação que atinge no mistério da
Encarnação seu ponto mais alto. Deus assume em Cristo um coração humano. As
manifestações afetivas do Coração de Cristo são sentimentos divinos: sua bondade,
sua misericórdia, mas também seu medo e sua angústia. Santa Teresinha escreve:
“Como é linda a nossa religião, em vez de restringir os corações (como imagina
o mundo), eleva-os e torna-os capazes de amar, de amar com amor quase
infinito”. De fato, a revelação de Deus
visa uma participação à sua vida divina. Assim afirma a segunda carta de Pedro:
“O seu divino poder nos presenteou com tudo o que contribui para a vida e para
a piedade, mediante o conhecimento daquele que nos chamou por sua glória e poder.
Por sua glória e poder, ele nos presenteou com os bens prometidos, os maiores e
mais valiosos, a fim de que vós vos tornásseis participantes da na-tureza
divina, fugindo da corrupção que a concupiscência espalha no mundo”(2 Pd
1,3-4). Santa Teresinha pedirá na sua
oblação ao amor misericordioso de Deus que ele deixe transbordar em sua alma as
ondas de infinita ternura que estão encerradas nele. As expressões utilizadas por Teresa já
manifestam a sua reação afetiva à iniciativa do amor misericordioso de Deus.
Teresa se deixa monopolizar
por esse amor infinito de Deus que nela se reveste de uma forte acentuação
cristológica. Trata-se de um
conhecimento experiencial que a faz falar e agir. É neste olhar amoroso fixado
em Jesus que se encontra o segredo do seu ardor missionário, do seu desejo de
fazer com que Deus seja amado. Não é um sonho infrutífero. Ela encontrou nisto
a sua missão na Igreja. Missão que ela traduz concretamente no dia-a-dia de
seus relacionamentos humanos no espaço restrito do Carmelo de Lisieux. Em
virtude desse dinamismo do amor, desencadeado pela iniciativa de Deus, Teresa
se vê realizando todas as missões particulares que para ela são suscitadas pela
mesma iniciativa divina. Mas ela descobre que a impossibilidade de ampliar o
alcance de espaço e do tempo, não restringe a universalidade da sua vocação que se deixa absorver pelo
amor de Deus. Em agosto de 1897, diante de uma imagem de Joana d’Arc na prisão,
ela afirmará: “Os santos encorajam também a mim, na minha prisão. Eles me
dizem: ‘Enquanto estiveres acorrentada, não poderá cumprir tua missão; mais
tarde, porém, após a tua morte, será a hora de teus trabalhos e conquistas’”.
A pertença a Cristo
conferida no batismo produz uma conformação real, uma relação de filho de Deus,
condição que não pode deixar de ressoar na consciência traduzindo-se
afetivamente. Assumir esta filiação significa tomar consciência da necessidade
de uma entrega à vontade do Pai que “sabe que precisais de tudo isso”(Mt 6,
32). À medida que esse espírito filial crescer e se fortalecer, a apreensão
diante do juízo, sempre presente no horizonte da consciência pecadora, vai se
dissolvendo diante da confiança: “No amor não há temor. Ao contrário, o
perfeito amor lança fora o temor, pois o temor implica castigo, e aquele que
teme não chegou à perfeição do amor” 1Jo 4, 18).
O evangelho de Jesus
Cristo é uma revelação do amor, Amor que é o próprio Deus. Por isto, “quem
permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele” ( 1Jo 4,16). A
caridade como amor teologal, nos faz amar. Retifica, confirma, universaliza e
diviniza a nossa capacidade de amar. O nosso próximo não nos oferece
simplesmente uma ocasião para amar a Deus. Ele é amado, estimado e querido em
si mesmo, enquanto participa do amor que vem de Deus. A caridade descobre essa
amabilidade que o próximo tem em si, leva a ver o próximo em Deus, na inefável
condescendência do Amor divino.
O amor na Bíblia
Introdução
à leitura do texto bíblico.
A caridade como plenitude
do amor unifica a pessoa por dentro. Por isto só uma pessoa que ama é capaz de
sair de si mesmo, sem alarido, como canta São João da Cruz:
Em uma noite escura, às escuras, segura,
com ânsias, em amores inflamada, pela secreta escada disfarçada, ó ditosa
ventura! ó ditosa ventura! Saí
sem ser notada, em trevas e em
celada, ‘stando já minha casa sossegada, ‘stando
já minha casa sossegada.
Ao sair, não tem a impressão de ter
deixado algo para trás pela simples razão de “a amada no Amado (estar)
transformada” sem impressão de ter deixado um bem para trás pela simples razão
de “a amada no Amado (estar) transformada”, como canta São João da Cruz. É uma
sedução que paradoxalmente intensifica a liberdade, a espontaneidade e a
responsabilidade daquele que ama. É vocação de todos nós caminhar para esta
perfeição do amor.
Perguntas
para a reflexão:
•Cada um comenta um pouco o diálogo
entre Jesus e o jovem rico.
•Em que sentido o convite de Jesus ao
jovem pode e deve ser aplicado a nós?
Teresa,
Doutora do Amor.
Em 1998 Teresa de Lisieux foi
proclamada Doutora da Igreja pelo Papa João Paulo II. Já no pontificado de Pio
XI que a canonizou em 1925, houve tentativas de conceder a Santa Teresinha o
título de Doutora da Igreja. Malgrado sua profunda devoção à nova Santa que ele
chamava de “Estrela do meu Pontificado”,
Pio XI não atendeu a essa expectativa. O motivo? Porque se tratava de uma
mulher. Mais tarde, duas outras santas mulheres receberam o título: Santa
Teresa de Ávila e Santa Catarina de Sena. Hoje existe um movimento para que uma
terceira carmelita, Edith Stein, seja proclamada doutora da Igreja. A condição
feminina parece hoje um elemento até favorável para mostrar que a Igreja não é
machista.
Doutor da Igreja é um
título oficialmente dado pelo Magistério da Igreja a certos escritores
notáveis, tanto pela santidade de vida quanto pela importância e ortodoxia de
sua doutrina. Sem dúvida, houve outros que ao longo dos séculos seguiram o
pequeno caminho, como a Virgem Maria, mas devemos reconhecer que foi Santa
Teresinha que lhe deu um brilho e uma influência universal. Pode-se perguntar o
que existe de próprio na doutrina teresiana. Vários aspectos poderiam ser
apontados, mas o centro é, sem dúvida, o amor. Amor, palavra muitas vezes
banalizada. Teresa lhe devolve a sua seriedade ao fazer dele a sua própria
vocação. Ela tornou-se Doutora do Amor.
A caridade deu-
me a chave de minha vocação. Compreendi que, se a Igreja tinha corpo, composto
de vários membros, não lhe faltava o mais necessário, o mais nobre de todos.
Compreendi que a Igreja tinha coração, e que o coração era ardente de amor.
Compreendi que só o amor fazia os membros da Igreja atuarem, e que se o amor se
extinguisse, os apóstolos já não anunciariam o Evangelho e os mártires se
recusariam a derramar seu sangue. Compreendi
que o amor abrange todas as vocações, alcançando todos os tempos e todos os
lugares. Numa palavra é terno. Então no transporte de minha delirante alegria,
pus-me a exclamar: Ó Jesus, meu amor, minha vocação, encontrei-a afinal: MINHA
VOCAÇÃO É O AMOR.
Amor
será também a última palavra que ela pronuncia na sua agonia: “Oh! eu o amo!...
Meu Deus... eu vos amo!...”. Desde
cedo, antes de entrar na sua adolescência, Teresa “sentia o desejo de amar só a
Deus, de não encontrar alegria senão nele”.
Já no fim da vida, o mesmo desejo, amadurecido e purificado pelo
sofrimento: “Vós o sabeis, ó meu Deus, nunca desejei outra coisa senão
amar-vos, não cobiço outra glória. Vosso amor sempre me preveniu desde a
infância, comigo cresceu, e agora se tornou um abismo, cuja profundeza não sei
calcular. Amor atrai amor. Por isso, meu Jesus, o meu se atira em vossa
direção, querendo atestar o abismo que o empuxa, mas infelizmente não
representaria sequer uma gota de orvalho, diluída no oceano! Para vos amar como
vós me amais, ser-me-ia necessário lançar mão de vosso próprio amor”.
Poderíamos perguntar se
Teresa em todas essas declarações de amor, não manifesta uma ilusão de estar
abrigada numa torre de marfim, fechada no seu eu que ela projeta num amor de
Deus. Não faz lembrar Teresinha menina, que em passeio vespertino, segurando a mão
de seu pai pedia-lhe que a guiasse?
“Então, não querendo ver nada desta terra mesquinha, sem olhar onde
punha os pés, erguia a cabecinha bem alto para o ar, e não me cansava de
contemplar o azul do céu estrelado!” A
autenticidade do nosso amor a Deus não se manifesta na qualidade do nosso amor
aos outros nas realidades concretas onde se desenvolve a nossa existência?
Certo, Teresa nunca deixou de sonhar com o dia em que estaria reunida com toda
a sua família no Céu. Saudades sublimadas do tempo de sua infância? É descobrindo o amor de Deus que Teresa faz o
caminho de volta, da fugacidade do tempo e de todas as coisas para a
preciosidade do momento presente: “Que me importa, Senhor, se no futuro há
sombra? Rezar pelo amanhã? Minha alma não consente! Guarda meu coração puro!
Cobre-me com tua sombra. Agora, no presente!” Se penso no amanhã, temo ser inconstante, vejo
nascer em meu coração a tristeza e o enfado. Eu quero, Deus meu, o sofrimento,
a prova torturante agora, no presente!”
Teresa saiu do
seu eu com seus inúmeros desejos de tira-gosto. O que sobrou foi o desejo do desejo
de amar a Deus. Suas três irmãs de
sangue, carmelitas no mesmo mosteiro, se reuniam junto à cama da caçula da
família. Escutemos o diálogo: “O que você quer que digamos hoje?... A melhor
coisa seria não dizer absolutamente nada, porque, para dizer a verdade, não há
nada para dizer. Tudo já foi dito, não é? Teresa fez um lindo sinalzinho com a
cabeça: Foi!... Sofro somente um instante. Nós nos desanimamos e desesperamos
apenas por pensarmos no passado e no futuro”.
Quem tem consciência de morar no amor de Deus, tem outra maneira de
relacionar-se com o tempo. Não faz as coisas para poder fazer outras. Ele é o
que faz.
A confiança e o abandono
nas mãos de Deus e o sentir-se amada por Ele é em Teresa a fonte do amor aos
outros. Deus é a única opção de Teresa. Mas o amor entre os dois não é um
diálogo fechado. O mundo está presente nele. É um diálogo no tempo e na
história que encontra a sua fonte no mistério da Encarnação, e, de modo denso,
no mistério da Paixão de Cristo. “Como a torrente, lançando-se com ímpeto no
oceano, arrasta após si tudo quanto encontra de passagem, assim também, ó meu
Jesus, a alma que imerge no ilimitado oceano de vosso amor, arrebata consigo
todos os tesouros que possui... Senhor, vós o sabeis, não tenho outros tesouros
senão as almas que vos aprouve unir à minha. Tais tesouros, fostes vós que mos
confiastes”. Teresa não seleciona as almas. É verdade que ela pensa nos
pequenos. Ficaria até feliz se Deus pudesse encontrar almas que, em relação a
ela, ganhassem em pequenez porque o critério será sempre a misericórdia divina.
Pois foi do agrado do Pai revelar estas coisas aos pequeninos (Mt 11, 26). Teresa recorre frequentemente às cartas de
São Paulo. Também no tema da misericórdia de Deus, ela se reconhece no Apóstolo
dos Gentios: “Jesus não chama os que disso são dignos, mas o que são de seu
agrado, ou conforme diz São Paulo: ‘Deus tem compaixão de quem lhe apraz, e faz
misericórdia a quem Ele quer aplicar misericórdia. Isto, portanto, não depende
de quem quer, nem de quem corre, mas de Deus que se compadece”(Rm 9, 15-16).
O pensamento de
Teresa não é arbitrário, mas atinge o mistério insondável da salvação. Por isso
mesmo descobre a sua vocação de amor no coração da Igreja, como uma vocação
profundamente apostólica: “Tenho vocação de ser apóstola... Quisera percorrer a
terra, apregoar teu nome, e cantar em terra de infiéis tua gloriosa Cruz. Mas,
ó meu Bem-Amado, uma única missão não me seria bastante. Quisera anunciar, ao
mesmo tempo, o Evangelho pelas cinco partes do mundo até as ilhas mais
remotas... Quisera ser missionária não só por alguns anos, mas quisera sê-lo
desde a criação do mundo, e sê-lo até a consumação dos séculos... Mas, acima de
tudo, quisera, ó meu amado Salvador, por ti quisera derramar meu sangue até a
última gota...”.
De novo surge a
tentação do ceticismo para quem a linguagem e a empolgação de Teresa pode parecer uma fuga da vida
cotidiana que ela levava no Carmelo de Lisieux. Ambiente em que não faltavam
relacionamentos eivados de autoritarismo, mesquinhez e ciúme, que facilmente
aumentam o volume da sua ressonância afetiva quando o espaço do mosteiro é
reduzido pelo clausura, mas habitado por um número não pequeno de religiosas.
As “alfinetadas” de que Teresa fala, fazem sonhar com horizontes mais
amplos. Mas o horizonte de Teresa não é
feito de um sonho, mas é “o próprio Jesus, esta divina realidade” como ela
sublinha. Ainda postulante, ela escreve para sua irmã Celina: “Antes de morrer
pela espada, morramos às alfinetadas”.
As renúncias não procuradas que a cada momento se apresentam no relacionamento
com as irmãs, principalmente no trato com as noviças por cuja formação Teresa é
responsável, fazem-lhe descobrir e também ensinar melhor o seu pequeno caminho
de amor. Teresa não quer saber de gestos heroicos de santidade. Para ela o
ponto de referência é Jesus, que ela quer seguir amando. Jesus, o Filho de Deus
que veio para fazer a vontade do Pai. Vontade que consiste em dar ao mundo o
Filho, e nele o amor do Deus-Trindade. Um mês antes de sua morte,
perguntaram-lhe se ficaria contente se soubesse que dentro de alguns dias iria
morrer, ou se preferiria receber um aviso de que o seu sofrimento iria aumentar
durante um longo período ainda. A resposta de Teresa: “Oh! não, absolutamente,
não ficaria mais contente. A única coisa que me deixa contente é fazer a
vontade do bom Deus”.
Quando Teresa
fala, reagindo às observações das suas irmãs que cuidam da enferma, as suas
palavras não armam ao efeito. Seus comentários às admiradoras de sua paciência,
beleza ou santidade, revelam um senso de humor que desloca a atenção para o seu
Amado: “Bom, tanto melhor! Mas gostaria que o bom Deus o dissesse”.
Celebremos o Amor de Deus
Santa
Teresinha é Doutora do Amor que quer se doar. É a missão que ela descobriu.
Quando ela começa a escrever a história
de sua alma, ela afirma: “Só vou fazer uma coisa: começar a cantar o que devo
repetir eternamente: As Misericórdias do Senhor!!!”. Na segunda página do seu caderno, ela
explica: “Compreendi que o amor de Nosso Senhor revela-se tanto na alma mais
simples, que em nada resiste à sua graça, como na alma mais sublime. Na
realidade, é próprio do amor rebaixar-se. Se todas as almas parecessem com as
dos santos doutores que iluminaram a Igreja com a luz da sua doutrina, parece
que Deus não desceria bastante ao vir até o coração deles. Mas criou a criança
que nada sabe e só emite fracos gritos, criou o pobre selvagem que só tem como
guia a lei natural e é até o coração deles que se digna descer; são as suas
flores do campo cuja simplicidade O encanta... Descendo assim, Deus mostra sua
infinita grandeza. Assim como o sol ilumina ao mesmo tempo os cedros e cada
florzinha, como se ela fosse única sobre a terra, assim Nosso Senhor se ocupa
particularmente de cada alma como se não houvesse outra igual. Como na
natureza, todas as estações são determinadas de modo a fazer desabrochar, no
dia marcado, a mais humilde margarida, assim tudo corresponde para o bem de
cada alma”.
Preces
3. Em forma de prece vamos agradecer a
Deus o dom que Ele nos fez em Santa Teresinha que, através da sua vida, nos
apontou o caminho do amor.
4. Ler juntos as palavras de Jesus que
foram escritas para todos nós: “Assim
como meu Pai me amou, eu também amei vocês. Se vocês obedecem aos meus
mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como eu obedeci aos mandamentos do
meu Pai e permaneço no seu amor. Eu disse isso a vocês para que minha alegria
esteja em vocês, e a alegria de vocês eja completa. O meu mandamento é este:
amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês”(Jo 14, 9-12).
Rezar
o Pai Nosso.
Oração:
Ó Deus, criador de todas as coisas,
volvei para nós o vosso olhar e, para sentirmos em nós a ação do vosso amor,
fazei que vos sirvamos de todo coração, como nos mostrastes pelo exemplo de
Santa Teresinha. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do
Espírito Santo.
*Dom
Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de
automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio
das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no
estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O
sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São
Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.
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