O
que nos motiva neste Tríduo?
A nossa memória guarda,
ainda bem viva, a peregrinação das relíquias de Santa Teresinha por vários
continentes e países, por ocasião de Io Centenário da morte da jovem carmelita.
Também no Brasil, em 1998, a visita atingiu quase todas as dioceses. Ao que
parece, os santos estão voltando para a espiritualidade hodierna. Talvez seja
porque os cristãos de hoje preferem modelos concretos, personalizados. Pensar e
refletir a partir de conceitos não
basta. Há um desejo de ver, de uma presença. Algo semelhante já acontecia com
os primeiros discípulos de Jesus: “Mestre, onde moras?”. “Vinde e vede...”
A verdadeira história
póstuma de Teresinha é contada pelas multidões que se sentem atraídas por essa
presença dela Mas é uma história que nunca será escrita. Permanecerá um segredo
entre a Santa e a multidão das pessoas que vão vê-la. No entanto, a própria
Teresinha, já no fim da sua vida, pressentiu a sua atuação que, depois da sua
morte, se faria sentir no mundo inteiro: “Se o bom Deus atender meus desejos,
meu céu se passará na terra, até o fim do mundo. Sim, quero passar meu céu a
fazer o bem na terra”.
Aqui nos confrontamos com
o mistério de Santa Teresinha, que, apesar de tantos excelentes estudos e
publicações, nos escapa. Escapa porque tem a ver com o mistério do próprio Deus
que “amou o mundo a tal ponto que deu o seu Filho único” (Jo 3,16). Esta
gratuidade da iniciativa do amor de Deus envolveu em Jesus Cristo as
interrogações que a humanidade carrega.
Na sua “História de uma
alma” Teresinha nos conta como ela descobriu e se deixou tocar por esse amor
gratuito de Deus. Procurou conformar sua vida com o sentir e pensar de Jesus
Cristo (cf Fl 2,5). a quem acompanhou do seu nascimento em Belém até a morte no
Calvário. Até o nome que assumiu na sua vida de carmelita traça esse
itinerário: Teresa do Menino Jesus e da Santa Face.
Misteriosa solidariedade
esta do Filho de Deus que como Palavra de Deus assumiu a história humana com
suas interrogações entre as quais ressoa o tom dominante do pecado do mundo.
Teresa não foge delas. Assenta-se inclusive à mesa dos pecadores. A revelação
da misericórdia de Deus em Jesus Cristo a torna amorosa e confiante, como uma
criança diante do pai, mesmo quando este parece mais ausente que presente. Daí
a sua declaração dois meses antes de morrer: “Sinto que minha missão vai
começar, minha missão de fazer amar o bom Deus como eu o amo, de indicar às
almas minha pequena trilha”.
Esta novena pressupõem as
múltiplas interrogações que estão presentes na nossa vida, na história com suas
alegrias e tristezas, esperanças e angústias. Temos muito para agradecer a
Deus. Mas também não nos faltam aspirações, preocupações, problemas e
sofrimentos, seja no enredo da vida pessoal, seja na realidade mais ampla em
que vivemos. É possível que, às
vezes, enxerguemos as coisas de uma
maneira distorcida; o que já é uma causa de sofrimento. A nossa fragilidade manifesta-se
freqüentemente na própria autosuficiência
Fato é que há inúmeras
situações que nos levam a questionar a
vida que temos. Mas, se questionamos, deve haver alguma coisa que para nós está
fora de discussão. Qual é este horizonte? É importante descobrir o que
realmente está em jogo nas nossas interrogações e na resposta que esperamos. Muitos
dentre nós irão participar desta novena para pedir uma graça de Deus por
intercessão de Santa Teresinha. Afinal, foi ela mesma que nos motivou: “Quão
infeliz não serei no céu, se não puder promover pequenas alegrias aos que amo”.
A simplicidade destas palavras poderia dissimular a importância e qualidade
dessa declaração. É preciso interpretá-la
na perspectiva do testemunho da vida de Teresinha como aparece nos seus
escritos. O que ela quer é cantar a misericórdia divina cuja ação soberana ela
descobre tanto no conjunto como nos detalhes de sua vida, tanto nos
acontecimentos felizes como nas situações dolorosas.
Possa esta novena
contribuir para simplificar também o nosso olhar que descobre tudo, em Deus e
na história, sob a luz da misericórdia divina. Se nossos problemas não têm bom
enfoque, dificilmente encontraremos boa solução para eles.
O que está em jogo, também
nesta novena, é a nossa renovação espiritual. Teresa do Menino Jesus e da Santa
Face entende disto porque se encontra na encruzilhada das questões essenciais
no nosso tempo. Não é sem razão que ela foi proclamada Doutora da Igreja.
Como
fazer a novena?
Há várias maneiras de
fazer a novena: em pequenos grupos, na igreja com maior número de fiéis,
individualmente. Cada maneira tem uma dinâmica diferente. Apresentamos algumas
sugestões para a celebração em pequenos grupos. É um roteiro que facilmente
poderá ser modificado e adaptado segundo as possibilidades de outros ambientes.
Acolhida
1. Criar um bom ambiente. Dar as boas- vindas. Colocar as pessoas à
vontade.
2. Introduzir a Bíblia e uma imagem ou fotografia de Santa Teresinha.
3. Canto de abertura
4. Apresentar brevemente o
assunto que vai ser refletido, meditado e rezado no respectivo dia da novena.
5. Invocar a luz do Espírito Santo.
6. Uma pessoa do grupo, convidada
com antecedência, faz uma pequena introdução ao tema do dia, com o objetivo de
colocá-lo dentro da vida, de tal maneira que os participantes possam conversar
sobre o assunto olhando de perto as coisas de nossa vida.
7. Leitura do texto da Bíblia. Segue um momento de silêncio e são
colocadas algumas perguntas para a reflexão.
8. Leitura de um texto de (ou sobre) Santa Teresinha, para ver como ela
viveu na sua vida o tema refletido pelo grupo.
9. Celebrar o dom que Deus nos fez na vida e na vocação de Santa
Teresinha.
Primeiro
dia
Tema:
A nossa vida de fé
Acolhida
1. Criar um bom ambiente, dando as boas-vindas e colocando as pessoas à
vontade.
2. Canto inicial. Sugestão: “Em nome do Pai, em nome do Filho, em nome
do Espírito Santo, estamos aqui...”. Durante o canto são introduzidas a Bíblia
e, em seguida, uma imagem de Santa Teresinha, e colocadas sobre uma mesinha no
meio de grupo.
3. O presidente ou coordenador da celebração apresenta brevemente o
assunto que vai ser refletido, meditado e rezado neste primeiro dia da novena.
4. Os participantes invocam a luz do Espírito Santo.
Vamos
olhar de perto a nossa vida de fé
De certos
personagens que aparecem na Bíblia se diz que “andavam com Deus”, que
“caminhavam na presença dele”. São expressões que indicam seu relacionamento
pessoal com Deus no centro da vida e da história. “Caminhar com Deus” significa
percorrer as estradas e atalhos da vida cotidiana acolhendo, além de simples
sentimentos nostálgicos, o imprevisto de sua manifestação. É onde os seus
pensamentos não são os nossos pensamentos, os seus caminhos não são os nossos
caminhos. “Caminhar com Deus” significa
também descobrir aos poucos que Deus não existe para ajustar-se ao meu “Eu”.
Todos somos chamados a
caminhar com Deus. Mas como podemos sentir que a nossa vida é perpassada pela
presença divina? É o próprio Deus que nos dá esta capacidade. Deus infunde na
alma dos fiéis as assim chamadas virtudes teologais que dispõem os cristãos a
viver em relação com a Santíssima Trindade . As virtudes teologais são três: a
fé, a esperança e a caridade. Já imaginou como seria a nossa vida sem crer, sem
esperar, sem amar? Seria uma vida sem horizonte, sem rumo, sem sentido. Um verdadeiro buraco! As virtudes teologais
se referem diretamente a Deus como sua origem, motivo e objeto. Elas abrem
horizontes sempre mais amplas para a nossa vida.
A fé é o princípio, o
fundamento e a fonte da salvação. A salvação consiste em ser verdadeiros filhos
de Deus, em participar, como criaturas, da vida da própria Trindade. É ter a
vida eterna em nós. É realmente uma Boa Nova!
Mas é preciso lembrar que esta iniciativa de Deus de dar-nos poder de
nos tornarmos filhos dele implica a nossa conversão: “Convertei-vos e crede no
Evangelho”. Não pode haver alegria antes da conversão. Na caminhada com Deus
sempre ressoa a nossa humilde prece: “Senhor, tende piedade de nós...”.
A fé é entregar-se
livremente a Deus. É uma entrega total, pois pela fé cremos em Deus. Cremos em
tudo o que ele disse e revelou, e que a
Igreja nos propõe para crer. É que Deus é a própria verdade. A fidelidade a
essa entrega nos faz procurar conhecer e fazer a vontade de Deus. Fazendo o
contrário, a fé vai morrendo, porque a sua dinâmica que anima e caracteriza o
agir moral do cristão vai diminuindo e desaparecendo. Por isto o apóstolo Tiago
escreve na sua carta: “A fé sem obras é morta” (Tg 2,26). Ficando privado da
esperança e do amor, o dom da fé
permanece, a não ser que se peca contra a própria fé. Cria-se, porém,
uma situação muito precária. Há cristãos que perdem a fé como se perde um
objeto. Aos poucos a fé desaparece como o verniz numa porta que fica exposta às
intempéries.
Um cristão cuja fé é
morta, continua a crer no que Deus revelou em Jesus Cristo, mas a sua fé não
incide na sua vida, como fonte de sentido, de orientação e de santidade. Por
isto é bom lembrar que a revelação de
Deus não se reduz a um conjunto de verdades, de conhecimentos transmitidos. A
revelação é em primeiro lugar Deus que se doa à nós. A revelação é um encontro
que nos introduz num “cara a cara”.
A
Bíblia nos fala da fé
1.
Introdução à leitura do texto.
Os evangelhos nos dizem
que ter fé é garantia de mudança da história, porque “em verdade vos digo: se
tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda, direis a esta montanha: ‘Vai
daqui para lá’ e ela irá. Nada vos será impossível” (Mt 17,20). Vamos ouvir
um texto do evangelho de Marcos
inteiramente centrado no tema da fé, ou melhor, na falta de fé.
2. Um canto de aclamação ao evangelho.
3. Leitura do texto: Marcos, 9, 14-29.
4. Momento de silêncio.
5. Perguntas para a reflexão:
•Qual o ponto que chamou mais a sua
atenção? Por quê?
•O menino epilético do evangelho “tem um
espírito mudo”. Parece que o mudismo atingiu também os discí-pulos”: não
conseguirem fazer nada. Ficaram olhando o doente e, quem sabe, discutindo.
Porque será que Jesus diz que a impotência deles é sinal de uma “geração sem
fé”?
Fé:
a aposta e o combate de Teresa
Recebemos o
germe da fé no batismo. Ele vai se desenvolvendo num ritmo que varia de pessoa
para pessoa. É um processo, sempre vulnerável, que depende também de fatores
interiores e exteriores à pessoa, positivos ou negativos. Basta pensar na
educação, no ambiente familiar, social e cultural, nos condicionamentos
afetivos e psicológicos de quem caminha. Mas a fé é sempre um “caminhar com
Deus” a quem cabe a iniciativa constante. Na história de uma vida,
defrontamo-nos sempre com o mistério insondável do Deus que “nos amou
primeiro”.
Aderir a Cristo não é
simplesmente uma questão de sentimentos ou de um sistema de pensamento, nem
mesmo de um código de moral. No cristão de fé madura, é o centro de gravidade
de sua própria vida que se desloca. A fé atinge a sua própria razão de ser, de
viver, de servir, de sofrer, de esperar e de amar. Por isto quando a fé é
testada, purificada no crisol da vida, o cristão sente-se ameaçado no
equilíbrio de seu ser, como um barco que
vai a pique. Assim aconteceu com o profeta Elias que acabou com o culto dos
falsos deuses no Monte Carmelo, favorecido pela rainha Jezabel. Quando ela
prometeu vingar-se, Elias, tomado de medo, fugiu para o deserto. Caminhou
sempre na presença do Deus vivo, combatendo com grande ardor a idolatria. Agora
sente-se questionado profundamente na visão que tinha das coisas, nos valores
que motivavam todas as fibras de seu ser a serviço do verdadeiro Deus. O
deserto que não oferece nada a que possa agarrar-se, parece até zombar-se dele:
para que serviu todo esse seu zelo?
Exausto pelo cansaço e pela falta total de motivação, o profeta cai
debaixo de um junípero.
“Pediu a morte, dizendo ‘Agora basta, Iahweh!
Retira-me a vida, pois não sou melhor que meus pais’...Mas eis que um Anjo o
tocou e disse-lhe: ‘Levanta-te e come’. Abriu os olhos e eis que, à sua
cabeceira, havia um pão cozido sobre pedras quentes e um jarro de água. Comeu e
bebeu e depois tornou a deitar-se. Mas o Anjo de Iahweh veio pela segunda vez,
tocou-o e disse: ‘Levante-te e come, pois do contrário o caminho te será longo
demais’. Levantou-se e, depois, sustentado por aquela comida, caminhou quarenta
dia e quarenta noites até à montanha de Deus, o Horeb” (1 Reis, 19, 4-8).
A fé é uma
entrega, é uma aposta total. Quem com esta disposição caminha com Deus, vai
descobrindo que Deus é diferente do que pensávamos, que Ele é maior que o nosso
coração. Quanto mais profundamente a fé
penetrar na alma do cristão, tanto mais ele se sentirá sacudido nos fundamentos
do seu ser. O seguimento de Jesus Cristo não tem um itinerário pré-programado
como o peregrino tinha imaginado. Para cada cristão chega a hora de deixar as
redes e o barco de seus de seus planos.
O caminho da fé não é
igual para todos. Cada um tem sua história. Se há homens e mulheres que nele
chamam a nossa atenção pelo testemunho da sua aventura, é para o bem de todos
nós. Eles nos lembram que a fé é um desafio, e que só pode existir verdadeiro
desafio quando se mergulha no essencial da vida. Santa Teresinha é uma dessas
testemunhas cuja grandeza consiste em ter descoberto um “pequeno caminho
inteiramente novo” feito para os simples e os pequenos.
O ambiente da família em
que Teresinha nasceu e cresceu ofereceu, sem dúvida, um solo favorável para o
desenvolvimento do germe da fé que ela recebeu no batismo, em 4 de janeiro de
1873. A cultura religiosa de uma família da burguesia francesa do fim do século
XIX, não deixará de marcar o estilo dos seus escritos que transbordam de
diminutivos e imagens nem sempre ao gosto da nossa época. Estilo que durante
muito tempo escondeu para muitos o verdadeiro rosto desta Santa que
revolucionou a espiritualidade cristã deslocando o eixo da vocação à santidade
da “perfeição” à comunhão com Deus.
Teresa era uma menina sensível.
Muito emotiva e dotada de uma imaginação viva, que observa e registra tudo que
vê, ela chora frequentemente. Há um quê de altivez e teimosia nessa criança. A
impaciência e a cólera não lhe são estranhas. Mais tarde, com vinte e dois anos
de idade, a carmelita irmã Teresa reconhecerá que estava longe de ser uma
menina sem defeitos. Ela não era santa, mas tornou-se santa. Bem podia ter
tomado na vida um caminho oposto:
“Não tenho, portanto, nenhum mérito em me não
ter entregue ao amor das criaturas, uma vez que só fui preservada pela grande
misericórdia do Bom Deus ... Reconheço que, sem Ele, poderia cair tão baixo com
Santa Madalena... Não ignora também que a mim Jesus perdoou mais do que a Santa
Madalena, pois me perdoou por antecipação, porquanto me impediu que caísse. Oh!
pudera explicar o que sinto!”
Nos defeitos existe sempre algo de positivo
que deve ser burilado. A pequena Teresa sabia o que queria. Decidida como era,
não lhe assentava a beatice. Ainda pequena, refletia sobre o poder de Deus,
gostava de pensar no céu. À sua maneira ela faz pequenos sacrifícios. Seu
desejo, não isento de birra infantil, é “dar prazer a Jesus”.
Em 1887, os jornais
franceses acompanharam o caso de Henrique Pranzini, que, acusado de
assassinatos, fora condenado à morte pelo tribunal. Teresa, assume o criminoso como seu pecador
rezando e fazendo sacrifícios pela sua conversão do assassino impenitente. Às
escondidas, ela percorre ansiosamente as páginas do jornal para saber como foi
a morte dele. Declarou a Deus que acreditaria no seu perdão concedida a
Pranzini mesmo se este “não se confessasse nem manifestasse alguma sombra de
arrependimento, tanta era a minha confiança na infinita misericórdia de
Jesus”..A única coisa que ela pedia era um
“sinal” de arrependimento. Isto lhe daria coragem para continuar a rezar
pelos pecadores. As lágrimas de Teresa rolaram quando leu a reportagem da
execução: já no patíbulo para ser guilhotinado, Pranzini arranca das mãos do
sacerdote o crucifixo beijando três vezes as Sagradas Chagas.
A “teimosia” e o caráter
decidido de Teresinha encontram aos poucos um leito na sua vida de fé. Insiste
junto às autoridades da Igreja, subindo a escada da hierarquia até o Papa Leão
XIII, a permissão de entrar no Carmelo de Lisieux com quinze anos de idade. As
lágrimas continuam a aparecer quando recebe respostas negativas ou evasivas.
Mas tudo isto não abalava sua fé, mesmo diante da falta de sensibilidade humana
do superior do Carmelo, ferrenho opositor à entrada de Teresa no Carmelo. No
momento da sua entrada no mosteiro o
sacerdote, como delegado do Bispo diocesano, não lhe poupou palavras duras.
Dirigindo-se à comunidade das carmelitas, assim se expressou: “Faço votos que
esta criança de quinze anos, cuja entrada desejaram, não decepcione suas
esperanças. Mas chamo a sua atenção que, se acontecer o contrário, a
responsabilidade é toda das senhoras”.
Em uma das suas cartas, o
apóstolo Paulo escreve: “Sei em quem pus minha fé”(2Tm 1,12). Isto jamais
poderia dizer da fé que alguém pode pôr
em uma pessoa humana. A fé cristã é um entregar-se incondicionalmente a Deus e
crer absolutamente no que ele diz. Cremos em Deus porque é Deus. Ele revela e não pode nem enganar-se e nem
enganar-nos. A fé está acima da razão humana embora entre uma e outra jamais possa
haver uma real oposição. Sempre, porém, há uma tendência de transformar a fé, a
sua certeza e as verdades nela contidas, em propriedade nossa. Por isto o
crescimento na fé não acontece sem uma purificação. A fé passa por fases de
desapropriação que não são as mesmas para todos nós. Para Teresa de Lisieux a
provação da fé foi muito profunda. Mas foi, provavelmente, indispensável - Deus o sabe - para testar a sua espiritualidade pessoal a
fim de que tivesse credibilidade na Igreja inteira: a espiritualidade das mãos
vazias. Teresa chegou à convicção de que aquilo que é realmente importante para
a uma vida santa não nos advém de práticas e realizações extraordinárias, mas
nos cai nas mãos por pura graça de Deus.
Desde a Páscoa de 1896 a
vida de Teresa é marcada por uma profunda crise de fé. Desde pequena a Céu
tinha sido seu grande ponto de referência. Era sua felicidade. Houve tempos em
que o desejo do céu na sua vivência da
fé fora tão sensivelmente consoladora, que ela pensou ter alcançado em alguns
momentos a perfeita felicidade: “a dúvida não era mais possível, já a fé e a
esperança não eram mais necessárias”.
A educação religiosa
recebida no ambiente familiar não foi estranha a esse pensamento constante do
céu. A própria mãe de Teresa interpreta seu papel no sentido de “educar muitos
filhos para o céu”. O senso religioso no lar está permeado pelo desejo do céu. Daí a insistência numa vida
que possa merecê-lo. Orientação arriscada para quem ainda não chegou a
descobrir a terra. É preciso andar na ponta dos pés para não se manchar e
desmerecer o prêmio do céu. Teresinha contará mais tarde como ela, com seus
doze anos de idade, se viu assaltada por escrúpulos: “É preciso ter passado por
esse martírio para compreendê-lo bem, dizer o que sofri durante um ano e meio
ser-me-ia impossível. Todos os meus pensamentos e as minhas mais comezinhas
atividades se tornavam para mim motivo de perturbação”.
Em 7 de julho de 1895 -
ela já vive sete anos no Carmelo - irmã Teresa se oferece como vítima ao Amor Misericordioso
de Deus. “Terminado o exílio da terra, espero ir gozar convosco na Pátria. Eu
não quero acumular merecimentos para o Céu. Quero trabalhar por vosso único
amor, com o único objetivo de dar-vos prazer, de consolar vosso Sagrado Coração
e de salvar almas que vos amem eternamente.
No entardecer da vida
comparecerei diante de vós de mãos vazias, pois não vos peço, Senhor, para
contar minhas obras. Todas as nossas
justiças têm defeitos aos vossos olhos.
Quero, pois, revestir-me de vosso própria justiça, e receber de vosso
amor a eterna posse de Vós mesmo. Não quero outro trono nem outra coroa senão
Vós mesmo, ó meu Bem-Amado!
O tempo nada conta aos
vossos olhos. Um único dia é como se fossem mil anos. Podeis, portanto, preparar-me
num instante para comparecer à vossa presença”.
As perspectivas
do seu desejo do Céu mudaram, como mudou a linguagem. Desapareceram as tensões
nervosas, a angústia da vida. Ela opta pela vida, no que der e vier, pois sabe
que o Céu consiste em amar a Deus. Neste ponto as análises psicológicas, bem
aplicáveis a Teresinha, criança e adolescente, começam a gaguejar. Não que isto
leva a constatar uma ruptura na vida da Santa, entre um antes e depois. A
própria Teresa não se teria dado o trabalho de escrever as reminiscências da
sua infância e juventude a pedido de Madre Inês, sua irmã mais velha e Priora
do Carmelo de Lisieux. Nessas memórias ela descreve a matéria utilizada por
Deus para dar forma à sua vocação e missão na Igreja. Para um verdadeiro
artista até o material insignificante pode ser bem vindo para fazer uma obra
prima. Para Teresa essa obra prima consiste no Amor do próprio Deus que atinge
e envolve a sua alma fazendo irromper nela as torrentes de infinita ternura que
nele se comportam, e assim a torna mártir de seu amor. Nesse ano de 1896, a fé de Teresa, feita de
entrega incondicional ao Amor de Deus, torna-se uma fonte de água viva num
conhecimento experiencial desse mistério: “Não tenho mais desejo algum a não
ser o de amar a Jesus a mais não poder".
Isto lhe deixa no mais íntimo do coração uma paz humilde e profunda.
A fé viva, acesa ao ponto
de transbordar num único desejo de amar a Jesus até a loucura, torna Teresinha interiormente unificada. Nem
a consciência da sua pequenez e fragilidade elimina essa coerência interior.
“Jesus soube satisfazer plenamente todos os meus desejos! ... Desvaneceram-se
meus desejos de criança.... Já não desejo tampouco, nem o sofrimento nem a
morte. No entanto, amo ambas as cousas. O que, porém, me atrai é unicamente o
amor. ...Agora, o que me guia é só o abandono, já não tenho outra
bússola”. Mas o Amor amado, é o Amor
absoluto. Deus só pode ser Deus. O Amor quer tudo. Haverá uma bússola adequada
fora dele? Poderá Deus dar menos que
Deus? “Deus amou o mundo a tal ponto que
deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não morra, mas tenha vida
eterna” (Jo 3,16). O amor de Deus revelou-se no amor de Jesus. Teresa gravou
num tabique na sua cela as seguintes palavras: “Jesus é meu único amor”. É
sempre Jesus que atrai a agulha de sua bússola. Nisto ela parece confirmar as
palavras de Jesus, anunciando o poder de sua morte e ressurreição: “Quando eu
for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32).É olhando para o
crucifixo que ela segurava nas suas mãos que Teresa morreu dizendo: “Meu Deus,
eu vos amo”.
Em Teresa concretizou-se o
apelo universal à santidade. Ela definiu sua missão na terra como no Céu da
seguinte maneira: “Amar Jesus e o fazer amar”. A atração que Jesus exerce sobre
todos os seres humanos pelo seu Espírito, presente em todos os tempos e todos
os lugares, Teresa a vê como a atração do Amor. É uma mensagem universal que
toca o coração humano. Através de todas as épocas e todas as culturas, o Amor,
que criou e redimiu esse coração, é a
única força capaz de atrai-lo em
profundidade. Durante os últimos dezassete meses de sua vida Teresinha fez as
provas finais para o seu doutorado na Igreja:
Doutora no Amor de Cristo que ultrapassa todo conhecimento (cf Ef 3, 19). Foi uma prova do corpo e da alma.
Foi na noite de 2 para 3
de abril de 1896. Era Quinta Feira Santa. Teresa tinha ficado em adoração do
Santíssimo até meia noite. Apenas repousou a cabeça no travesseiro de sua cama,
ela sentiu uma golfada subindo até aos lábios. Na noite seguinte novos escarros
de sangue. Nem Teresa nem a comunidade das irmãs tinha suspeitado de que ela já
estava, há mais tempo, atingida pela tuberculose. “Minha alma encheu-se de
grande consolação. Estava intimamente persuadida de que Jesus no dia do
aniversário de sua Morte, me queria fazer ouvir um primeiro chamado. Era como
que um murmúrio suave e distante a anunciar-me a chegada do Esposo”. Mas quase ao mesmo tempo começam a surgir
dúvidas: E se o Céu não existir?
Aparecem as torturas da alma. A idéia do Céu que durante a sua vida
tinha dado tanta alegria, se torna agora fonte de luta e de trevas. A própria Teresa comenta: “Essa provação
faz-me perder tudo quanto encontraria de satisfação natural no desejo que tinha
do Céu. ... Desejos altaneiros, já não os tenho, senão o de amar, até morrer de
amor”. A noite da fé acrescida a uma
impotência física lhe faz sentir toda a sua vulnerabilidade. As coisas mais
insignificantes tornam-se insuportáveis. O que causa outros sofrimentos morais
a Teresa que sempre procurou traduzir sua grande sensibilidade em delicadeza
para com todas as irmãs da comunidade. Não faltam tentações de desespero que
chegaram até a vertigem do suicídio. “Como tudo isto é estranho e incoerente!”,
exclama Teresa. ‘’E difícil, senão impossível, descrever a provação da fé numa
alma. Para a própria Teresa permanecia um mistério. Ela tenta dar uma descrição
comparando-se com alguém que, nascido num país envolto em denso nevoeiro, nunca
viu a natureza risonha, inundada, transfigurada pelo sol coruscante. No
entanto, desde criança, só ouviu falar.
No tempo em que a ideia do
Céu constituía sua felicidade, Teresa
não podia imaginar que houvesse pessoas sem fé. Agora ela se sente
equiparada a elas e pede em nome dela mesma e em nome desses seus irmãos:
“Tende piedade de nós, Senhor, porque somos pecadores”. A crise pela qual ela passa a faz sentar
junto com os pecadores e incrédulos, com os excluídos, pedindo a Deus que o
Céu, fechado para ela na sua noite escura, possa abrir-se para todos.
Teresa sabe que não há
argumentos ou outra ajuda do lado de fora que possam mantê-la de pé nessa
provação. Quando uma das religiosas pretende dar-lhe força e coragem lendo
alguns textos bonitos, ela reage simplesmente: “É como se você cantasse”. Mas
Teresa também compreende que ela não está dispensada de prestar “obediência à
fé” (Rm 16,26) em que ninguém pode substituí-la. A fé é vida divina que só se
fortalece a partir de dentro. E, na escuridão da noite, Teresa renova
constantemente sua fé, como adesão total, apoiando-se unicamente na Palavra de
Deus. É assim que ela declara: “Nunca me apoio nos meus próprios pensamentos;
sei muito bem que sou fraca”. Fraqueza reconhecida diante de Deus em que se
manifesta a força da graça.
Agradecer
o dom da fé que Deus
1.
Canto: “Vem e mostrarei”
2. Olhando para a vida de Santa Teresinha, o que Deus está pedindo de
mim e de nós como comunidade?
3. Colocar em forma de prece o nosso agradecimento a Deus pelo dom da fé
e pelo exemplo que Santa Teresinha nos deu.
4. Rezar um salmo. Sugestão: Salmo 16: “Guarda-me, Deus, pois eu me
abrigo em ti”.
5. Rezar o Pai Nosso.
6. Oração:
Deus de infinita bondade, abris as
portas do vosso Reino aos humildes e simples. Dai-nos a graça de seguir com
confiança o caminho traçado por Santa Teresinha, para que também a nós se
revele a glória da vossa Face. Por Cristo nosso Senhor.
*Dom Frei Vital
Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel
quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das
Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado
do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O
sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São
Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.
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