Dom Vital João Wilderink, OCarm.
*In Memoriam
Em
outubro de 1932, o Padre Tito Brandsma foi eleito reitor da universidade
católica de Nijmegen. No dies natalis da universidade, ele fez um discurso
sobre o conceito ou imagem de Deus. O discurso conheceu, mesmo depois da sua
morte, repetidas edições porque conserva uma atualidade surpreendente. Na época a formação teológica trazia o
carimbo da neo-escolástica, caracterizada por uma linguagem especulativa e
abstrata. Falava-se de Deus como se tratasse de uma espécie de realidade
eterna, atemporal e imutável sobre a qual a nossa busca de peregrinos não tinha
muito a dizer. Insistia-se, sem dúvida, na prática das virtudes, mas, como Tito
dizia no seu discurso, não sem perigo de reduzir a vida espiritual a uma
prática exterior. Para Tito, porém, Deus não independe de formas humanas de
conhecimento que são marcadas pelo tempo e pelo contexto. Neste ponto ele
insiste na necessidade de uma abertura em relação a novas evoluções na
espiritualidade.
Ele
começa o seu discurso dizendo: “Entre as
muitas questões que eu me coloco, há uma que prende mais a minha atenção: é o
enigma que o homem de hoje, tão convencido e orgulhoso do seu progresso, se
afaste em tão grande número de Deus. Porque a imagem de Deus ficou tão
obscurecida que a tanta gente não chega a dizer mais nada? Creio que seja dever nosso olhar em torno a nós para esse
fenômeno da negação de Deus. Não, porque devemos em primeiro lugar assumir uma
atitude de defesa já existe apologia demais, mas, em vista desse fenômeno,
deixar-se motivar para fazer conhecer a imagem de Deus em novas formas”.
O
que Tito Brandsma procurava fazer era que aprofundar a fé submetendo as suas
intuições ao exame crítico do intelecto e da sabedoria da tradição. Não por
interesse próprio ou para ser original, mas para desembocar numa corrente que
flui pelas artérias profundas do corpo da realidade. Sabemos que, entre nós
aqui na América Latina, surgiu a partir de uma reflexão sobre a realidade, uma
espiritualidade de libertação. Se espiritualidade é um processo que tem a ver
com uma relação nossa com o Absoluto, é imprescindível ver a nossa inserção no
mundo e no universo. Não podemos dizer que a plenitude do ser humano não tem
nada a ver com essa realidade. Afinal somos um ícone do real.
Ecclesia semper est
reformanda. Também o corpo doutrinal, na sua tradição cristológica apela para
uma reforma. É uma tarefa de grande responsabilidade uma vez que os dogmas
estão entre eles intrinsecamente conectados. Não podemos passar com descuido
sobre a rica herança teológica de dois milênios.
De
outro lado há uma outra constatação feita inclusive por grandes estudiosos, de
que o mundo se encontra diante de um dilema de proporções planetárias que exige
uma mudança radical de "civilização", de sentido do humano, ou
provocará uma catástrofe de proporções cósmicas. Isto exige um esforço inter-cultural
para fazer um primeiro passo para uma conversão marcada pela esperança.
Não
há espiritualidade cristã, nem carisma carmelitano quando se passa por cima da condição humana na sua
dimensão mais profunda e menos condicionada pelas vicissitudes históricas.
Existe no ser humano um desejo de plenitude e de vida, de felicidade e de
infinito, de verdade e de beleza que vai além das contingências religiosas e
culturais.Para nós essa plenitude tem um nome: Jesus Cristo.
*Retiro da
Província Carmelitana de Santo Elias. 28 de julho a 01 de agosto-2008. Belo
Horizonte-MG.
*Dom Frei Vital
Wilderink, O Carm, foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para
o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de
Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O
acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de
Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde
ele foi o primeiro Bispo.
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