O parágrafo que
na Regra trata do silêncio apresenta na sua própria estrutura a imagem do
silêncio do Carmelo. No capítulo há duas
partes:. A primeira parte consiste em citações de Isaías, a segunda trata da
instituição religiosa do silêncio.
Na primeira parte há dois textos de
Isaias que devem sublinhar a exortação de Paulo. Essas duas citações guardam a
força fundamental do silêncio eliano. Neste silêncio havia dois eixos
essenciais: o silêncio da morte que nos silencia até para dentro da nossa
existência insignificante, até o ponto de perder referências de imagens nossas
e de ser transformados interiormente em respeito; e a esperança silenciosa, que
arde em nosso nada e, libertada da sua reclamação angustiada, nos abre para o
Seu Silêncio sem imagem. São precisamente esses dois eixos que juntos formam
uma só estrutura dinâmica, que a Regra coloca nas duas citações de Isaias em primeiro lugar como inspiração
fundamental.
A
primeira citação – silêncio fomenta justiça – salienta o primeiro eixo:
silêncio é um viveiro para justiça, silêncio permite as sombras da vida, não as
exporta para fora, não culpa os outros por elas, não foge delas, mas deixa o
seu veneno agir como um fogo que acaba com as nossas referências e formação de
imagens, até que, adquirida uma fluidez interior, chegamos ao que nós somos:’
uma sombra que passa’. A partir desta consciência do nosso próprio nada e
espoliados das nossas fixações, cresce em nós um respeito a partir de dentro,
uma reverência silenciosa pela qual podemos ajudar no amadurecimento de nós
mesmos e dos outros. Não será mais necessário deformar a nós mesmos e aos
outros conforme a imagem das nossas fixações. O forno do silêncio, aceso pela
Voz martelando no silêncio, nos transforma em justiça: ‘O silêncio fomenta a
justiça’.
A
segunda citação: ‘No silêncio e na esperança estará a vossa força’ – mostra
sobretudo o segundo eixo. O nosso nada aspira com dores ter a vida, até grita
por ela. O silêncio liberta esta esperança da sua angústia. Ele muda a
correnteza das nossas aspirações, libertando-as da centralidade angustiada do
seu ego e transferindo-as para o outro/Outro como este é sem imagem no seu
silêncio inexpugnável. É esta a esperança silenciosa que não quer outra
consolação que o próprio silêncio, em que o outro como outro se confronta
comigo, um silêncio em que eu não tenho mais nada a perde, que assim me
fortalece a partir da sua própria fonte. É a esperança silenciosa que Isaias
nos deseja: ‘Em silêncio e esperança estará a vossa força’. É importante perceber
a conexão entre os dois eixos. O silêncio profético deve sempre de novo
abrir-se em receptividade mística à Sua Presença silenciosa. Vice-versa o
silêncio místico pede sempre de novo ser aceso pelo silêncio da morte que nos
silencia sempre. O dominante é formado neste caso pelo profético silêncio da
morte. No Carmelo este dominante se expressa entre outros na atenção à vida de
silêncio de Cristo e principalmente no silêncio da morte da sua Cruz. Também o
amor preferencial à incognoscibilidade de Deus e à noite escura da fé encontra
aqui a sua origem.
Na parte B do
capítulo sobre o silêncio o silêncio é institucionalizado na forma de silêncio
da noite e do dia. Primeiro o silêncio da noite que, como mediador do encontro
com Deus, que nos conduz para fora do mundo das idéias fixas e dos padrões de conduta, para nos levar para
a entrega desnuda a Deus que é inimaginável e inefável. Esse movimento irá aos
poucos atingir todas as ‘ocupações’ da
noite: horas litúrgicas e orações, leitura da Escritura e meditações, trabalho
manual e sonos. Em seguida é institucionalizado o silêncio do dia que cujo
espaço é caracterizado pelo falar com cautela (o menos possível, bem distante
do falar-muito) e falar com atenção ( falar sim, mas como cultura de justiça).
Silêncio forma desta maneira o dia em duas dimensões: por diminuição e atenção
no falar, por sobriedade e pureza, por recolhimento e veneração. ‘O silêncio
fomenta a justiça” (Is 32,7). Silêncio é um viveiro para a justiça, silêncio
admite as sombras da vida e não as exporta para fora, não foge delas, mas deixa
o seu veneno trabalhar como um fogo que acaba com as nossas autodefinições e
imagens, até tornar-nos fluidos, chegados à nossa essência: uma sombra que
passa. A partir desta consciência do nosso nada e liberados das nossas fixações
cresce no nosso interior respeito, veneração silenciosa que nos fazem ver a nós
mesmos e aos outros como somos. Não é mais necessário reduzir o outro e a nós
mesmos à imagem das nossas fixações: ‘O silêncio fomenta a justiça’
A
segunda citação: ‘No silêncio e na esperança está a vossa força’. A nossa
pequenez deseja com dor chegar a vida, até grita. O silêncio liberta esta
esperança da sua angústia. Ela muda a direção do seu desejo libertando-o da sua
ego-centralidade angustiada e fixando-o no outro/Outro como este é sem imagem
no seu silêncio inexpugnável. Esta é a
esperança silenciosa que não quer outro consolo que o próprio silêncio, em que
o outro se eleva frente a mim como outro, um silêncio em que não tenho mais
nada a perder, que por isto me fortifica da sua própria fonte. É esta a esperança silenciosa que Isaias
deseja para nós: No silêncio e na esperança está a vossa força’. É importante a
conexão dinâmica entre as duas partes do parágrafo. O silêncio profético sempre
de novo deve ser aberto em receptividade mística referente á usa Presença
silenciosa. Vice-versa, o silêncio místico pede constantemente de novo ser
aceso pelo silêncio-morte que nos faz silenciar. O dominante Nisto, o dominante
é formado pelo silêncio-morte profético. Esse dominante se expressa no Carmelo
entre outros na atenção à vida silenciosa de Cristo e principalmente ao
silêncio mortal da sua Cruz. Também o amor preferencial pela inefabilidade de
Deus e pelo spcto noturno da fé encontra aqui a sua origem.
A Regra faz a
diferença entre o silêncio durante a noite e o silêncio do dia. O silêncio da
noite que, como mediadora do encontro com Deus, nos conduz para fora do mundo
das idéias fixas e dos padrões de comportamentos, para nos conduzir à confiança
despojada em Deus que é sem imagem e inefável. Esse movimento passará
progressivamente por todas as ‘ocupações’ da noite: horas litúrgicas e orações,
leitura da Bíblia e meditações, trabalho manual e sono. Em seguida foi
instituída o silêncio do dia que caracterizado pelo falar ponderado (o menos
possível, longe do falar muito) e falar com atenção (falar, mas como cultura de
justiça). Silêncio forma dessa maneira a
noite de dois lados: por diminuição e atenção no falar, por sobriedade e
pureza, por recolhimento e respeito.
Também
aqui é importante prestar atenção à estrutura dinâmica das duas formas de
silêncio. O silêncio do dia é uma forma de justiça silenciosa, que na noite se
abre ao Inefável como à verdadeira fonte e forma da nossa vida. Vice-versa, a
experiência de banir imagens e formas nos prepara interiormente para um
respeito acolhedor de nós mesmos e do outro. Neste sentido a repetição do
provérbio de Isaias:’o silêncio fomenta a justiça’ diz muita coisa. Ele pode
ser entendido em duas maneiras. O silêncio da noite forma a condição para o
falar com justiça: o silêncio da noite faz crescer a atitude fundamental em que
o silêncio do dia floresce. E vice-versa: a justiça cria a condição para o
silêncio da noite. Só uma ‘boa consciência’ pode receber o silêncio da noite.
No silêncio da noite que renuncia a tudo e que respeita profundamente o
Mistério, floresce o silencioso respeito durante o dia.
A estrutura do
capítulo sobre o silêncio conserva a estrutura típica do silêncio do Carmelo. A
parte A forma no interior de tudo isso a esfera de valores:
no Carmelo trata-se da encarnação de um silêncio específico. Nele o
impulso profético do silêncio-morte em suas numerosas formas é o início e o
princípio. Depois disso e a partir disso o caminho do silêncio conduz para o
silêncio místico que está fora de si mesmo. Esta esfera de valores forma a
essência do silêncio do Carmelo. Ela o orienta e motiva, ela é a sua alma. Parte B forma dentro dessa totalidade o
aspecto institucional do silêncio: a ‘institucionalização’ do silêncio na forma do silêncio do dia e silêncio da
noite. Como uma arquitetura do tempo ela ‘guarda’ o silêncio eliano. Este forma
o cristal em que a luz pode quebrar. ‘A
luz, a luz branca de Deus se quebra em cores, cores são os atos da luz que
quebra’ (Nijhoff). Assim podemos dizer
do silêncio do Carmelo: ‘O Silêncio, o silêncio Eliano se quebra em justiça e
horizonte. Horizonte e justiça são os atos do silêncio que quebra’. Silêncio
eliano e silêncio-instituição formam juntos um modelo de transformação, um
caminho espiritual que nos convida a caminhar.
SILÊNCIO
ELIANO---SILÊNCIO DO CARMELO --INSTITUCIONALIZAÇÃO
O silêncio fomenta
-----------------esfera de valores----------------Silêncio da noite
a justiça (Is 32,17) orientação mediadora de encontro
com Deus
Mística profética
---------------------transformação --------------- viveiro de justiça
No silêncio e na esperança--------- dar
forma---------------------Silêncio do dia, falar
está a vossa força (Is 30,15) trabalho manual ponderado e com atenção
O silêncio
eliano encontra seu dominante no impulso profético para o silêncio. A ordem é:
a) justiça e b) mística. É também desta maneira que as citações de Isaias estão
conectadas: ‘Silêncio fomenta justiça’ é seguido por ‘No silêncio e na
esperança está a vossa força’. Na institucionalização do silêncio a ordem é em sentido
oposto: primeiro (b) o silêncio místico da noite depois (a) o silenciar do dia
da justiça. Não somente em relação à ordem, mas também em relação à importância
o silêncio da noite (com suas poucas palavras!) parece ser o ponto de
referência. Pois após a institucionalização do silêncio da noite, a Regra
continua com o silêncio do dia assim: ‘Fora deste tempo, porém, ----não é tão
rigorosa a observância’. Assim mantêm-se em equilíbrio a esfera do silêncio
eliano e a arquitetura do silêncio do dia e da noite.
*Tradução
incompleta de um artigo de Kees Waaijman O.Carm.: De Karmelstilte,
Oorspronkelijke tekst van de Engestalige bijdrage in: Carmelus 40 (1993) 11-42.
Eremitério
Fonte de Elias, 22 de outubro de 2011.
+fr.
Vital Wilderink O.Carm.
(
Dom Frei Vital Wilderink, O Carm, foi vítima de um acidente de automóvel quando
retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas
montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de
Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na
cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese
esta onde ele foi o primeiro Bispo)
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