Mt 6,6: “Quando você rezar, entre no seu quarto, feche a porta, e reze
ao seu Pai ocultamente; e o seu Pai, que vê o escondido, recompensará você”.
O Beato Frei Titus Brandsma
escreveu que “a oração é vida, não um oásis no deserto da vida’. A oração é uma
parte essencial do carisma carmelitano. Espera-se que sejamos homens de oração
e que formemos comunidades orantes. O Carmelo é certamente símbolo da oração
para a maioria das pessoas em todo mundo.
A Ratio (art. 29) faz uma
distinção entre oração e contemplação, embora afirme que na tradição
carmelitana a oração foi muitas vezes identificada com a contemplação. A oração
é a porta para a contemplação (Castelo Interior, 1,7). Na Regra, temos um
equilíbrio entre oração em comum e tempo sozinhos com Deus na cela. A oração
litúrgica certamente é a forma mais alta de oração já que é a oração de Cristo
dirigida ao Pai no Espírito Santo. Quando celebramos a liturgia estamos
partilhando dessa oração, dessa comunicação íntima entre o Pai e o Filho, que é
o Espírito Santo.
Para o carmelita, a celebração
diária da liturgia é muito importante. Somos incumbidos de celebrar o ofício
divino para o mundo em nome da Igreja. Esse é um compromisso muito sério que
aceitamos na profissão solene. Contudo, celebrar a liturgia em certos momentos
do dia não é o suficiente. A liturgia deve influenciar cada momento de nossa
vida. A idéia da Liturgia das Horas é santificar todo o dia e recordar a
presença de Deus a cada momento. É muito importante viver a Eucaristia,
aprender com o exemplo de Cristo a nos doarmos aos outros, a viver na presença
de Deus. Logo, a Eucaristia e a Liturgia das Horas não são celebrações
momentâneas, mas o coração de cada dia. Na liturgia ganhamos força para servir
ao Povo de Deus e para viver em harmonia com nossos irmãos e irmãs.
Gostaria de enfocar a oração
pessoal. Se vamos crescer em nosso relacionamento com Deus, é essencial termos
um tempo sozinhos com Deus. Existem muitas maneiras de rezar, mas todas elas se
voltam para estabelecer uma amizade íntima com Jesus Cristo. Santa Teresa
d’Ávila nos advertiu que devemos fazer tudo para aumentar nosso amor pelo
Senhor. O único modo de julgar a oração é se ela transforma nossas vidas. Isto
é: estamos tratando as outras pessoas um pouco melhor? As Constituições nos
lembram que: “Uma vida de oração também
exige que examinemos nosso modo de vida à luz do Evangelho, para que a oração
possa influenciar tanto nossas vidas pessoais quanto as vidas de nossas
comunidades” (art. 81). O modo como rezamos depende muito de nossas
personalidades e do tipo de relacionamento que temos e queremos ter com Deus.
Talvez a Lectio Divina seja o
modo mais tradicional de crescer no relacionamento com Deus. Existem muitas
formas de usar esse modo de oração. Ela pode ser usada tanto comunitária quanto
individualmente. Podemos usá-la como a estrutura de todo nosso dia. Na Missa ou
na Oração da Manhã lemos a Palavra de Deus. Durante o dia podemos recordar essa
Palavra em determinados momentos, repetindo uma frase curta ou mesmo uma única
palavra. Os eremitas no Monte Carmelo meditavam dessa forma. Ás vezes isso pode
permitir que nossos corações falem diretamente com Deus respondendo aos acontecimentos
de nosso dia. Quando chega o momento da oração pessoal, podemos simplesmente
abandonar nossos pensamentos e palavras e repousar em Deus.
A Prática da Presença de Deus
Foi o carmelita descalço de
Lourenço da Ressurreição quem primeiro viveu e tornou famosa a Prática da
presença de Deus. Essa prática é muito simples e, ao mesmo tempo, muito
difícil. A Regra nos lembra: “que tudo
seja feito na Palavra do Senhor” (Regra 19). Isso é um eco da carta aos
Colossenses: “E tudo o que vocês fizerem
através de palavras ou ações, o façam em nome do Senhor Jesus” (Cl 3,17). A
prática da presença de Deus é um método de oração simples porque não requer
qualquer regra complicada. Significa simplesmente viver na verdade. Deus está
presente em cada momento de nossas vidas, mantendo-nos vivos. Essa prática
envolve partilhar com Deus tudo que acontece com você. Não é necessário
conversar com Deus apenas sobre coisas sagradas. Podemos falar com Deus sobre o
que nos interessa e partilhar com Deus o que acontece conosco. Lourenço da
Ressurreição conversou com Deus sobre todos os detalhes práticos de seu
trabalho como cozinheiro e tesoureiro comunitário. Santa Teresa d’Ávila nos
lembra que Deus caminha entre os utensílios da cozinha. Deus está no meio da
realidade que nos rodeia, seja ela qual for. Nós não trazemos Cristo para as
circunstâncias em que vivemos. Ele está lá antes de nós.
A prática da presença de Deus é
um modo de continuar o diálogo com Deus durante todo o dia. O Concílio Vaticano
Segundo enfatizou o perigo da divisão entre fé e vida. Elas são e devem ser
uma. Partilhar os eventos do dia é um modo de permitir que a Palavra de Deus
influencie tudo que fazemos, pensamos ou dizemos. Se não temos vergonha de
fazer ou dizer alguma coisa na presença de Deus, estamos vivendo uma ilusão ou
nossas ações e palavras estão realmente de acordo com a vontade de Deus. Nosso
falso eu levantará todos os tipos de razões para nos assegurar de que estamos
certos e que não precisamos de mudança. Para vivermos na presença de Deus e trilharmos
o caminho espiritual, a honestidade é uma virtude algumas vezes dolorosa, mas
essencial.
A devoção a Maria, a Mãe de Jesus.
A devoção mariana está
intimamente ligada à Ordem Carmelitana. Maria é a Padroeira, Mãe e Irmã dos
Carmelitas e cada um de nós deve pôr em prática seu próprio relacionamento com
ela. O rosário é uma devoção popular resistente. Existem inúmeras maneiras de
usá-lo para a oração. Ele só se limita à criatividade de cada pessoa. O símbolo
mais importante da devoção mariana entre os carmelitas é o escapulário. Foram
feitas diversas tentativas de atualizar esse símbolo para nossos dias. Pela
ocasião do 750º aniversário da devoção ao escapulário, o Papa escreveu uma
carta na qual descreveu seus dois elementos fundamentais. O escapulário faz
parte de todo conjunto da espiritualidade carmelitana e nos lembra
especificamente a presença constante de Maria em nossas vidas. Ela é a mãe da
vida divina dentro de nós e nos acompanha até que essa vida cresça e nos
transformemos em Deus. Esse
é o objetivo de nossa existência. O segundo elemento fundamental da devoção ao
escapulário é nosso compromisso de assumir as virtudes de Maria.
No Evangelho que usamos para a
Solenidade de Nossa Senhora do Monte Carmelo, ouvimos as palavras que Jesus
disse na cruz ao dar Maria ao discípulo amado como mãe a um filho. Então o
evangelista nos fala que o discípulo assumiu Maria “para si”. Geralmente essa
frase é traduzida como “a recebeu em sua casa”, mas a língua Grega não queria
dizer isso. Acredito que o texto diz que o discípulo amado, que representa
todos nós, levou Maria para o local mais precioso para ele. O que caracteriza o
discípulo amado acima de tudo é seu relacionamento com Jesus. Logo, ele colocou
Maria no centro do seu relacionamento com Jesus e Maria colocou o discípulo no
centro do seu relacionamento com seu Filho.
A Oração Silenciosa
A Ratio nos diz que a oração é
essencialmente um relacionamento pessoal, um diálogo entre Deus e o ser humano.
Somos convidados a cultivá-la e a encontrar tempo e espaço para estarmos com o
Senhor. A amizade só pode crescer através “estando
muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama” (Santa Teresa d’Ávila –
Livro da Vida 8,5) (Ratio 31). A Ratio continua dizendo que além de todas as
questões da forma da oração, o importante é cultivar um relacionamento profundo
com Cristo. Ela cita Santa Teresa mais uma vez dizendo que a oração perfeita “não consiste em muito pensar, e sim em muito
amar” (Fundações 5,2; Castelo Interior 4, 1, 7) (Ratio). As Constituições
nos lembram que: “A oração em silêncio é
de grande ajuda no desenvolvimento de um espírito de contemplação. Portanto,
devemos praticá-la diariamente por um período de tempo apropriado” (Art.
80).
Então o que é a oração em
silêncio e o que é um período de tempo apropriado? Nossas vidas são muito
agitadas, mas precisamos estabelecer prioridades. A oração é absolutamente
essencial. O período de tempo depende do relacionamento da pessoa com Deus e,
até certo ponto, depende da criatividade em encontrar espaço e tempo.
Todo relacionamento tem seu
próprio ritmo. Geralmente, após um período de tempo, um relacionamento tende a
ser menos complicado quando as duas pessoas se acostumam com o jeito uma da
outra. Quando você não conhece bem uma pessoa, é difícil sentar em silêncio com
ela. Temos a tendência de conversar. Ao conhecermos melhor a pessoa, o
relacionamento torna-se mais fácil e sentar-se no silêncio amistoso torna-se
normal e agradável. Quando entramos em harmonia com o outro podemos começar a
ler seu silêncio. Trata-se de um relacionamento íntimo. O silêncio pode ser
mais eloqüente do que muitas palavras.
É muito normal que no decorrer do
tempo nossa oração se torne mais e mais simples. Pode ser que já tenhamos uma
palavra que resuma tudo que queremos dizer a Deus. Dizer essa palavra significa
milhares de coisas. Jesus abriu seu coração a seus discípulos e partilhou
conosco o nome especial que tinha para Deus. Esse nome é “Abba”. Essa palavra
contém todo relacionamento de Jesus com o Pai. É muito útil ter nosso próprio
modo de nos relacionarmos com Deus, para que possamos lembrar durante o dia da
presença constante de Deus conosco ao repetirmos uma simples palavra ou frase.
Cada relacionamento com o Senhor
é diferente. Se você aproveita o máximo em sentar-se e conversar com o Senhor,
ou de meditar sobre um tema, ou de ler e pensar sobre uma passagem da
Escritura, ou de refletir sobre um livro espiritual, isso é bom. Por favor,
continue a fazer isso. No entanto, podem existir momentos numa jornada de
oração quando a pessoa se torna um pouco confusa e procura para onde ir. Também
é comum ser levado ao silêncio durante a oração e, a princípio, isso pode
parecer estranho e assustador. Não sabemos o que fazer e temos a sensação de
estarmos perdendo tempo. A grande tentação é deixar de lado a oração porque não
podemos mais encontrar o consolo que tivemos e ceder à sensação de perda de
tempo. Como Santa Teresa d’Ávila, insisto que você não ceda a essa tentação e
tenha uma “determinação muito determinada” de agarrar-se à oração especialmente
quando ela não está de acordo com os seus planos.
É uma experiência muito comum
passar por períodos prolongados de aridez na oração. Mais uma vez sentimos como
se estivéssemos desistindo ou chateados. Sentimos que Deus foi embora não
deixando endereço. Se, de alguma forma, mesmo no meio da confusão e da aridez,
estamos convencidos do valor da oração, devemos apenas nos sentar na poeira e
esperar por Deus. Em ocasiões muito estranhas em que um pensamento santo flutua
sobre o rio de nossa consciência, temos a tendência de nos precipitarmos sobre
ele e sufocá-lo, exaurindo-o por estarmos ressecados. No entanto, existe outra
forma de lidar com esses pensamentos santos ocasionais. Não importa o quanto
possam parecer santos, eles são nossos pensamentos, por isso subtende-se
que deixamos que eles venham ou não. Se esses pensamentos forem verdadeiramente
de Deus, retornarão em outro momento.
Existem muitos métodos de esperar
por Deus no silêncio. Gostaria de propor um método de oração que pode fazer com
que o silêncio seja muito produtivo e que pode nos ajudar a esperar por Deus no
silêncio. Trata-se de um método de oração cristão baseado na rica tradição
contemplativa e, especialmente, num livro clássico dessa tradição, “A Nuvem do
Não-Saber”, um escrito anônimo do século XIV. Não estou sugerindo que devemos
deixar de lado outras formas pessoais de oração, mas esse método pode
aprofundar esses outros métodos e torná-los mais produtivos. O mais importante
para esse tipo de oração é estar convencido de que Deus não está longe, mas
muito perto. Deus faz sua morada em nós (cf. Jo 14,23).
Esse método de oração pode ser
chamado de oração do silêncio ou de oração do desejo porque, no silêncio, nos
voltamos para Deus com nosso desejo. Ele também foi chamado de oração em
segredo, seguindo o conselho de Jesus para entramos em nosso quarto e rezarmos
ao Pai ocultamente (M 6,6). A primeira fase dessa oração é encontrar um local
adequado onde as interrupções sejam reduzidas ao mínimo. Depois se coloque numa
posição confortável que você possa manter durante todo tempo da oração.
Recomenda-se um mínimo de 20 minutos. Pode-se começar essa oração com uma
pequena leitura da Bíblia. Não é hora de pensar no significado das palavras.
Esse tipo de meditação fica para outra hora. Agora é hora de simplesmente estar
na presença de Deus e de consentir na ação divina com nossa intenção. Então,
com os olhos fechados, introduza gentilmente uma palavra sagrada em seu
coração. Uma palavra sagrada é aquela que tem um grande significado para você
em seu relacionamento contínuo com Deus. A palavra sagrada deve ser sagrada
para você. De acordo com o ensinamento de “A Nuvem do Não Saber”, é melhor que
essa palavra seja breve, de uma sílaba se possível. Sugiro algumas palavras: “Deus, Senhor, Amor, Jesus, Espírito, Pai,
Maria, Sim”. Escolha uma palavra significativa para você. Talvez você pense
em uma, se pedir a ajuda de Deus.
Quando peço que você introduza
uma palavra sagrada no seu coração, não estou sugerindo que você a pronuncie
com seus lábios, ou mesmo mentalmente, mas acolha-a dentro de você sem pensar
em seu significado. Não é necessário forçar a palavra sagrada. Ela deve ser
muito gentil. A palavra sagrada não é um mantra a ser repetido constantemente.
A palavra concentra nosso desejo e sempre a usamos do mesmo modo simplesmente
voltando nosso coração para o Senhor assim que percebemos que estamos
distraídos. Essa é uma oração de intenção e não de atenção. Nossa intenção é
estar na presença de Deus e consentir na ação divina em nossas vidas. A palavra
sagrada expressa essa intenção e, assim, quanto tomamos consciência de que
estamos pensando em algo diferente, podemos decidir se continuamos com a
distração por ser mais interessante, ou se voltamos nossa intenção para a
presença de Deus e consentimos com aquilo que Deus quer realizar em nós. Voltamos nosso
coração para Deus pelo uso da palavra sagrada. Ela é um símbolo de nossa
intenção. Não é necessário repeti-la freqüentemente, apenas quando desejamos
voltar nosso coração para Deus.
Durante essa oração, não é hora
de conversar com Deus usando belas palavras ou mesmo de ter pensamentos santos,
mesmo que pensemos que são inspirações de Deus. É melhor deixar essas coisas
para outro momento. Nosso silêncio e nosso desejo valem mais do que palavras.
Através da palavra que
escolhemos, expressamos nosso desejo e nossa intenção de permanecer na presença
de Deus e de consentir com a ação divina purificante e transformadora. Voltamos
para a palavra sagrada, que é o símbolo de nossa intenção e de nosso desejo,
apenas quando tomamos consciência de estarmos envolvidos em algo diferente.
A oração consiste simplesmente em
estar na presença de Deus sem pensar em nada em especial. Se você
compreende como estar em silêncio com outra pessoa sem pensar ou fazer algo em
especial, então você será capaz de compreender do que trata a oração. Nem todas
as pessoas se adaptam a esse método de oração. Se você sentir um chamado
interior para um silêncio maior, ele pode ajudá-lo.
No final do período que você
decidiu dedicar à oração, talvez você possa dizer um Pai Nosso ou outra oração
lentamente. É bom permanecer em silêncio por alguns momentos para se preparar
para levar o fruto de sua oração para sua vida pessoal.
Pauta prática para a Oração em Segredo:
1- Escolha uma palavra sagrada
como símbolo de sua intenção em consentir na presença e na ação de Deus dentro
de você.
2- Sente-se confortavelmente e,
com os olhos fechados, fixe brevemente e introduza a palavra sagrada
silenciosamente como símbolo de seu consentimento da presença da ação de Deus
dentro de você.
3- Quando estiver envolvido com
seus pensamentos, volte sempre gentilmente à palavra sagrada.
4- No final do período de oração,
permaneça em silêncio com os olhos fechados por alguns minutos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário