Novo lançamento da L&PM, "Que
Seja em Segredo" reúne poemas eróticos de autoria de freiras ou inspirados
nelas e "escritos na devassidão dos conventos brasileiros e portugueses
dos séculos 17 e 18", como descreve a própria editora. Trata-se de um
relançamento da obra, que já saiu pela editora Dantes nos anos 1990 e havia
esgotado.
Os escritos são de uma época em que a
vocação religiosa não era o principal motivo para jovens serem enviadas aos
conventos. Naquele tempo, qualquer mulher considerada "difícil" podia
acabar enclausurada. Portanto, esse era muitas vezes o destino das moças
excessivamente sexuais, rebeldes, homossexuais, bastardas, das amantes
indesejadas e das que perdiam a virgindade antes de se casar ou até mesmo por
estupro. Às vezes, até garotas que não eram consideradas problemáticas podiam
acabar passando o resto da vida em um convento, graças ao status que as
famílias conseguiam por ter uma filha freira.
Mas essa clausura não era tão hermética
quanto se imagina. Alguns homens iam encontrar as freiras nas missas ou nos
próprios conventos, atraídos justamente pela "proibição" representada
por elas e pelas fantasias eróticas que isso despertava. Nascia assim a figura
do "freirático", ou "aquele que frequenta freiras". Esse
sujeito podia ter com as religiosas relações que iam desde platonismo inocente
até encontros tórridos que não deviam nada a "Cinquenta Tons de
Cinza", como no relato abaixo.
As religiosas do convento de Santa Ana
de Vila de Viana tinham nas proximidades várias casinhas aonde iam, fora de
clausura, com pretexto de estarem ocupadas a cozinhar, e recebiam ali homens
que entravam e saíam de noite, denunciou em 1.700 o rei, em Lisboa. Nas celas
os catres rangiam, os corpos alvos das freiras suavam sob o calor dos nobres,
estudantes, desembargadores, provinciais, infantes. Os gemidos eram abafados
com beijos
Ana Miranda, em trecho do texto de
introdução de "Que Seja em Segredo"
"Poemas luxuriosos, românticos, por
vezes sarcásticos, escritos para e por freiras, em plena Inquisição, documentam
tal costume dessa época em que a interdição sexual teve a função de
afrodisíaco. Como consequência, celas e conventos eram ambientes de grande
licenciosidade", define a escritora Ana Miranda, vencedora do prêmio
Jabuti em 1990 por "Boca do Inferno" e responsável pela pesquisa e o
excelente texto de introdução da obra, que não apenas contextualiza o leitor,
como também faz uma belíssima reflexão sobre desejo e sensualidade.
Entre os freirático notáveis citados em
"Que Seja em Segredo" estão o rei de Portugal dom João 5º e o poeta
Gregório de Matos. O primeiro era um entusiasta tão inveterado das religiosas
que chegou a mandar construir uma passagem secreta entre sua casa na cidade de
Odivelas e o convento local, para que pudesse "frequentar as freiras"
com maior discrição e receber leituras de poemas com freiras sentadas em seu
colo.
Já Gregório de Matos deixou depoimentos
de suas aventuras com as "cortesãs enclausuradas" no Brasil. Incluindo
o curioso relato de quando a cama de uma freira com quem estava literalmente
pegou fogo. Decerto resultado de uma vela caída, mas o poeta, conhecido como um
escritor "maldito", atribuiu as chamas ao "amor que queimava os
corpos através dos espíritos".
As freiras, no começo, não respondiam às
cartas, e apenas os mais persistentes prosseguiam até receber uma resposta, um
bilhete recortado com tesoura, salpicado com água de córdova ou outro perfume
caro, dizendo que não podia amar, que era muito feia, coisas assim. Mais uma
carta de lá, outra de cá, uma cena de ciúmes, de rivalidade, e estava consumada
a aproximação. 'Já que tem de ser, que seja em segredo', escrevia finalmente a
freira ao pretendente.
Ana Miranda, em trecho do texto de
introdução de "Que Seja em Segredo"
Trecho
de Antonio Lobo de Carvalho
Puta dum corno, dos diabos freira,
Eu me ausento, por mais não aturar-te;
Tu cá ficas, cá podes esfregar-te
Com quem melhor te apague essa coceira;
Poeta
anônimo
Quando eu estive em vossa cela
Deitado na vossa cama
Chupando nas vossas tetas
Então foi que me lembrei
Linhas brancas, linhas pretas.
Trecho
de poema de Frei Antonio das Chagas
Vem a ser que a freirinha
Se enamorou de doutra freira
Mais que mancebo, cá fora
Quis, lá dentro, ter manceba.
Fonte: www.uol.com.br
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