Levantar os olhos para a cruz é fazer um
ato de fé no Cristo levantado, mas já refeito e glorioso, no momento exato em
que deu a maior prova de amor, a de sermos também nós levantados e refeitos.
Fazer o sinal da cruz é manifestar em nós mesmos que em nosso batismo fomos
mergulhados na morte de Jesus para que com ele ressuscitemos.
A reflexão é de Marcel Domergue,
sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da
Festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro de 2014). A tradução é de
Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis
o texto.
Referências Bíblicas:
1ª leitura: Números 21,4-9
2ª leitura: Filipenses 2,6-11
Evangelho: João 3,13-17
Levantado
da terra
É curioso ler a expressão «Cruz
gloriosa» sem despertar qualquer surpresa. E esta, no entanto, é uma fórmula
quase escandalosa. É como se disséssemos «alegre cadafalso» ou «feliz
guilhotina». A cruz é hedionda, é suja, é repugnante. Mas a Cruz do Cristo é
gloriosa, por causa do amor que O levou a querer participar do nosso maior
sofrimento, a tomar o lugar de todos os que punimos, perseguimos e eliminamos
da comunidade dos homens. Muitos de nós clamamos por vingança, mas as nossas
vinganças acabam, finalmente, voltando-se todas contra Deus; são a crucifixão
do amor. Amor, isto é, Deus que, no entanto, ressurge sempre onde menos se
espera. O fato de Jesus aceitar a cruz que erguemos para ele é o ato de amor
insuperável, mais forte do que a morte; a morte que foi acolhida por ele. Por
isso, para ele a cruz não será o sepultamento em baixo da terra, mas a exaltação
no mais alto da terra. João vê na serpente de bronze da primeira leitura uma
prefiguração do Cristo crucificado. As duas figuras se ligam: os Hebreus
estavam interiormente destruídos pela dúvida que os obcecava: dúvida mortal que
foi representada pelas serpentes venenosas. O remédio será a figura destas
serpentes que são também representações. O mal interior, escondido, será
«levantado da terra» e se tornará visível na forma de uma serpente de bronze.
Os que aceitarem olhar para ela, tomando consciência do que ela representa,
serão curados. O Cristo crucificado afixa diante de nós seja a nossa maldade
assassina seja o seu contrário, o amor que a supera.
A
nossa morte é assumida na morte do Cristo
Deste modo, olhando o Cristo
crucificado, podemos tomar consciência do nosso pecado e do amor que levou
Jesus a fazer-se ostensivamente a sua vítima. Desposou assim todas as nossas
fraquezas e Paulo não hesitou em escrever que ele fez-se pecado por nós (2
Coríntios 5,21). Aqui O temos, pois, feito um só conosco, totalmente
«encarnado», inclusive no que há de pior. Como fez suas todas as nossas mortes
e tudo o que as anuncia, que as prepara e as provoca, tudo o que temos de
sofrer, mesmo por nossa culpa, torna-se a sua morte e encontra-se afixado na
cruz gloriosa. Não vamos tentar nos eximir: somos solidários com tudo o que
destrói, suprime, atropela, humilha as outras pessoas. Vamos repetir, quando
somos tentados pela ilusão de nossa inocência, lembremos que não sabemos o que
teríamos sido nem o que teríamos feito se, em vez de nascer num ambiente
protegido, tivéssemos 20 anos na Alemanha de Hitler ou se tivéssemos passado a
nossa juventude nalguma dessas comunidades de periferia, dominadas por milícias
ou pelo tráfico de drogas, um deserto de amor. Jesus dá a sua vida e a sua
morte pelos carrascos e pelas vítimas. Então, o inverso torna-se verdade: uma
vez que o Cristo esposou a nossa morte, as nossas mortes todas esposam a sua.
Tudo o que a vida nos dá para suportar torna-se cruz gloriosa; não um
desperdício. A nossa morte torna-se a sua morte, prometida à ressurreição. O
amor não pode morrer.
A
vitória da vida
Alguns vão achar que, aqui, estamos
falando muito de morte, de sofrimento e de pecado. Será que esta é uma religião
mórbida? Não seria melhor, sendo o Evangelho a «boa nova», falar de vida, de
alegria, de ação de graças? Pois, na realidade, é exatamente o que fazemos:
procuramos explicar que a vida, a alegria nascida da esperança, o
reconhecimento não conhece nem tempos mortos nem lugares vazios.
O mais baixo que possamos descer, no
pior dos infernos, aí vamos encontrar o Cristo a nossa espera: «nem a morte nem
a vida (…), nem o presente nem o futuro, nem a altura nem a profundidade, nem
outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus por nós,
manifestado em Cristo Jesus…», escreve Paulo em Romanos 8,38. Se somos levados
a falar sobre o mal e o pecado, não é por masoquismo, mas para não fecharmos os
olhos e o coração diante de todos os sofrimentos e aberrações que afligem os
cinco continentes. Ainda uma vez, somos solidários com tudo isso.
A cruz é gloriosa porque por ela é que
Deus, utilizando o mal que fazemos e o que sofremos, abre o caminho ao
nascimento de uma vida nova. Que a morte seja condenada a produzir a vida, uma
vida inalterável e destinada à alegria, esta é a maravilha que nos reergue
quando fraquejamos. «Ópio do povo»? Certamente que não, pois esta espécie de
sono irá permanecer impossível enquanto mantivermos os olhos fixados naquele a
quem trespassamos.
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br
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