A Eucaristia não
é somente a reunião dominical em que o padre consagra o pão e o distribui aos
participantes, que voltam para suas casas após um ato de devoção... Não! A
Eucaristia só tem sentido se, participando dela, tomamos consciência de que nós
devemos colaborar.
A reflexão é de
Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio
Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 18º Domingo do Tempo
Comum – Ciclo A do Ano Litúrgico (03 de agosto de 2014). A tradução é de André
Langer.
Referências bíblicas:
Primeira leitura: Is 55,1-3
Segunda leitura: Rm 8,35.37-39
Evangelho: Mt 14,13-21
Eis
o texto.
Depois do
discurso em parábolas sobre o Reino, temos agora gestos concretos que mostram o
poder do Reino, com o qual os discípulos devem se comprometer, desde já, para
que possa se realizar plenamente. O primeiro gesto é o da multiplicação, ou
melhor, da partilha do pão. É um gesto tão importante que é contado seis vezes
nos evangelhos. Mas, cuidado para não tomar o relato de Mateus ao pé da letra,
pois trata-se de um acontecimento teológico e seria ruim tomá-lo como algo que
teria acontecido na vida do Nazareno. É o que diz o francês Noël Le Bousse:
“Ninguém duvida que Jesus teve poderes miraculosos. Limitada a essa constatação,
a multiplicação dos pães não passaria de uma história. Ela torna-se um
acontecimento rico de sentido graças às luzes da tradição evangélica que o
enriquecem com toda a experiência bíblica: Jesus é o profeta que renova o
milagre da Igreja. Ele é o pastor do Povo de Deus que alimenta os seus com um
maná novo no deserto de um novo Êxodo, o da aventura da fé cristã. Ele realiza
esta missão pelo dom da Eucaristia. Ele é a Sabedoria de Deus que alimenta os
doentes e os famintos, sem que tenham necessidade de comprar para comer (cf. Is
55,1-3). Tudo isso não cai do céu. A multiplicação dos pães é confiada aos
discípulos. Ministros da Palavra, da caridade ou da Eucaristia, eles aprenderão
a olhar para as multidões com o olhar de compaixão de Jesus”.
Mas
que mensagens podemos tirar das leituras de hoje?
1.
“Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16)
Eu não sei se
compreendemos toda a responsabilidade que temos como discípulos do Cristo
ressuscitado. A Eucaristia, pois trata-se da Eucaristia... as próprias palavras
nos remetem a isso: “Então pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os
olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos
discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões” (Mt 14,19), a
Eucaristia, portanto, não é somente a reunião dominical em que o padre consagra
o pão e o distribui aos participantes, que voltam para suas casas após um ato
de devoção... Não! A Eucaristia só tem sentido se, participando dela, tomamos
consciência de que nós devemos colaborar de duas maneiras:
1) Devemos trazer e dar o que temos,
mesmo que seja pouco: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (Mt 14,17).
Talvez não seja muito, mas é o suficiente e mesmo necessário para que o gesto
da multiplicação e da partilha possa se realizar, porque Cristo não pode fazer
nada sem nós. Os números cinco e dois marcam a falta, mas os dois somados
formam o sete, a perfeição.
2) Devemos estar dispostos a partilhar o
que temos e o que trouxemos. Nós temos a responsabilidade de distribuir o pão,
de partilhá-lo, para que os famintos do mundo sejam saciados: “Em seguida
partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às
multidões” (Mt 14,19). Mais uma vez, Cristo não pode fazer nada se os
discípulos não distribuem o pão partido e oferecido.
2.
“Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (Mt 14,17)
O pão é o
símbolo do trabalho humano. Ele tem sua importância em todas as culturas;
significa a contribuição humana na transformação do trigo que se torna alimento
dos humanos. O peixe também tem sua simbologia, pois a cena contada se passa
perto do Lago da Galileia, onde os primeiros discípulos eram pescadores. No
momento da Eucaristia, o peixe desaparece, mas conserva toda a sua simbologia
para designar a Igreja do primeiro século. A palavra grega Ichthys é uma
verdadeira profissão de fé cristã no Cristo da Páscoa; cada letra tem seu
significado: Iēsous Christos Theou Yios Sōtēr, que significa Jesus Cristo,
Filho de Deus, Salvador.
Mas hoje, o que
são os cinco pães e os dois peixes? Somos nós, com os nossos talentos, as
nossas qualidades e mesmo os nossos defeitos, o que somos, o que possuímos como
riqueza, o que temos para dar aos outros. São também a nossa fé, a nossa
esperança e o nosso amor. Tudo isso, devemos trazer para partilhar, a fim de
saciar os famintos do mundo. Mas quem são esses famintos do mundo de hoje?
Quando mais de 2/3 da humanidade sofre de fome, há a fome material, em relação
à qual não podemos ficar indiferentes. Mas há muitos outros: as vítimas da
guerra, do ódio, da maldade humana; aquelas e aqueles que sofrem de Aids e de
todo tipo de doença; as vítimas da injustiça, da intolerância, da desigualdade,
do racismo, da opressão e da exclusão. É a todos essas pessoas que o Jesus do
evangelho nos diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16). Nós, talvez, não
temos muito, mas o pouco que temos, se o damos gratuitamente, o milagre da
multiplicação dos pães se realizará para saciar todas as fomes do nosso mundo.
Eu diria que a
missa, a Eucaristia, tem esse preço, se queremos celebrar o Cristo vivo no
coração da nossa humanidade. Mesmo o deserto se transformará; florirá. No
evangelho, Mateus nos diz que a cena se passa num lugar deserto (v. 13), e na
hora da partilha, de repente, há grama para sentar-se: “Jesus mandou que as
multidões se sentassem na grama” (Mt 14,19a). Além disso, nós devemos nos
questionar sobre a qualidade das nossas celebrações eucarísticas. Porque se as
multidões desertaram das nossas igrejas, talvez devamos nos perguntar se as
nossas reuniões realmente matam as fomes do nosso mundo.
3.
O Amor
Para celebrar
verdadeiramente a Eucaristia, só o Amor em sua gratuidade pode nos permitir
fazê-lo. Em sua carta aos Romanos, Paulo, após ter discutido os diversos
aspectos da nossa vida nova em Cristo e da nossa esperança, conclui com um hino
cheio de emoção, cujo vocabulário sugere o contexto de um julgamento (Cf. TOB,
Rm 8,31 nota x). Deus, como um Juiz, ganhou a nossa causa: “O que nos resta
dizer? Se Deus está a nosso favor, quem estará contra nós?” (Rm 8,31) O próprio
Cristo, como um advogado, intercede por nós: “Quem condenará? Jesus Cristo? Ele
que morreu, ou melhor, que ressuscitou, que está à direita de Deus e intercede
por nós?” (Rm 8,34) Então, quem ousará acusar aquele que Deus escolheu? “Quem
acusará os escolhidos de Deus? É Deus quem torna justo!” (Rm 8,33) Que
obstáculos poderiam derrotar a nossa aventura cristã? “Quem nos separará do
amor de Cristo?” (Rm 8,35a) As primeiras acusações, a primeira série de sete,
dizem respeito ao desafio de crer num mundo hostil à fé: “Tribulação? Angústia?
Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada?” (Rm 8,35b) Todas essas acusações são
rejeitadas pelo Amor: “Em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele
que nos amou!” (Rm 8,37) A segunda série de adversidades é mais temível; sete
no total, são as forças invisíveis que fizeram mais de um temer no tempo de São
Paulo: “Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os poderes celestiais, nem o
presente nem o futuro, nem as forças cósmicas, nem a altura, nem a profundeza,
nem outra criatura qualquer” (Rm 8,38-39a). Por outro lado, mesmo essas forças
invisíveis são impotentes diante do Amor: “Nada será capaz de nos separar do
amor de Deus por nós, manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,39b).
Concluindo,
gostaria simplesmente de partilhar esta bela reflexão sobre o Amor, do século
XII, de São Bernardo de Claraval: “O fruto do amor é o amor. Amo porque amo,
amo para poder amar. Grande coisa é o amor, contanto que vá a seu princípio,
volte à sua origem, mergulhe em sua fonte, sempre beba donde corre sem cessar.
De todos os movimentos da alma, sentidos e afeições, o amor é o único com que
pode a criatura, embora não condignamente, responder ao Criador e, por sua vez,
dar-lhe outro tanto”.
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br
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