Ficha de leitura
Sr. Miriam Tamiano, O. Carm – Cerreto
Tradução: Érica Arruda
Sr. Miriam Tamiano, O. Carm – Cerreto
Tradução: Érica Arruda
Cada ícone mariano carmelita recorda a
relação de Maria com o Filho, buscando torná-la visível. Desde o século IV,
temos imagens que refletem os principais aspectos da teologia mariana: o
aspecto teológico segundo o qual Maria é fundamentalmente Theotókos, título que
indica seu papel na história da salvação, e o aspecto espiritual que mostra seu
papel de intercessora. ¹
¹ Estes aspectos dos ícones marianos se
assemelham ao desenrolar da presença de
Maria na vida do Carmelo. contemplá-la como Mãe de Deus (aspecto teológico) é a
base de qualquer aproximação à ela e senti-la como irmã e mãe. Pela sua
proximidade com o Filho e com o homem, sua intercessão é garantia de esperança
(aspecto espiritual), como também o seu fazer-se modelo de vida cumprida e no
projeto de santidade pessoal (aspecto antropológico). Suas representações estão
vinculadas ao papel que realiza (aspecto epifânico), manifestando a
essencialidade do vínculo com Cristo.
Neste ícone, se apresenta também como
Virgem Puríssima: o sinal autentico de estar cheia de graça é a sua virgindade
², que é a beleza de sua alma. Ela indica o caminho: Jesus, o Verbo de Deus e
este gesto evangeliza. Como Mãe da evangelização, toca o íntimo do coração do
homem com a pureza incorruptível de um espírito doce e sereno (1Pe 3,4); a
verdadeira pureza do ser humano que transparece em toda a pessoa, resplandece
no olhar, se expressa no sorriso, reflete na gesticulação. A posição dos quatro
santos é harmônica e frontal; estão cercados como Maria e Jesus de um nimbo³ luminoso
definido por um contorno externo branco.
Neste ícone, encontramos homens
transfigurados: os santos. As imagens que constituem o espaço, símbolo de uma
presença luminosa, não estão postas como de costume abaixo dos pés de Maria ou
embaixo de seu manto. As figuras estão simetricamente colocadas nos quatro
ângulos e estão situadas dentro de nichos extraídos com um efeito de diferente
luminosidade do ouro; O mesmo acontece em torno de Maria, irradiação de uma
enorme presença. A colocação de São Alberto de Jerusalém, Santa Teresa de
Ávila, Beato Tito Brandsma e Santa Madalena de Pazzi ao redor de Maria está
fora de um espaço e de um tempo preciso. Podemos contemplar sua presença entre
nós, aqui mesmo. Não são temporais e sim “trans-temporais”, ou seja, atravessam
toda a história estando dentro do nosso tempo.
Os contornos, irradiantes e elevados,
símbolo de verdade e transparência, estão sustentados por uma luz que surge do
fundo do ouro e parece querer projetar os santos dentro de uma realidade
luminosa na qual Deus, sol de justiça, doa sua presença. Os perfis de Beato
Tito e de Santa Madalena se apresentam ligeiros e encostam apenas na base,
enquanto que São Alberto e Santa Teresa estão quase suspendidos, embora a
estilização que transfigura o corpo humano sempre respeita sua realização. Uma
certa seriedade das figuras, evidenciando de algum modo o impulso do homem até
o eterno, como chama silenciosa que resplandece no olhar, se evidencia pelo
deslizamento de um plano em que se ressalta a figura de Maria, mais divina nas
dobras das roupas, que mudam nos pontos de luz branca do manto. Em Maria se
conservam as cores próprias do hábito carmelita, mas podemos notar no manto e
na túnica, nas linhas de seda e nas sombras, alguns vestígios do azul e do
roxo, sendo fiel ao cânone da tradição expressa para a vestimenta da
Hodighitria. A linguagem simples e universal.
A figura humana transfigurada e
estilizada expressa a experiência de uma luz interior que atravessa também
fisicamente a pessoa. O homem de luz resulta sobre todo o rosto.
A única que olha para a Mãe de Deus é
Santa Teresa, ou outros olham para o observador, ou seja, para nós. O ícone
permite o encontro dos olhares a mais níveis. Já não somos nós que observamos o
ícone, somos observados. Seus olhos se pousam sobre nós, mas ao contrário do
que vemos em alguns quadros em que a pupila dos olhos seguem todos os
movimentos do ambiente em que estão colocadas, o ícone nos deixa sempre livres
para voltar a olhá-lo e responder aquele olhar. O ícone não nos obriga a olhá-lo
outra vez. Eles estão diante de nós e
²As três cruzes de luz- apenas duas são
visíveis- se explicam habitualmente como símbolo da virgindade antes, durante e
depois do parto; é interessante também a aproximação da Trindade em que se
converte o sinal. Maria é lugar de sua presença, arca durante nove meses de
Deus uno e trino.
³ Nimbo provém de Nimbus: “nuvem” da
glória de Deus, particularmente evidente na pessoa santa. Se diferencia da
aureola, de aures, que remete a coroa da vitória que o santo recebe ao concluir
o bom combate. Concluindo, o nimbo sublinha o aspecto do dom, da graça,
enquanto a aureola sublinha o mérito. Graficamente o nimbo é tridimensional, se
vê sempre igual, mesmo que o santo se gire; a aureola se converte em um
diadema, oval quando o santo se gira e as vezes até um disco plano.
4 A luz interior emerge pelo rosto;
Lembra Qohelet: “ A sabedoria do homem faz brilhar seu rosto”
não em qualquer lugar e sim
frontalmente.
As silhuetas dos carmelitas são sombrias
na estilização da capa e as roupas possuem relevos que deslizam até a
tonalidade cor terra do manto de São Alberto para serem iluminados,
vivificados, acendidos e se juntar a transparência das roupas da Mãe de Deus. É
nela que se reverberam as cores do céu e da profundidade dos abismos. Enquanto
que a simplicidade da capa, na transparência do branco, emerge do fogo do roxo
do manto, que como nuvem reveste aquele que olha, o envolvendo em um abraço de
esperança e salvação.
Como em cada ícone em que a Mãe de Deus
conduz ao caminho que é Cristo, aparecem duas fontes de luz dentro da
representação: o rosto de Maria com pálpebras escuras veladas em tensão e
relevos na frente e no nariz, que fazem a figura mais melancólica, mas sempre
alongada e a figura de Jesus sentado no braço esquerdo em posição divinal
apenas virado até a Mãe: É ele a fonte divinal e de luz, é ele o evangelizador
por excelência e ao mesmo tempo das Boas Novas. Apresentado por Maria é por ela
iluminado, convertendo-se por sua vez em fonte de luz e esperança. A cristo de
dirige o gesto adorador de Santa Madalena e do Beato Tito.]
A posição da mão direita da Virgem,
indica respeito e ao mesmo tempo intercessão diante o Filho. Mesmo que seja
estático, o jogo das mãos sobre o fundo branco do manto, mostra a centralidade da
atenção visual ligeiramente deslocada até o alto de acordo com a centralidade
do campo visual e convida à escuta orante da Escritura cuja corda branca é
segurada pela mão esquerda do Filho.
A ausência de horizonte situa a Mãe de
Deus no centro e as testemunhas em uma dimensão de circularidade de acordo com
Ela. Na iconografia não existe um verdadeiro e próprio horizonte e sim planos
de atenção sobrepostos que posicionam a cena deixando-a suspendida no espaço
porque o lugar e o tempo do evento é o presente. Maria está agora entre nós e
acompanha nosso caminho de carmelitas.
O sentido da circularidade sublinha o
que é central no ícone: o ventre de Maria e o Menino ligeiramente deslocado a
sua esquerda. Ele é o Senhor da Vida, nosso Oriente para quem o olha. No quadro
dos rostos, é ele o ponto de encontro.
Na tradição da igreja antiga, Orígenes
fala de um Deus que se encarna revelando-se através de seu ícone, do visível e
limitado. Ele, o Invisível, o Ilimitado. Nessa perspectiva, cada ícone também
mariano deve se remeter ao verdadeiro ícone que é o ser humano, cujo protótipo
é Jesus Cristo, esplendor do Pai. Contemplar a teofania de Jesus ou seja, o
verbo vivo, é aquela experiência que os padres experimentaram no monte Carmelo,
junto a fonte e impulsionou outros a seguir seu exemplo até nosso dias para que
aprendessem a arte do “olhar interior” fonte refletora de verdadeira luz 5.
Hoje também nós, na imagem de sua Mãe, no gesto benévolo com que se evangeliza,
indicando Jesus como caminho, somos convidados a escrever no encontro e na
amizade nosso ícone de carmelitas transfigurados na labareda de uma luz
imaterial que o envolve, porque nosso olhar pode fazer novo o habitual e o
comum. 6
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5 M.G. MUZI, Visione e sesenza
Iconografia e teofania nel pensiero de André Gabar (Ed. La casa di Matriona;
Milano 1995) 214.
6 A finalidade do ícone não é provocar
nem exaltar um sentimento humano natural. Sem remover nada de nossa humanidade,
nos orienta em direção a uma transfiguração de todos nosso sentimentos. Cada
manifestação da natureza humana se reflete, adquire seu verdadeiro sentido, na
harmonia comum da vida que progressivamente se abre para a visão do limite de
sua habitualidade e beleza, no Mistério de uma humanidade transfigurada.
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