A
lógica da mídia jornalística nem sempre se rege pela rentabilidade. Ela pode se
contentar com receitas que cubram o custo, ou nem isso: BBC, PBS, The Guardian,
grandes instituições de mídia sem fins lucrativos, são exemplos. A reportagem é
de Mauro Malin, publicada no Observatório da Imprensa, 13/08/2013.
Em
sua coluna no O Estado de S. Paulo de domingo (11/8), Renato Cruz disse que no
Roda Viva da TV Cultura do dia 5 de agosto tanto os jovens na berlinda – Bruno
Torturra, do Mídia Ninja, e Pablo Capilé, do coletivo Fora do Eixo – como os
experientes jornalistas na bancada se saíram bem (veja o vídeo). Os
entrevistadores, porque era preciso perguntar sobre o modelo de negócios, já
que “fontes de financiamento estão longe de ser uma questão menor”. Os
entrevistados, porque se mostraram muito bem articulados.
Cruz
validou a curiosidade a respeito da maneira como se sustenta o Mídia Ninja. E
comentou: “Pelo que responderam no Roda Viva, as pessoas praticamente trabalham
de graça”.
Pode
ser. E por que não? Há pessoas que trabalham de graça em ONGs, são voluntárias
em hospitais, compram, preparam e distribuem comida para moradores de rua; há
pessoas – bilhões de pessoas – que, além de frequentar cultos religiosos, dão
dinheiro para igrejas. Há os que doam para partidos políticos.
Nem
é preciso ir longe: quem compra e lê jornais e revistas não só trabalha de
graça (dando aos veículos seu tempo de leitura, que é vendido aos anunciantes;
sob a forma de espaço, o que se vende é tempo presumido de atenção), como paga
para fazer isso.
A
mesma coisa se dirá da mídia eletrônica. O indivíduo compra o aparelho, paga a
eletricidade e doa seu tempo. O tempo coletivo dado ao canal de TV e à emissora
de rádio, batizado no Brasil como ibope, é o critério de precificação da
publicidade.
Nos
países em que o voto não é obrigatório (a imensa maioria), o cidadão doa à
sociedade e ao Estado o ato de votar, que pressupõe uma série de outros
empenhos não monetizados: atenção à propaganda dos partidos, conversas com
amigos e familiares, etc.
Os
verdadeiros militantes de partidos políticos, espécie em extinção no Brasil de
hoje, doam seu trabalho e doam financeiramente (isso também fazem os militantes
interessados em bocas e boquinhas; é o pedágio).
Os
espectadores financiam o cinema, o teatro e os concertos, os visitantes ajudam
no custo dos museus e exposições. Pais de alunos frequentam conselhos nas
escolas e não deduzem essa doação das mensalidades. Existem países em que o
Corpo de Bombeiros é formado por voluntários (era assim no Chile, não sei se
ainda é).
Dezenas
de milhões de jovens morreram e morrem em guerras, como conscritos ou
voluntários, outros tantos saem mutilados ou psicologicamente afetados para o
resto da vida, e não fazem isso pelo soldo, fazem isso por uma pátria que só
existe no imaginário coletivo.
Por
que, se o jornalismo é uma atividade essencial para o funcionamento das
sociedades democráticas, não poderia ele receber contribuições voluntárias? A
testemunha de um acidente cobra ao repórter pelo relato do que viu ou pensa ter
visto?
A
lógica da mídia jornalística nem sempre se rege pela rentabilidade. Ela pode se
contentar com receitas que cubram o custo, ou nem isso: BBC, PBS, The Guardian,
grandes instituições de mídia sem fins lucrativos, são exemplos.
Colaboradores
de Opinião, Movimento, Versus, O Pasquim e outros jornais alternativos eram
movidos a dinheiro ou eram movidos por convicções e pela vontade de derrotar
ideológica, cultural e politicamente a ditadura? Esses jornais foram tão
influentes que se tornaram um divisor de águas na imprensa do país.
Colaboradores
não remunerados deste Observatório da Imprensa contam-se às centenas. No Brasil
de hoje, em que a mídia deixou de ser recebida passivamente, essa não é uma
forma de participar do universo jornalístico?
Quem
faz parte da diretoria de um sindicato não trabalha de graça? (Infelizmente, em
muitos casos atualmente, para enriquecer e dar poder a alguns.)
A
Constituição não diz, por exemplo, que a educação é um direito de todos e um
dever do Estado e da família? A família não é um bicho de oito pernas. É uma
unidade social formada por pelo menos dois indivíduos. Jovens, para começar a
conversa.
Outro
argumento que é preciso levar em conta estava nas entrelinhas do discurso de
Pablo Capilé e Bruno Torturra: o mundo capitalista atual não oferece aos jovens
uma perspectiva muito brilhante. No Brasil, a famosa “janela demográfica” está
sendo desperdiçada pelos insucessos econômicos, a incapacidade de poupar (a
sociedade é muito pobre para isso), o descaso reiterado com a educação, a
saúde, a infraestrutura.
O
jovem que se interessa por essas coisas, e muitíssimos o fazem, olha para o
futuro e pensa: se eu sobreviver economicamente em condições razoáveis às
próximas crises (já entenderam que elas são inevitáveis, são da natureza do
sistema, haja ou não uma regulação melhor de bancos e mercados financeiros), eu
e minha família teremos que nos defrontar com:
1.
A necessidade de sustentar com pesadas contribuições as gerações precedentes,
que dependerão da previdência social e viverão cada vez mais;
2.
A perpetuação da desigualdade, que nem governos tidos e havidos como
progressistas conseguiram enfrentar a contento;
3.
Se, numa hipótese extremamente otimista, a desigualdade interna for seriamente
reduzida durante meu tempo de vida (afinal, ela levou séculos para se tornar
crônica), a necessidade demográfica de importar trabalhadores para as tarefas
que os brasileiros não vão mais querer realizar criará bolsões de opressão,
mal-estar social, conflitos irremissíveis dentro da mentalidade vigente não no
país, mas na espécie humana;
4.
A degradação do ambiente para deixar como legado aos descendentes.
Mais
imediata é a pressão numa sociedade em que o consumo, dada sua centralidade
para o modo de produção, é estressante e não hedonista (no sentido etimológico da
palavra, que remete a prazer).
Quando
um jovem filosofa, a busca de valores é uma necessidade implícita. Que valores
buscar? Os da manada? Esses são valores ou recalques?
Se
nada disso faz tanto sentido quanto querem me fazer crer, se o próprio papa diz
que não gosta de jovens conformistas, vale a pena abrir minha cabeça, meu
tempo, meus braços para fazer alguma coisa solidária. Se não vai melhorar o
país e a humanidade, ao menos dá mais sentido à minha vida.
E
os mais velhos dirão: mas vai melhorar, sim. Mandem brasa.
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