As causas da perseguição
Adriano (117-138). Ele é tido como filo-cristão, mas
houveram (pouquíssimas?) perseguições locais. Mártir famoso: papa Telésforo, no
ano 136.
Antonino Pio (138-161). Perseguições locais, que não são
ordenadas pelo imperador.
Marcos Aurélio
(161-180). As
perseguições locais aumentaram num período de crescente crise no Império, mas
não remontam ao imperador. Mártires famosos: aqueles de Lião (em 177);
Policarpo bispo de Smirna (em 167; alguns dizem em 156); Justino em Roma (ano
165).
Cômodo (180-192). As perseguições locais continuaram, mas a
concubina do imperador, Márcia, é provavelmente filo-cristã
Septímio Severo
(193-211). Há mais
paz para os cristãos, mas em 202 houve uma onda de perseguições, que não parece
ordenadas por uma lei do imperador, que era filo-cristão. Mártires famosas:
Perpétua e Felicidade.
Caracala (211-217). O imperador
é filo-cristão, mas houve uma severa perseguição no Norte da África
sob o comando do pro-cônsul
Scapula (Tertuliano reagiu com o
escrito Ad Scapulam).
Alexandre Severo
(222-235). A família
imperial é filo-cristã e houve paz para os cristãos.
Maximino (235-238). O próprio imperador agiu contra os cristãos.
Felipe, o Árabe (243-249). É muito filo-cristão.
Décio (249-251). Aconteceu uma forte, mas breve (menos
de um ano somente) ação contra os cristãos. Problemático para a Igreja foi o
notável número de lapsi (cristãos
que sacrificaram), entre os quais alguns bispos.
A SEGUNDA TETRARQUIA
Durante os
primeiros séculos a propagação do cristianismo e a construção de uma
organização eclesiástica foram repetidamente impedidas e ameaçadas pelo Estado
romano. Em princípio, os cristãos estavam dispostos a inserir-se nas estruturas
existentes do mundo e do Estado romano[1].
Eles rezavam para os poderes constituídos[2],
pagavam os impostos[3]
e respeitavam as leis do Estado. Mas havia limites: eles deviam obedecer mais a
Deus que aos homens[4].
Uma lealdade com senso crítico determinava a sua relação com o Estado romano e
uma distância que eles mesmos se impunham regulava a atitude deles para com o
mundo que os circundava. Na verdade a vida pública no Império Romano era tão
ligada ao culto oficial e práticas religiosas pagãs, que os cristãos eram
forçados a manterem-se distantes de tudo isto. Como os judeus, também os
cristãos gozavam de alguns privilégios concedidos a uma religião lícita (dispensa de participar do culto estatal romano, a
isenção do serviço militar). Só depois do ano 70 d.C. começou a se distinguir
claramente, em Roma, entre o cristianismo e o judaísmo.
Aquilo que o
público pensava a respeito dos cristãos não se pode reconstruir com grande
precisão. Como pequena minoria religiosa com costumes próprios (diversitas morum), consciente e cheia de
estímulo missionário, eles deviam ser vistos com desconfiança por aqueles que
os circundavam e eram percebidos como elemento de desordem, se não próprio de
perigo. Tanto fontes pagãs como cristãs mencionam uma série de suspeitas,
acusações e boatos[5].
Pelo fato de recusarem as comuns concepções e práticas religiosas pagãs, os
cristãos eram considerados ateus. A religião deles parecia como uma superstição
detestável e nociva[6].
A alegada impiedade despertava a suspeita de deslealdade política e de
inafidabilidade para o império. Porque não participavam na vida pública, se
alimentava que os cristãos nutriam "ódio à raça humana"[7]. Disto se originou ulteriores
insinuações, que fazem parte dos habituais preconceitos contra as minorias
malvistas: se dizia que eles eram criminosos, escória inútil, amantes das
trevas[8],
uma associação imoral e desonesta que praticava o infanticídio e incesto[9].
Os rumores que corriam contra os cristãos se prestavam para fazer que parecessem
como adversários de um ordenamento humano e civil, e forçá-los a um papel de
bode expiatório. O seu manifesto desprezo pelos Deuses (neglegentia Deorum) poderia ser considerado como a causa de todas
as desgraças públicas e privadas: «Se o rio Tibre transborda, se o Nilo não
irriga os campos, se o céu não manda chuva, se há um terremoto, se aparece
carestia ou uma epidemia, imediatamente gritou: "Os cristãos aos
leões!" Muitos cristãos destinados apenas a um leão?»[10].
Estas opiniões
poderiam tornar-se uma convicção generalizada: o ser cristão não se adequa para
o ser romano. Trata-se de um modo de vida que contrasta com o dos romanos, que
perturba a ordem pública e ameaça o Estado. Nas discussões privadas[11]
ou nas tensões públicas poderiam aparecer contrastes com a posição cristã dos
interessados e se poderia criar desordens e tumultos. Por esta razão, as
autoridades públicas eram solicitadas a restaurar a paz e a ordem procedendo
contra os cristãos.
A época de
perseguição por parte do poder político romano é dividido em dois períodos: 1)
até que o imperador Décio (249-251), havia apenas perseguições esporádicas,
localmente limitadas, de cristãos individualmente; 2) do imperador Décio até
311 a ação foi dirigida contra toda a Igreja com o propósito de sua destruição.
Na segunda época a perseguição foi baseada em decretos imperiais; não há
consenso a respeito do motivo jurídico das perseguições na primeira época e
continua a ser discutido.
AS PERSEGUIÇÕES POR
IMPERADOR
Nero (54-68). A perseguição empreendida
pelo imperador Nero é atestada tanto por fontes pagãs como cristãs. Segundo
Tácito[12],
o espantoso estalar de furor contra os cristãos liga-se ao incêndio de Roma, de
julho de 64, do qual a opinião publica culpava o próprio imperador. Tácito é
muito claro: “Mas os empenhos humanos, as liberalidades do
imperador e os sacrifícios aos deuses não conseguiram apagar o escândalo e
silenciar os rumores de ter sido ordenado o incêndio de Roma. Para livrar-se de
suspeitas, Nero culpou e castigou, com supremos refinamentos de crueldade, uma
casta de homens detestados por suas abominações[13]
e vulgarmente chamados de cristãos” [14].
Para desviar de si a suspeita e atirar uma vítima para
saciar o furor da plebe; auxiliado por delatores (de origem hebraica?), Nero
teria mandado prender uma imensa multidão (multitudo ingens)
de cristãos, dados a uma superstição deletéria (exitialis superstitio) e odiados pelo povo "pelas suas
infâmias"; no decorrer da autuação não teriam sido convencidos de terem ateado o incêndio, mas de "ódio contra o gênero
humano" e condenados
sumariamente.
O historiador romano Tácito descreve como os cristãos
foram martirizados: “Alguns,
costurados em peles de animais, expiravam despedaçados por cachorros. Outros
morriam crucificados. Outros ainda eram transformados em tochas vivas, para
iluminar a noite. Para esses festejos, Nero abriu de par em par seus jardins,
organizando espetáculos circenses em que ele mesmo aparecia misturado com o
populacho ou, vestido de cocheiro, conduzia sua carruagem. Suscitou-se, assim,
um sentimento de comiseração até para com homens cujos delitos mereciam
castigos exemplares, pois se pressentia que eram sacrificados não para o bem
público, mas para satisfação da crueldade de um indivíduo.[15]”. A perseguição limitou-se à capital,
mas durou até a morte de Nero. Entre as vítimas contam-se também os apóstolos Pedro
e Paulo. A impressão deixada por essa perseguição no mundo romano foi forte
e durável; de então em diante o nome de cristão foi banido e tido como coisa
criminosa, digna de morte.
Após Nero, a dinastia dos “Flávio”
assumiu o poder em Roma. Do ano 69 ao 81 houve um período de paz para os
cristãos. O Cristianismo cresceu e passou a contar com adeptos também da
família real. Mas a situação mudou com Domiciano.
Domiciano (81-96). A tradição fala de perseguidos na sua própria família (o cônsul Flávio
Clemente), acusados como outros, per exemplo o cônsul Acílio Glabrio, rei do
ateísmo e filo-judaísmo; isto pode ser interpretado como ser cristão.
Particulares ações de um governador contra os cristãos não chegam
necessariamente ao próprio imperador[16].
Trajano (98-117). A sua correspondência com Plínio, governador da Bitinia, indica não uma
perseguição ativa contra a Igreja, mas condenações à morte de alguns cristãos
em circunstâncias bem determinadas (quando aparecem como um perigo para a ordem
pública). Mártires famosos do período: Simão, bispo de Jerusalém; Inácio, bispo
de Antioquia (pouco depois do ano 110).
Orígenes chamou a atenção sobre a reviravolta que o imperador Décio tinha
iniciado. "Daquele momento as perseguições não eram mais realizadas
esporadicamente como antes, mas de forma comum e generalizada”[17].
Eusébio declarou que o imperador tinha começado a perseguição por ódio contra o
seu antecessor Felipe, o Árabe[18]. Isso
certamente simplifica a motivação do imperador, mas esclarece os esforços para
uma nova orientação política. Décio, um bom general mas com pouco cultura, era
da Panônia e tinha como sua força principal tropas panônicas, que não tinham
tido qualquer ligação com o cristianismo. Portanto, não tinha qualquer
preconceito contra os cristãos. Ele trouxe consigo um grande entusiasmo por
Roma, que era típico dos países do Danúbio e promoveu uma ampla política de
restauração, que atingia também o aspecto religioso. Tinha convicção de que a
veneração dos deuses antigos, que tinha garantido por muito tempo a prosperidade
do Estado romano, devia ser totalmente restaurada e garantida. Em lugar da
idéia cosmopolita-humanista da cidadania e da nova religião (neoplatonismo e
cristianismo), que se traduzia na alienação do mundo e no cuidar da alma, devia
novamente ser introduzida uma ética patriótica ligada às tradicionais virtudes
romanas. Uma primeira ação contra a Igreja aconteceu sem dúvida no fim de 249,
visto que no início do ano seguinte há o testemunho do martírio de alguns
bispos: Alexandre de Jerusalém, Babila de Antioquia e, certamente, o bispo
romano Fabiano. Outros bispos, como Cipriano, Dionísio de Alexandria e Gregório
Taumaturgo, puderam salvar-se porque fugiram[19].
Em fevereiro de 250, o imperador ordenou com um edito para que todos os
habitantes do império fizessem uma súplica acompanhada de uma oferta de
sacrifício, uma supplicatio
ture ac vino (sacrifício com incenso e
vinho) diante dos deuses do povo romano. Com este ato, devia-se reconhecer o
direito dos deuses que lhes era devido. O modo de proceder era determinado com
precisão: todos os cidadãos do Império deviam apresentar-se e sacrificar
perante a comissão do sacrifício do próprio local de residência; a comprovação
deste ato era testificada por um certificado escrito (libellus). O formulário era mais ou menos uniforme: "À comissão escolhida para a supervisão dos
sacrifícios. Eu sempre sacrifiquei aos deuses e até agora eu ofereci a sua
presença no modo prescrito libações e sacrifícios de animais e eu provei a
carne do sacrifício, e peço que me dê o devido certificado. Fiquem bem! (Assinatura
e data; libellus 3).
Com o ato sacrifical cada súdito do Império devia demonstrar sua
preocupação com a salus publica e sua
lealdade ao imperador. Em tais circunstâncias, a ação devia necessariamente
resultar num ataque maciço à Igreja cristã. Mesmo que os cristãos não fossem
diretamente forçados à apostasia, a aplicação do ato do sacrifício envolvia a
negação de sua fé. Em caso de recusa do sacrifício, claramente se deixava às
autoridades locais qualquer decisão sobre o tipo da pena: prisão, tortura,
sequestro de bens, exílio e morte[20].
Todo um grupo de cristãos permaneceu certamente sólido em sua fé e morreu
na prisão, ou como resultado da tortura. Mas o número de apóstatas foi elevado,
como resulta da correspondência entre São Cipriano de Cartago e Dionísio de
Alexandria. Os cristãos, incluindo também alguns dos bispos[21], que
obedeceram ao decreto imperial, foram chamados de sacrificati, se eles tinham feito todo o sacrifício; de thurificati se tinham oferecido o incenso,
e de libellatici se tivesse obtido o
certificado de sacrifício recorrendo à corrupção. O escrito de Cipriano De lapsis nos dá a melhor imagem do que
aconteceu e nos permite conhecer o problema pastoral diante do qual as
comunidades que tiveram que enfrentar depois de uma tal apostasia de massa.
As
disposições imperiais foram executadas por mais de seis meses, até quando a
invasão dos godos exigiu a presença do imperador nos países do Danúbio. Com sua
morte prematura, em junho de 251, a perseguição terminou. "A paz foi
restituída à Igreja e nossa segurança é restabelecida"[22]. Isso
certamente valia para o Norte de África. Em Roma o bispo Cornélio foi exilado
para Civitavecchia, onde morreu em 253; do mesmo modo seu sucessor, Lúcio, foi
enviado para o exílio. Também em Alexandria aconteceram outras perseguições,
que temporariamente terminaram apenas com a ascensão ao trono do imperador
Valeriano em 253.
Valeriano (253-260). A partir de 257, perseguição especialmente contra o clero para golpear a própria Igreja; em 258, ameaça
também o laicato nobre; desta vez não há notícias de negação da fé.
O imperador Valeriano, conhecia perfeitamente a política de Décio.
Inicialmente não mostrou interesse em continuá-la, mas no quarto ano do seu
reinado mudou de atitude. Tendo pacificado militarmente as fronteiras, virou-se
para o inimigo dentro do Império. As medidas contra os cristãos encontraram a
sua motivação em dois editos.
O primeiro edito (agosto de 257) impunha ao clero a supplicatio diante dos deuses romanos. Foram proibidas as reuniões
cristãs e a visita ao cemitérios[23]. A
recusa de sacrificar era punida com o exílio.
O segundo edito (verão de 258) alterou a pena de exílio para a imediata
pena de morte e estendia a obrigação do sacrifício para os senadores, altos funcionários
e cavaleiros cristãos. Os leigos de condição aristocrática deviam perder o
status, trabalho, bens patrimoniais, e em caso de tenacidade na recusa, eles
eram condenados a execução capital. Mesmo as mulheres pertencentes às classes
superiores dos Honestiores foram
punidas com o confisco de bens e com o exílio, e aos funcionários imperiais (Caesariani) se ameaçava o sequestro do
bens e o trabalho forçado.
Ambos
editos deviam golpear gravemente a Igreja Cristã. Na medida em que os cristãos
não reconheciam os deuses antigos como forças que protegiam o imperador e o
império, e, portanto, não praticavam a religião romana (Romanam religionen colere) e não tomavam parte no culto do Estado (Romanas caeremonias recognoscere), se
ameaçava o extermínio da Igreja deles. A perseguição só terminou em 259, quando
Valeriano, derrotado na guerra contra os persas, foi preso e executado. Esta
perseguição teve vítimas ilustres. Cipriano foi executado em 14 de setembro de
258 e Sisto II morreu em Roma em 6 de agosto do mesmo ano; na espanhola
Tarragona tocou ao bispo Frutuoso, enquanto que Dionísio de Alexandria
conseguiu sobreviver.
Galieno (260-268). Um edito seu de tolerância inaugura
um período de 40 anos de paz
para a Igreja.
A cruel perseguição de Valeriano não conseguiu seu objetivo. Os cristãos
tinham mostrado maior firmeza do que tinham mostrado sob Décio; a organização
se fortaleceu e passou no teste. O filho e sucessor de Valeriano, Galieno
(260-268), não prosseguiu a política hostil contra os cristãos que havia sido
posta em prática por seu pai. Ele restituiu os lugares de culto e os cemitérios
confiscados e aboliu todas as restrições; “os ministros da Palavra poderiam
dedicar-se livremente às suas funções habituais"[24]. Esta
liberdade, decretada pelo imperador em vários editos, foi mencionada por ele em
vários aspectos numa carta aos bispos do Egito[25]. Pela
primeira vez, então, se estabelecia num edito imperial uma relação entre
liberdade e culto cristão. Não é que o cristianismo se tornou uma religio licita (religião lícita)
oficialmente, mas foi tolerado como um grupo religioso específico e era
reconhecido no seu direito de propriedade. Dionísio de Alexandria celebrou, por
essa razão, o imperador nos mais altos tons[26] e não
prestou atenção para o fato de que Galieno, numa situação politicamente
perigosa, tinha buscado aliados[27]. A
Igreja tornou-se objeto de cálculo político.
A
convivência pacífica entre Império e Igreja continuou sob o imperador Aureliano
(270-275). Ele respeitou as decisões do seu antecessor. Na controvérsia sobre o
bispo de antioqueno Paulo de Samosata, o imperador concordou em uma carta
rogatória em favor da Igreja: Era dever do bispo de Antioquia estar em comunhão
com os bispos da Itália e de Roma. Paulo estava a serviço da rainha Zenóbia de
Palmira, que foi derrotada por Aureliano em 272. Por causa de sua teologia
trinitária modalística e de uma
cristologia de adozianística, ele foi deposto por um sínodo em Antioquia, mas
só pôde ser removido com a intervenção das autoridades. Pessoalmente, Aureliano não era de modo algum
inclinado ao cristianismo. Ele adorava o « Sol invicto» (Sol invictus) e pretendia unificar religiosamente o
império sob o seu culto. Esta intenção teria conduzido a uma nova controvérsia
com o cristianismo por período bastante longo do seu reinado, como nos informam
Eusébio e Lactâncio.
Diocleciano (284-305). Somente em 303 inicia uma perseguição, mas esta é universal e bem
organizada. A Igreja tinha crescido fortemente; o imperador a vê como ameaça
para o império. Aparece o problema dos traidores, isto é daqueles que
entregam os livros sagrados às autoridades.
Durante o últimos quatro decênios do III séc. a Igreja
pôde viver sem grande perturbação. O imperador Diocleciano (284-305)
inicialmente não promoveu mudanças ao precedente curso religioso-político. A
divisão do poder, com a qual se tentou reagir à difícil situação do império,
não trouxe neste sentido novidade alguma: em 286 Maximiniano torna-se Augusto
para a metade ocidental do império, enquanto que Diocleciano se reservou a
oriental, e em 293 cada Augusto tomou um César como sócio no reino e sucessor
ao trono: Galério no Oriente, Constâncio Cloro no Ocidente. O «comando de
quatro» (primeira tetrarquia) foi construído junto com vínculos
familiares: Galério era genro de Diocleciano e Constâncio Cloro o era de
Maximiniano. Os dois Augustos ancoraram a sua soberania no poder divino:
Diocleciano a fazia derivar de Júpiter, Maximiniano se colocou sob a tutela de
Hércules. Diocleciano, filho dum camponês da Dalmácia, que tinha começado a sua
carreira como simples soldado, tornou-se um dos mais importante imperadores. O
seu programa de governo foi caracterizado por uma reforma política de tipo
conservador e por uma restauração religiosa. O seu escopo foi o de regular tudo
segundo as antigas leis e o ordenamento público dos romanos (publica disciplina Romanorum)[28].
A fidelidade ao costume tradicional (mos
maiorum), aos «deuses imortais», e a esperança de um
constante «favor dos deuses » eram dificilmente conciliáveis com a tolerância
para com um grupo da população que refutasse notoriamente estes valores. Em 297
Diocleciano promulgou um edito contra os maniqueus e procedeu severamente
contra aquilo «que as novas e vergonhosas seitas contrapõem às mais antigas
religiões»[29]:
«Estamos cheios de um incrível zelo que nos força a punir a obstinação (pertinacia) com a qual
indivíduos demasiadamente indignos persistem no seu modo distorcido de pensar (prava mens)»[30].
Uma tal concepção revela aquele mesmo pensamento religioso-político que já precedentemente
tinha motivado comportamento hostil em relação aos cristãos por parte dos
imperadores romanos.
Este comportamento levou enfim o
imperador a proceder contra os cristãos. Da sua religiosidade inspirada na
antiga Roma, caracterizada por uma certa pretensão de exclusividade, surgiu a
intenção de reunir todos os súditos do Império sob os antigos cultos. Mas,
diante da resistência oposta pelos cristãos, ele podia atingir o seu objetivo
somente através da sua completa eliminação. Após a vitória contra os persas
teve início em 298 as providências contra os cristãos. Primeiramente eles foram
afastados do exército, um procedimento que podia ser causado por atitudes
provocatórias dos soldados e oficiais cristãos[31].
Os sustentadores oficiais do paganismo encorajavam o imperador a prosseguir por
esta estrada.
Dia 23 de fevereiro de 303 Diocleciano
proclamou um primeiro edito: as igreja dos cristãos deviam ser destruídas,
ficavam proibidas suas reuniões e seus livros sagrados deviam ser queimados. Os
cristãos ficavam privados de seus ofícios, dos seus títulos e da sua capacidade
jurídica[32].
O edito foi aplicado imediatamente; não estava ligado a uma ordem de cumprir um
sacrifício, mas perseguia um claro objetivo: a aniquilação do cristianismo.
No verão de 303 seguiram o segundo e terceiro edito: o clero foi preso e obrigado a
sacrificar[33].
Parece, todavia, que estas disposições não tiveram no ocidente uma plena
aplicação.
Num quarto edito,
emanado na primavera de 304, Diocleciano dispôs que toda a população do Império
devia oferecer um sacrifício[34].
Através do sacrifício os cristãos deviam ser obrigados à apostasia da sua fé.
Em caso de resistência eram torturados e, se persistissem no recusar, eram
punidos com a morte[35].
O último edito teve atuação nas várias
partes do Império de forma diferente. A mais ampla aplicação aconteceu no
oriente, mas também com incompreensões e resistências. No Egito a sua atuação
desencadeou uma desordem que virou uma guerra civil. No ocidente o edito não
foi respeitado por Constâncio Cloro. Parece que Maximiniano o aplicou com
hesitação; na primavera de 305
ele estabeleceu um dia comum para o
sacrifício.
Os testemunhos cristãos revelam que na parte ocidental do
Império, governada por Constâncio Cloro, as ações de perseguição foram aplicadas
apenas de má vontade. Na reviravolta dada por Constantino, filho de Constâncio,
é possível perceber esta posição. Deve-se também considerar que os cristãos
nestes países eram muito inferiores em número. Enfim, a dureza de Diocleciano,
que resultava contrária à tradicional tolerância romana, não encontrou um
consenso unânime nem mesmo junto aos não cristãos. A crueldade das ordens de
perseguição se reflete nos testemunhos cristãos, mesmo que se tenha em conta
exagero retórico-literário (Lactâncio, Eusébio). Ao modo insólito de conduzir a
luta a parte cristã reagiu não raramente com emotividade provocatória. O número
das vítimas foi considerável, especialmente nos territórios dos antigos núcleos
cristãos do oriente, do Egito e do Norte da África. Estes anos de perseguição
se trasformaram numa decisiva prova di força entre romanidade e cristianismo.
Dia 1° maio de 305 Diocleciano e
Maximiniano abdicaram de comum acordo e subiram ao trono como Augustos os seus
dois sócios Galério e Constâncio Cloro. No oriente torna-se César Maximino Daia
e no ocidente Flávio Valério Severo. Após essa mudança houve inicialmente uma
pausa na perseguição, mas que no oriente foi reiniciada já um ano depois com
toda a sua dureza e aspereza. No ocidente as lutas entre os aspirantes ao trono
levou a uma definitiva cessação. O problema dos cristãos não encontrou mais no
Império uma resposta unitária.
O imperador Galério (305-311) pôs fim à perseguição dia 30 de abril de 311. Com o seu edito de tolerância, que foi
publicado em nome dos seus sócios Licínio, Constantino e também Maximino Daia.
O edito admitia indiretamente a falência da política religiosa imperial. O
imperador tirou, portanto, os cristãos da sua condição de ilegitimidade e
concedeu-lhe o livre exercício da própria religião: «Eles podiam ser novamente
cristãos e restaurar os seus lugares de reuniões, mas com a condição de não
agir de modo algum contra a ordem vigente»[36].
Deste modo o cristianismo tornava-se religio licita (religião lícita), mas subordinado
ao ordenamento superior da disciplina Romana. A religiosidade política
romana reivindicava finalmente per si também o cristianismo: «É seu dever rezar
ao seu Deus pela nossa saúde, por aquela do Estado e pela própria»[37].
O Deus Christianorum (Deus dos cristãos) fazia agora parte das
divindades que garantiam a salus publica do Império.
Galério, imperador no
oriente (305-311).
Mais uma vez se procurou impor a religião tradicional, mas isto também vai à
falência.
A paz definitiva para os cristão
chegou com o Edito de Milão no ano 313 proclamado pelos imperadores Constantino
e Licínio.
[12] Annal.
XV, 44.
[13] Infanticídio,
canibalismo, incesto etc., foram acusações levantadas contra os cristãos.
"Somos acusados de três coisas: ateísmo, comermos nossos próprios filhos e
haver entre nós relações sexuais entre filhos e mães." - Atenágoras, Legatio pro Christianis, III, cf. p. 17.
[14] Tácito, Anais (Annales), XV, 44 – publicado em
BETTENSON Henry. Documentos da Igreja
Cristã. São Paulo: ASTE, 2007, p. 27.
[16] A
informação em Clemente, Carta aos Corintios 1,1 é vaga: "improvisas
calamidades e adversidade... uma depois da outra".
[28] Cf.
o edito de 295 sobre o matrimônio, Legum Mosaicarum et Romanarum Legum Coll.
VI 4,6: «As nossas leis protegem somente as coisas sacras e venerandas, e por
isto a potência romana cresceu de maneira tão poderosa com o favor da força
divina».
[29] Coll. XV 3,3.
[30] Coll. XV 3,3.
[31] Eusébio,
História Eclesiástica VIII 4,2-3;
Lactâncio, De mort. pers. 10,4; várias Atas dos Mártires.
[34] Lactâncio,
De mort. pers. 15,4; Eusébio, Mart. Palaest. 3,1
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