Tema: Jardim
Fechado.
Por Frei Tito Brandsma, Beato Carmelita.
1º dia: Um Carmelo- Símbolo: um Jardim.
Fazer do nosso coração um CARMELO, um jardim, um jardim
de delícias. Depois de longa estiagem, parece um verdadeiro matagal, onde
vicejam ervas daninhas, cardos, espinhos e abrolhos. "Exsiccatus est
vertex Carmeli"[1]. Santa Teresa nos fala sobre quatro maneiras de irrigar;
antes, porém, faz-se mister capinar, amanhar a terra.
Quinto: além da vala vem um muro bem
alto. Deus é a nossa fortaleza[4]: confiança em Deus e viver na sua intimidade, e nada
poderá prejudicar-nos. Começar nova vida com coragem e ânimo.
Está muito vazio o jardim do nosso
coração. Devemos aproveitar os dias do retiro para nele plantar toda espécie de
flores, que devemos selecionar cuidadosamente. O jardim aí está. Comecemos por
plantar no fundo, junto à cerca, flores bem altas, grandes, a fim de proteger o
lado norte. Plantas altas e fortes, que possuam a dom especial de manter o
coração voltado para o sol desde que nasce até que se põe, de modo a sempre
receberem o seu calor e a sua luz diretamente. O resultado é que as suas
sementes amadurecem em abundância e com rapidez. Estas flores são o símbolo do
próprio sol, que se reflete nelas para nós na sua forma e na sua cor de ouro.
A segunda flor a ser plantada no
nosso jardim é a flor por excelência: a rosa. O nosso jardim deve ser um
roseiral. A rosa é símbolo do amor, a rosa encarnada. As mais belas rosas
crescem no lugar mais ermo e mais pedregoso do mundo: o Calvário, onde sangram
as chagas de Jesus! A rosa é símbolo do amor divino, o maior amor: "Exemplum
dedi vobis"[8]. Quem dera pudéssemos amar assim! A nossa vida por
Jesus. "O que fizestes as menor dos meus irmãos, foi a Mim que o
fizestes"[9]. Viver de amor. Não é fácil. Jesus foi coroado de espinhos,
a fim de ser o Rei do Amor. É por amor a nós que tem espinhos essa rosa, e
espinhos bem pontiagudos.
4 º Dia: A Pureza - Símbolo: O Lírio
6º Dia: A Obediência- Símbolo: As Trepadeiras
A fim de deixar mais belo o aspecto
do nosso jardim, erguemos ao lado sul um caramanchão, uma pérgula coberta de
plantas e flores, trepadeiras que se estendem por todos os lados, entre elas
principalmente a mais bela: o "lathyrus" das mais variegadas cores[20]. São o símbolo da obediência. Estas plantas, por mais
belas que sejam, não se desenvolvem sozinhas, mas precisam de um sustentáculo e
seguem pela direção, que lhes quisermos dar. Se lhes vier a faltar esta orientação,
rastejam pela terra e se expõem a serem pisadas. Quando bem dirigidas,
constituem autêntico ornamento para o jardim. Quanto mais alto se elevarem,
tanto mais sobressairão a sua beleza e encanto. Deixam-se atar e dirigir à
vontade e crescem onde quer que haja sol.
7º Dia: Renúncia e pobreza - Símbolo: Árvores caducifólias
Duas coisas estão faltando em nosso jardim. No gramado
plantaremos árvores, e à sua sombra há lugar para uma fonte. Na frescura
benfazeja, junto ao repuxo, nós nos sentamos para nos deliciarmos com a beleza
das plantas e das flores, do céu e da luz; em horas determinadas tiramos água
da fonte para regarmos abundantemente as plantas, que do contrário haveriam de
secar.
8º Dia: Devoção à Eucaristia - Símbolo: A
fonte
Por Frei Tito Brandsma, Beato Carmelita.
Existem em nossa literatura mística
dois belos opúsculos: o de Beatrice, e o de Henrique Mande, que na realidade
copia o que escreveu Beatriz.
Primeiro: cavar e revolver a terra e
dela tirar as pedras e outros objetos estranhos e duros, a fim de que nunca
mais voltem: são eles a ira, a teimosia, a obstinação, o ódio, a inveja, os
caprichos.
Segundo: manter afastadas
definitivamente as ervas daninhas: são elas a vaidade, a leviandade, a
vanglória, a gula.
Terceiro: adubar. Recordar a vida
passada com as suas faltas: arrependimento e penitência. Enterrar bem o adubo,
não o deixando aparecer por fora. "Cum jejunaveris oleo unge caput
tuum"[2]. O nosso amor a Deus deve encobrir os nossos pecados,
que estão perdoados. A sua lembrança, porém, deve ficar, sem perturbar-nos, no
entanto. Fé, esperança e caridade.
Belo pensamento de um grande místico
flamengo: "Antes de tudo me parece que deveis ser espiritualmente alegres;
devem desagradar-vos as vossas faltas, não, porém, ao ponto de vos angustiar ou
molestar".
O jardineiro olha cheio de confiança
para a terra amanhada, arada e preparada, cheia de fertilidade. Em seguida
lança confi- antemente a semente de plantas e flores. Reza para que Deus dê o
crescimento.
Quarto: é preciso manter afastado
tudo quanto possa ser ofensivo: abrir vala profunda ao redor, diz Henrique
Mende, que nela vê a imagem do abismo, que deve haver entre os nossos novos
conceitos e os do mundo. Já não colocamos no centro de tudo a nós mesmos, e sim
a Deus, isto é, ao amor. "Nostra autem conversatio in cælis est"[3]: estamos num outro mundo.
Sexto: uma cancela. Prudência: não
admitir a tudo e a todos. Só Deus pode entrar e tudo quanto Lhe seja agradável.
"Sto ad ostium et pulso"[5]. É preciso deixá-Lo entrar logo e sempre.
Devemos conservar os olhos abertos,
fixos em Deus, e precaver-nos contra tudo o que não é Deus e não vem dEle.
Podemos, então, segura e
confiantemente lançar a semente, certos de que hão de brotar as flores. O Dono
do jardim, o Jardineiro celeste terá gosto de permanecer aí e aí estar à
vontade. "Hic habitabo, quoniam elegi eam"[6].
Resumo: Cavar e cercar. Romper com o
passado e tomar as medidas para o futuro.
Eia aí a imagem do recolhimento, a
primeira flor que deve desabrochar dentro do nosso coração. Devemos mantê-lo
orientado para Deus, tornando-nos susceptíveis à sua luz e ao fogo do seu amor.
Mantenhamos os olhos fitos em Deus, vejamos Deus em tudo, e Ele, em
compensação, olhará sempre para nós e dar-nos-á com abundância a sua graça: em
conseqüência, o sol da graça fará amadurecer as sementes das virtudes rápida e
abundantemente.
Distinguem-se dois tipos de
recolhimento: o ativo e o passivo. No primeiro somos nós que procuramos a Deus;
no segundo é Deus que se nos impõe de tal forma que não podemos deixar de olhar
para Ele. Ele atrai os nossos olhos, orientando o seu direcionamento.
Deus organizou a natureza e a graça
de tal modo que essas duas formas de recolhimento por vezes se confundem.
Certamente Ele quer que, orientados pelo conhecimento que temos dEle, nós O
procuremos ao mesmo tempo como Causa e Fim da nossa vida. Foi Ele quem nos
criou, mas é Ele também que nos conserva na existência de momento a momento na
continuidade do seu ato criador. Mas, por outro lado, se fez o objeto mais
elevado do nosso conhecimento, que fala às nossas faculdades de maneira clara e
convincente.
Se fizermos justiça à nossa
Inteligência, sem nos mantermos à superfície das coisas, elevar-nos-emos do
finito ao infinito, e encontraremos prazer na sua contemplação. Se O
procurarmos, nós O acharemos. Se dEle fizermos o objeto dos nossos olhares, Ele
nos cativará infalivelmente. E, no processo do nosso recolhimento em Deus,
haverá assim um intercâmbio ininterrupto entre o elemento passivo e ativo, que
até poderíamos chamar de conversão para Deus.
Que a nossa conversão para Deus seja
ao mesmo tempo recolhimento e introspecção corresponde à formulação de Santo
Agostinho: podemos procurar a Deus em toda parte, mas em parte nenhuma O
encontraremos melhor do que dentro nós mesmos.
Santa Teresa afirma isto também
quando, ao descrever as glórias do Castelo Interior, diz que dispensamos muito
pouca atenção ao Hóspede Divino, que acolhemos na alma, e que é preciso começar
a procurá-lo e conversar com Ele.
Resumo:
Como o girassol, sempre voltados para Deus, de modo ativo e passivo.
Símbolo:
o Girassol
3º Dia: O Amor -Símbolo: A Rosa
A rosa encarnada é símbolo de um
amor ardente. "Vim trazer fogo à terra e que desejo senão que
arda?"[10] A roseira deve ser enxertada. Cortar o contacto com o
mundo e incorporar-nos em Cristo. Viver, crescer e florescer no tronco, que é
Cristo.
O tronco está no jardim, mas os seus
galhos são vigorosos. Devemos viver nEle e dEle, e julgar a tudo e a todos como
Ele. Deus perdoa o nosso próximo, e nós continuamos a resmungar e a murmurar.
A rosa é de aparência agradável, um
encanto, um primor. Assim a nossa presença deve ser encanto, alegria, consolação.
Deve constituir verdadeira festa assim como as rosas fazem pensar em festa.
Sempre serenos e alegres, sempre serviçais.
Santa Teresinha, a "Rosa
Desfolhada". A rosa não deve ficar a balançar nos ramos da roseira, mas
ser desfolhada, a fim de atapetar o caminho, por onde passará Nosso Senhor:
isto é uma imagem de como devemos preparar o caminho de Nosso Senhor para os
corações dos homens.
"Illum
oportet crescere, me autem minui"[11], dizia São João Batista. Renunciar a todas as honras e
glórias, sem alegar direitos, a fim de ganhar almas para Jesus. Amor até ao
extremo, até à loucura: a loucura da Cruz.
A nossa caridade deve tornar-se
proverbial. Que ninguém nos vença em matéria de caridade. É a primeira, a mais
alta, é a virtude divina. Plínio saudou um escravo para admiração dos romanos,
que estavam na sua companhia. Plínio explicou-se, dizendo que certamente não
podia deixar-se vencer por um escravo quanto às boas maneiras e à afabilidade,
se é que se considerava superior a ele. São grandes, por vezes, as nossas
pretensões. "Qui major est vestrum, erit minister vester"[12]. E no amor, e na caridade. Jesus é o nosso modelo.
Cresça e floresça, pois, no jardim nosso a rosa do amor.
Existe um belo quadro, "Maria
im Rosenhag", quer dizer, "Maria cercada de rosas". Se somos
rosas, que esteja Maria no meio de nós.
Resumo
- O amor é a virtude mais elevada, a primeira.
Modelo:
Jesus na Cruz a sangrar por mil feridas.
Símbolo:
a rosa encarnada no meio dos espinhos e no fim desfolhada totalmente.
A terceira flor no jardim do Carmelo
é flor inteiramente característica deste jardim: o lírio, símbolo da pureza. É
a flor da Virgem das Virgens, que não pode faltar no seu jardim, o Carmelo, onde
deverá desenvolver-se viçosa e bela.
Ontem falávamos sobre as rosas
encarnadas no Calvário. O Rei das Virgens é ao mesmo tempo o Rei dos Mártires!
Quantas virgens tornaram-se mártires, para conservar a sua virgindade! Esposas
de Cristo. Costumamos considerar a pureza, geralmente, de modo demasiado
negativo, isto é, evitar o que possa manchá-la. Foi
neste sentido que fizemos voto de pureza?
Queríamos pertencer a Nosso Senhor:
não contentes só com o amor terreno, desejávamos tornar-nos objeto do seu Amor.
A pureza deve estar radicada no amor, no mais genuíno amor. Eis que o seu pior
inimigo é o amor terreno, seja este dedicado aos outros, seja ainda dedicado a
nós mesmos. Belo o exemplo de Santa Liduína, que desejava não somente amar
unicamente a Deus, mas também ser amada unicamente por Ele. Renunciou a todos
os seus encantos pessoais para que ninguém mais a amasse. São João da Cruz: "Pati
et contemni pro Te"[13].
Devemos gostar de estar junto de
Nosso Senhor. Ver no próximo a sua imagem e servi-Lo na pessoa dos outros. Deve
ser essa a tendência do nosso amor. A pureza não é anti‑social: enobrece e
santifica o nosso trato com os outros. É mister, porém, reprimir sentimentos e
paixões, que ofereçam perigo à nossa pureza, pois não somos insensíveis.
O lírio ergue-se esguio por sobre a
folhagem verde. Livre. Nobre. Símbolo de como devemos saber elevar-nos acima
das coisas da terra, sem que elas nos estorvem. Radiantes de brancura. Como a
inocência irradiada pelos olhos das crianças, principalmente na hora que elas
comungam, quando muito sérias rezam para Deus. "Nisi efficiamini sicut parvuli"[14]. O que faz com que nos devamos tornar semelhantes às
crianças é o seu apego a Deus. Mas como se ofusca facilmente este brilho! A
paixão, a princípio, torna-nos incertos, hesitantes, gradualmente desviando-nos
de Deus, desviando-nos para as criaturas, para o prazer e para as distrações.
Tornamo-nos moles. O lírio vai definhando; as flores começam a inclinar-se e
murcham. Vem a tempestade. Coloca-se um arrimo à planta para melhor
sustentá-la. É a cruz, isto é, a mortificação contínua, que deve
manter-nos firmes em Deus.
São Paulo nos fala deste estímulo da
carne e reza para que dele seja libertado; a resposta é que a graça de Deus lhe
deve ser suficiente. A vida é luta, combate, mas combate digno de ser travado.
Torna-se necessário o domínio sobre si mesmo, a disciplina, a mortificação.
Exercitar-se nas pequeninas coisas: mortificar a vista e os ouvidos. Fazê-lo
espontaneamente mesmo quando não corremos perigo algum, para sermos fortes na
hora do perigo. Como alguém que aprende a nadar para que possa salvar-se, se
algum dia cair na água. Ou como quem aprende a esgrimir ou lutar para que possa
defender-se quando necessário. Assim também devemos aprender a mortificar a
vista e os ouvidos, a fim de subtrair-nos aos perigos. É preciso, porém, ser
comedidos na mortificação e ter uma direção espiritual. Jamais chegaremos a
matar o inimigo. Devemos aprender a lutar contra ele. E sem deixar-nos abater
pela luta.
"Sufficit
tibi gratia mea"[15]. Sempre tornar a unir-nos de novo com Deus. E fugir dos
perigos. Evitar pessoas que exercem atração sobre nós, que nos perturbam ou
pelas quais nos sentimos atraídos. Fazê-lo, porém, sem que elas o percebam ou
sofram as conseqüências. Proceder com muita prudência e cautela, a fim de não
nos enganarmos a nós mesmos. Neste assunto, principalmente, se faz necessária a
direção espiritual. Por via de regra, não praticar nada de extraordinário que
dê na vista, mas elevar-nos acima das coisas e unir-nos a Deus. Se isto não
bastar, tomar outras medidas em concordância com o nosso diretor espiritual.
Mas sempre esforçar-nos por retornar à prática positiva da virtude.
Resumo
- A pureza é virtude positiva. (Modelo: Maria, a Rainha das Virgens).
Símbolo:
O Lírio. A mortificação e o domínio de si mesmo sustentam esta flor.
A
Sagrada Comunhão é "o vinho que faz brotar almas virginais"[16]. "Ecce Sponsus venit! Exite obviam Ei!"[17]
5º Dia: A Humildade - Símbolo: O Gramado Beato
Tito
Alguma coisa está fazendo falta ao
nosso jardim. Ao fundo estão os girassóis que olham para o sol, símbolo da
nossa conversão para Deus. Na frente deles, as grandes roseiras com rosas
encarnadas, símbolo do nosso amor, que se sacrifica. Um grande canteiro
alvejante de lírios simboliza a nossa pureza, que nos consagra inteiramente a
Deus.
Há, porém, muito espaço aberto,
muito terreno vago. O nosso jardim de delícias não está pronto. Queremos
aumentar a sua beleza com um gramado. A relva, na mística, simboliza a
humildade, a raiz de todas as virtudes.
Não pode faltar este símbolo em
nosso jardim. Um relvado parece coisa simples. Exige, porém, bastante trabalho.
Supõe um terreno inteiramente limpo, bem regular e plano. Note-se o costume de
se apascentar nele as ovelhas e cordeirinhos para manter a grama bem aparada. E
assim o Cordeiro de Deus poderá apascentar pelo terreno do nosso coração e
manter sempre aparada a nossa grama. Ela não pode crescer. Flores são
respeitadas, mas relva deve ser pisada. Quanto mais baixa tanto mais linda.
Assim não vira capim seco, mas sempre permanece verde e macia.
Na morte está escondida a vida. A
grama é o símbolo da humildade. Sempre baixa, submissa, pisada. Não é bom
religioso quem faz valer os seus direitos. Seria contradição. O símbolo do
verdadeiro religioso é esse gramado. Frequentemente a foice ou a máquina passam
por cima dele para aparar as pontas, que a seguir são recolhidas e tiradas. É
preciso que esteja sempre aplainado.
Flor nenhuma pode interromper-lhe a
planura. Uma só é aí tolerada, sem ofender a vista, pois se confunde com a
relva: é a margaridinha-rasteira[18]. É imagem da Virgem Maria, que se abre e fecha ao Sol
Eterno: simboliza principalmente o seu "Ecce ancilla Domini!"
Este símbolo dá à nossa humildade, que é representada pela grama, novo sentido
e novo vigor. Ser humildes com a Virgem Maria na sua submissão à divina
Vontade.
A margaridinha é cortada e pisada
juntamente com a grama. Identifica-se com ela. Torna, porém, a erguer sempre a
sua cabecinha com a sua flor linda e viçosa. Tem muita semelhança com o
girassol. Abre-se também ao sol e se fecha à hora do poente. Sinal de como
devemos estar disponíveis para receber o Hóspede Divino. O fundamento será a
humildade, que é a raiz de todas as virtudes. Na humildade Maria Santíssima é o
nosso modelo.
Considera
a Filha do Rei na simplicidade da sua vida em Nazaré, escolhida para ser a Mãe
de Deus. A humildade não rebai-xa, mas, pelo contrário, dá verdadeira grandeza,
reduzindo tudo às suas verdadeiras dimensões, onde Deus é o Senhor de tudo,
pois é na sujeição a Ele que se alcança o supremo ideal e o penhor da mais alta
glória. "Quem se humilha será exaltado". "Reputavimus
illos humiliatos, et ecce sunt inter filios Dei"[19].
O próprio muro já é símbolo da
reclusão do claustro, da necessidade de manter-se dentro dele. Que haveríamos
de procurar fora dele? Como tomar de volta algo do sacrifício, que fizemos
quando nos dedicamos inteiramente ao serviço de Deus? Nós o fizemos sem limites
nem restrições. Infelizmente alguns se esquecem da generosidade inicial. Que
força e que vitalidade se escondem numa Ordem ou Congregação, quando todos
estão prontos para tudo! A união faz a força.
Que ordem perfeita reina no universo!
Todas as criaturas servem umas às outras. Uma coisa existe em função da outra.
Depois de um período de independência e de egoísmo meramente individualista,
acentua-se de novo a interdependência mútua. Nela reside a grande força da vida
religiosa: todos a serviço do grande ideal que a todos une. Tal união, porém,
deve manifestar-se nas coisas corriqueiras de cada dia.
O jardineiro percorre diariamente o
jardim, para examinar e amarrar as suas plantas. Se nisto for negligente,
desaparece em pouco tempo a beleza. E há as flores destinadas a serem cortadas
e colocadas em vasos. Duram pouco. Aparentemente é uma pena colhê-las, mas o
que o jardineiro tem em mira é ostentar a beleza delas. Quando as corta, outras
logo aparecem.
A obediência pode, por vezes, tirar
de nós a honra resultante do nosso trabalho: outros ficarão com ela. Nem sequer
nos agradecem pelo serviço prestado. Ninguém o enxerga. Ninguém o aprecia.
Assim nas trepadeiras muitas estão ocultas, ainda que às vezes apareçam mais
tarde. Crescem e desenvolvem-se de modo caprichoso e esquisito, de maneira que
as flores nem podem ser cortadas. Mas a beleza está no conjunto. Qual a cor ou
a flor mais bela? Ninguém o sabe. Ninguém pergunta por isso.
O que faz a beleza é exatamente a
variedade de matizes, a combinação das várias cores. É o que se dá com o
trabalho imposto pela obediência. Importante é o trabalho do porteiro e do
cozinheiro; é importante que a casa esteja limpa e é importante o ensino
ministrado nas escolas. Qual dentre eles é o mais importante? Tudo é
necessário. "Oportet hæc facere et illa non omittere"[21].
A comparação do corpo humano
aplicada à Igreja: "non omnes prophetæ etc."[22] Na vida religiosa se dá o mesmo. A comunidade é como que
um corpo místico: Cristo é a Cabeça e nós somos os membros. Uns se revezam com
os outros; uns se compadecem dos outros; completam-se mutuamente. Cada qual
está contente no lugar que lhe foi indicado. Ninguém mais infeliz do que o
religioso descontente. O prazer do mundo não lhe é dado, e a felicidade do
convento é por ele rejeitada. (A obediência) é a primeira virtude, condição
para todas as outras. "Virtus quæ cæteras inserit insertasque
custodit"[23], dizem as nossas Constituições
As trepadeiras amarradas e guiadas
fazem-nos pensar em Nosso Senhor pregado na Cruz, pendente de três cravos. As
flores, qua na trepadeira desabrocham por toda parte, indicam as feridas
espalhadas por todo o divino Corpo chagado. "Factus pro nobis oboediens
usque ad mortem, mortem autem crucis"[24]. Eis o nosso modelo de obediência. As trepadeiras do
nosso jardim são apenas símbolos.
Modelo:
Jesus Crucificado.
Símbolo:
As trepadeiras.
Hoje plantaremos um alameda de
árvores frutíferas em forma de "M", ou melhor, já as encontramos
plantadas pela mão de Deus e, como a figueira do Evangelho, frondosas, cheias
de folhagem.
Que significam essas árvores no
jardim? Nos simbolismos da literatura mística, encontramos árvores com o seu
tronco alto e liso, que no outono perdem as folhas e durante todo o inverno
estão aí despidas e vazias, como símbolo da renúncia e da pobreza. Para
simbolizar melhor estas virtudes escolhemos uma alameda de árvores frutíferas.
Delgado broto perfura a crosta da terra e vai crescendo, elevando-se cada vez
mais. Assim também nós devemos desprender-nos da terra e renunciar a tudo o que
possa deter a nossa marcha. Estamos na terra e no mundo, é verdade, mas "conversatio
nostra in cælis est". "Ubi est thesaurus tuus, ibi et cor tuum
erit"[26].
Este tesouro não se encontra na
terra. A árvore aponta para o alto. A árvore é bela pela folhagem que ostenta,
mas esta mesma folhagem é passageira. Revezam-se as estações do ano. Durante
todo o inverno a árvore está aí despida, nua: símbolo da pobreza.
Sob muitos aspectos nada nos falta. "Nihil
habentes, et omnia possidentes"[27]. Vez por outra, porém, sentimos os efeitos da pobreza.
Somos obrigados a pedir. Às vezes nos negam, podem negar-nos alguma coisa.
Gostaríamos de ter isto ou aquilo. Não podemos ter só para nós: tudo nos é
comum.
"Reliquimus
omnia"[28]. Que era este "omnia"? Talvez bem
pouco, talvez muito. De qualquer maneira pouco, em comparação com aquilo que
Ele nos dá em troca: "Centuplum accipietis"[29]. E a vida eterna.
Que generosidade no dia da
Profissão! E agora?! A que coisas nos apegamos tantas vezes? A bagatelas, a
coisas insignificantes. Talvez, por ora, nada nos falte, mas a situação pode
mudar. Podem vir dias maus. No entanto não devemos preocupar-nos. "Martha,
Martha, turbaris erga plurima!"[30] A inveja e o descontentamento tão comuns no mundo por
vezes penetram também no convento. Pobres mundanos! Não são infelizes aqueles a
quem falta alguma coisa, mas sim os descontentes.
Outra forma (de incoerência):
repugnância por trabalhos que devem ser feitos, que alguns, porém, consideram
abaixo da sua dignidade. Querem ser "grandes senhores" na casa
religiosa, ainda que vestidos de pobre. Fariseus! Veste de pobre naquele que
não ama a pobreza!... Um perigo muito atual é certamente o apego ao conforto, o
gosto por uma série de coisas desnecessárias. Procuramos encobrir este
comodismo com a capa do asseio, da ordem, da técnica. Mas no fundo não passa de
comodismo e apego ao luxo.
A árvore que, por sua vez, é o
símbolo do lenho da cruz, ostenta-se nua, despida de folhagem. "Super
vestem Ejus miserunt sortem"[31]. Nada Lhe resta. Devemos ter verdadeiro entusiasmo pela
pobreza. Quem, como São Francisco, a escolhe como sua esposa? O asseio pode
andar junto com a maior simplicidade. Fazemos voto de pobreza e queremos ser
"grandes senhores" mais do que convém. Somos capazes de escandalizar
as pessoas do mundo. E, além do mais, tornamo-nos ridículos diante de Nosso
Senhor, que recebeu o nosso voto de pobreza.
Com Maria Santíssima estamos de pé
debaixo da árvore da Cruz. Vede como se tornou pobre por nossa causa e como
sacrifica por nós o seu maior tesouro. Maria foi pobre porque Jesus queria Mãe
pobre. José foi pobre, porque Jesus queria passar por "Filho do
Carpinteiro"[32]. E nós a procurar os ricos e tributar-lhes honra!... É
justo que reconheçamos as classes sociais, mas em nosso coração o pobre não
deve valer menos do que o rico. Os pobres pertencem à nossa espécie, mas nós
não queremos ser do número deles. Olhai para a árvore na sua nudez. Vede como a
sua força vital é toda interna. Devemos assim considerar os pobres: filhos
prediletos de Deus.
Aprendamos com a árvore as
vicissitudes da vida, a caducidade das coisas terrenas. E contemplai como, a
seu tempo, Deus torna a revesti-las de beleza e glória. Mais confiança. Nosso
Senhor no-lo diz expressamente no Evangelho[33], e o exemplo dos Santos o confirma admiravelmente: não
devemos preocupar-nos demasiadamente com as coisas da terra; devemos renunciar
a tudo e confiar unicamente nEle. Mas, apesar de tudo, preocupamo-nos...
"Marta, Marta!"
Resumo:
Pobreza e desapego, virtudes indispensáveis para um religioso. Sem essas virtudes não passa de um fariseu.
Modelo:
A árvore da Cruz nua e despida.
Símbolo:
E a árvore desfolhada é o seu símbolo eloqüente.
No
último dia antes da sua Morte, exclamava Jesus no Templo: "Si quis
sitit, veniat ad Me et bibat, et de ventre ejus fluent aquæ vivæ"[34]. No jardim do nosso coração não pode faltar essa água
viva. Do contrário, tudo haveria de secar. Essa água viva é o próprio Jesus.
Todos os dia devemos pedir-lhe essa água viva. Ele no-la dará na Sagrada
Comunhão, para a qual diariamente nos convida.
A Sagrada Eucaristia é a fonte, que
colocamos no centro do nosso jardim místico. Não só para gozarmos sempre da
presença de Jesus, mas também para podermos haurir sempre a água viva, com que
precisamos regar as plantas e flores. Jesus poderia sustentar a nossa vida de
outra maneira, mas de fato a Sagrada Eucaristia é o penhor de que Ele nos
sustenta. "Nisi comederitis Carnem Filii Hominis et biberitis ejus
Sanguinem, non habebitis vitam in vobis"[35].
Que felicidade podermos receber
diariamente a Sagrada Comunhão! Mas tiramos dela realmente a força que nos
sustenta? A água que nos faz viver a vida perfeita? E as plantas do nosso
jardim? Estão realmente vivas? E dão flores? Todas as flores possíveis? Por que
não dão? As nossas comunhões poderiam ser mais frutuosas, se melhor nos
lembrássemos do nosso jardim. Já no dia seguinte poderíamos contar a Nosso
Senhor como agora estão crescendo e florescendo melhor. Mas é que nos
contentamos com pouco. Basta-nos que Jesus esteja conosco. Mas a sua presença
deveria produzir frutos, fazer crescer as virtudes. Ele é o trigo dos eleitos,
é o vinho que faz germinar almas virginais. E em nós? Sim. O Sacramento opera
"ex opere operato"[36], mas as disposições são de grande valor para os frutos.
Durante oito dias estivemos
trabalhando em nosso jardim; nele se encontram as plantas essenciais. Vamos
comungar com a intenção de cultivar essas plantas. Com o Divino Jardineiro e
Maria Santíssima visitemos o nosso jardim todos os dias. Maria é a fonte donde
brotou para nós a Água Viva. Por seu intermédio recebemos a graça de Deus. Foi
Ela quem colheu o primeiro e melhor fruto da morada do Hóspede Divino. Quem
dera pudéssemos receber a Sagrada Comunhão da maneira que Ela, em Nazaré,
recebeu em Si o Filho de Deus!
Pudéssemos fazer desabrochar em nós as virtudes que nEla floresceram
pela graça de Deus! Espelhemos-nos muitas vezes neste sublime modelo, imitemos
as suas virtudes, que devemos praticar como bons religiosos e bons filhos de
Maria!
Resumo:
A Sagrada Comunhão é a fonte, que nos fornece a água viva, com que devemos regar o jardim do nosso coração.
Modelo:
Maria Santíssima: receber Jesus como a Virgem Santíssima
O recebeu.
Símbolo:
A fonte ou chafariz.
[34]. De cor; e foi bem antes da sua
Morte, na Festa dos Tabernáculos ou das Cabanas, no último grande dia da Festa:
"Si quis sitit, veniat ad Me et bibat. Qui credit in Me, sicut dicit
Scriptura, flumina de ventre ejus fluent aquæ vivæ" (Jo 7,37-38). =
"Se alguém tem sede, venha até Mim e beba. Quem tem fé em Mim, torrentes
de água viva jorrarão do seu seio".
Nenhum comentário:
Postar um comentário