Ex-primeira dama costurou a primeira bandeira
do PT, começou a trabalhar aos nove anos e organizou resistência das mulheres
durante as grandes greves do ABC.
“A primeira bandeira do PT fui eu que fiz.
Tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte, guardado há muito tempo.
Costurei a estrela branca e ficou lindo. Minha casa era o centro. Foi assim que
começou o PT.”
Marisa
Letícia tinha 29 anos quando costurou uma estrela branca sobre um pano vermelho
e concebeu aquela que viria a ser a primeira bandeira do Partido dos
Trabalhadores, antes mesmo de sua fundação oficial, em fevereiro de 1980. Pouco
depois, em abril, seu marido seria preso pela primeira vez e ficaria detido por
31 dias no DEOPS de São Paulo por exercer o direito à greve e à luta por
direitos trabalhistas — quando a regra era o silêncio, a opressão, o arbítrio.
Marisa
seguiu costurando e não parou mais: o sonho, a resistência, a família, o
futuro. E carimbou sua estrela não apenas no tecido vermelho, mas também na
história do Brasil.
Filha
de pequenos agricultores de origem italiana estabelecidos num sítio modesto na
zona rural de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, Marisa
foi a décima filha entre as 11 crianças de Regina Rocco Casa e Antônio João
Casa. Nasceu numa casa simples, na periferia de São Bernardo, e cresceu vendo o
pai e os irmãos carregarem uma charrete com verduras e legumes para vender no
mercado. Ainda criança, mudou-se com a família para o centro da cidade. Filha
do Brasil, Marisa começou a trabalhar aos 9 anos, como babá. Dos 13 aos 19 foi
operária numa fábrica de chocolates. Largou para casar.
Marisa
se casou pela primeira vez aos 19 anos, em 1970, com o motorista de caminhão
Marcos Cláudio dos Santos. Entre um frete e outro, carregando areia para
construção civil, Marcos fazia bico dirigindo o táxi de seu pai nas ruas de São
Bernardo. Seis meses após o casamento, foi assassinado num assalto. Marisa
estava grávida de quatro meses. Seu primeiro filho recebeu o nome de Marcos
Claudio, em homenagem ao pai que jamais conheceu.
Aos 23
anos, a jovem viúva Marisa trabalhava como inspetora em um colégio estadual
quando conheceu o também jovem viúvo Luiz Inácio da Silva, o Lula, então
diretor do departamento jurídico do Sindicato dos Metalúrgicos e responsável
pelo setor de previdência social. Lula, com 27, tinha perdido a mulher e o
filho durante o trabalho de parto dois anos antes. Marisa procurou por ele no
sindicato para solicitar um atestado de que precisava para receber a pensão a
que tinha direito. Era o final de 1973.
Lula já
tinha ouvido falar sobre aquela moça. Sem carro, e sem ônibus que servisse a
cidade após as 22 horas, Lula recorria ao táxi de Seu Cândido quando precisava
voltar para casa mais tarde. Papo vai, papo vem, Lula soube que o filho de Seu
Cândido havia morrido num assalto, naquele mesmo táxi. O taxista falava coisas
sobre o neto e sobre a nora, que era viúva como ele, que era muito bonita,
coisa e tal. Quando Marisa apareceu em sua sala à procura de um atestado, Lula
não imaginava que era a filha de Seu Cândido. Mas bastou que ela respondesse às
perguntas do formulário para Lula juntar os pontos. Viúva, marido morto num
assalto num táxi, filho com 2 anos... "Você é a nora do Seu
Cândido?", ele perguntou. Cinco meses depois, Lula e Marisa estavam
casados.
"Eu
assumi o Marcos como se fosse meu filho quando casei com a Marisa", disse
Lula em entrevista reproduzida no livro "O Filho do Brasil", de
Denise Paraná. "Ele tinha três anos, a mesma idade que teria meu primeiro
filho, se ele estivesse vivo". Quando nasceu o primeiro filho biológico de
Lula e Marisa, Fábio Luís, em 1975, o casal convidou Seu Cândido e a mulher,
Dona Marília, para serem padrinhos do menino.
Com
Lula, Marisa, que o marido costumava chamar de "Galega", teve mais
dois filhos: Sandro Luís, em 1978, e Luís Cláudio, em 1985. A família se
completa com a enteada Lurian, de 1974, fruto do namoro de Lula com Mirian
Cordeiro, anterior ao casamento com Marisa.
Dona de
casa desde o nascimento de Fábio, Marisa foi sempre muito presente na
militância do PT e desempenhou papel central na trajetória política do marido.
Um ano depois do casamento, Lula assumiu a presidência do sindicato,
mergulhando de cabeça na vida política. Durante as grandes greves dos
metalúrgicos entre 1978 e 1980, e também nos primeiros anos do PT, transformou
sua casa em local de reuniões intensas e frequentes, por vezes diárias, onde
foram gestadas algumas das mais importantes estratégias de luta e também os
sonhos de um país mais justo e democrático.
Quando
Lula foi preso, em abril de 1980, e ficou 31 dias no Departamento de Ordem
Política e Social de São Paulo, o DEOPS, Marisa se engajou na organização do
fundo de greve e liderou uma marcha de mulheres que tomou as ruas de São
Bernardo em 8 de maio, caminhando na linha de frente de mãos dadas com os
filhos. Visitava o marido todos os dias na prisão, e, quando o filho Marcos,
aos 10 anos, cismou de não querer mais ir à escola para não ouvir seus colegas
o acusarem de ser "filho de bandido", foi obrigada a administrar, sem
perder a dureza nem a ternura, os primeiros sintomas da perseguição política
que ela e os filhos seriam obrigados a administrar, até hoje.
"Hoje
parece loucura. Fizemos uma passeata das mulheres em 1980, quando os dirigentes
sindicais estavam presos. Encheu de polícia. Os homens queriam dar apoio, mas
dissemos não. Fizemos só com as mulheres, eu de mãos dadas com meus filhos à
frente."
Após três
campanhas eleitorais frustradas, Lula foi eleito presidente da República em
2002. Marisa virou primeira dama em 1º de janeiro de 2003. Ao longo de oito
anos, reformou o Palácio da Alvorada, introduziu as famosas festas juninas da
Granja do Torto no calendário oficial de Brasília, e teve atuação discreta,
mantendo sob sua responsabilidade a logística da casa, a administração
financeira da família, o guarda roupa do marido, o zelo pela privacidade e pela
intimidade dos filhos. Esteio e alicerce são duas palavras constantemente
utilizadas pela imprensa para se referir a ela.
Lula
ainda era presidente da República quando exames revelaram a presença de um
aneurisma no cérebro da então primeira dama. Aneurisma é uma deformação que
ocorre numa veia ou artéria, causando a dilatação do canal e o afinamento da
parede para formar uma espécie de bolha. Na ocasião, foi feita a opção por
monitorar o aneurisma, ao mesmo tempo em que se reforçou a necessidade de
controlar a pressão sanguínea de Marisa, que foi diagnosticada como
hipertensa. No dia 24 de janeiro, Marisa teve uma crise hipertensiva que
provocou o rompimento desse aneurisma, um acidente vascular cerebral. Foi
atendida na emergência do Hospital Assunção, em São Bernardo do Campo, e
transferida para o Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde foi submetida a
um procedimento cirúrgico para estancar uma hemorragia.
Marisa
Letícia Lula da Silva faleceu aos 66 anos no início da noite do dia
3 de fevereiro de 2017. Marisa virou estrela, uma estrela igual àquela que
alinhavou sobre tecido vermelho para criar a primeira bandeira do Partido dos
Trabalhadores. Uma estrela que, como a outra, jamais deixará de brilhar. Fonte: http://www.lula.com.br
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