"Será
que ainda não chegou a hora de modificar a atual legislação canônica, para
recuperar as surpreendentes intuições organizativas que a Igreja viveu nas suas
origens?", pergunta José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo
publicado por Religión Digital, 29-01-2017. A tradução é de André
Langer.
Eis o artigo.
Do
jeito que as coisas aconteceram, no momento em que vivemos, o futuro da Igreja
dá o que pensar. Porque dá a impressão de que a Igreja, assim como está
organizada e como funciona, tem cada dia menos presença na sociedade, menos
influxo na vida das pessoas e, portanto, um futuro bastante problemático e
muito incerto.
Cada
dia há menos sacerdotes, cada semana ficamos sabendo de conventos que
fecharam para se transformarem em hotéis, residências ou
monumentos meio arruinados. A progressiva diminuição nas práticas sacramentais
é alarmante. Mais da metade das paróquias católicas de todo o mundo não tem pároco
ou o tem apenas nominalmente, mas não de fato.
Há
poucos dias, o Papa Francisco dizia em uma entrevista:
“O clericalismo é o pior mal que a Igreja pode ter, quando o pastor se torna um
funcionário”. E é verdade que há padres que entraram no seminário ou foram a um
convento, porque não queriam passar a vida como uns “Zé Ninguém” que não têm
nenhuma importância na vida. Isto acontece mais do que imaginamos.
Mas,
embora se trate de pessoas generosas e decentes, como não vão acabar sendo
meros “funcionários” indivíduos que, para cumprir com suas obrigações, têm que
ir de um lado para o outro, sempre com pressa, sem poder atender de maneira
tranquila a ninguém? E conste que me limito a recordar apenas esta causa de que
na Igreja haja tantos “clérigos funcionários”.
Não
quero entrar na raiz profunda do problema, que não é outra senão a quantidade
de indivíduos que se fazem padres porque,
no fundo, o que querem é ter um nível de vida, uma dignidade ou uma categoria
que não correspondem nem com o projeto de vida que nos é apresentado pelo
Evangelho, nem com o que deles espera e necessita a Igreja.
Além disso – e isto é o mais importante –, é a Igreja uma mera empresa de “serviços religiosos”? Como pode a Igreja ser isso se pretende manter viva a memória de Jesus de Nazaré, que foi assassinado pelos homens do sacerdócio e do Templo, os mais estritos representantes dos “serviços religiosos”?
Além disso – e isto é o mais importante –, é a Igreja uma mera empresa de “serviços religiosos”? Como pode a Igreja ser isso se pretende manter viva a memória de Jesus de Nazaré, que foi assassinado pelos homens do sacerdócio e do Templo, os mais estritos representantes dos “serviços religiosos”?
Já sei
que estas perguntas nos trazem um problema que a teologia cristã não resolveu.
Mas, há coisas que a Igreja tinha muito claro, em tempos já muito distantes, e
que hoje seria muito bom recuperar. Refiro-me concretamente a dois assuntos
capitais: a “vocação” ao ministério pastoral e a “perpetuidade” deste ministério.
A
vocação. Entende-se por “vocação” um “chamamento”, um chamado. Por isso dizemos
que vai ao seminário ou entra no noviciado quem se sente “chamado” para isso.
Mas, chamado por quem? Há séculos se vem dizendo que o bispo “ordena sacerdote”
a quem é “chamado por Deus”. Mas é claro que ocorreria a qualquer um perguntar:
e por que será que agora ocorre a Deus chamar menos pessoas precisamente nos
países mais necessitados de bons párocos, teólogos, etc.? Não. Hoje, não há
quem acredite no fato de que a vocação é um chamado de Deus. Então...?
O melhor historiador da teologia da Igreja, Yves Congar, publicou em 1966 um memorável estudo (Rev. Sc. Phil. y Théol. 50, 169-197) documentado até o último detalhe, no qual ficou demonstrado que a Igreja, desde as suas origens até o século XIII, não ordenava (sacerdote ou bispo) quem queria ser ordenado e alcançar a dignidade que isso levava consigo, mas a quem não queria.
O melhor historiador da teologia da Igreja, Yves Congar, publicou em 1966 um memorável estudo (Rev. Sc. Phil. y Théol. 50, 169-197) documentado até o último detalhe, no qual ficou demonstrado que a Igreja, desde as suas origens até o século XIII, não ordenava (sacerdote ou bispo) quem queria ser ordenado e alcançar a dignidade que isso levava consigo, mas a quem não queria.
A
vocação não era vista como um chamamento de Deus, mas da comunidade cristã, que
escolhia e nomeava a quem a assembleia considerava o mais capacitado para o
cargo. É o que se vinha fazendo nas primeiras “igrejas” já desde a missão de Paulo e Barnabé,
que designavam “votando com a mão levantada” ("cheirotonésantes") (At
14, 23) os ministros de cada comunidade.
Será
que ainda não chegou a hora de modificar a atual legislação canônica, para
recuperar as surpreendentes intuições organizativas que a Igreja viveu nas suas
origens?
A
perpetuidade. Desde a Idade Média tardia vem se repetindo na teologia
que o sacramento da ordem “imprime caráter”, um “sinal espiritual e indelével”,
que marca o sujeito para sempre (Trento, ses. VII, cânon 9. DH 1609). O
concílio quis, neste caso, definir uma “doutrina ou dogma de fé”. Porque o tema
do “caráter” foi introduzido na teologia pelos escolásticos do século XII. E,
em definitiva, a única coisa que se via como certa é que há três sacramentos –
batismo, confirmação e ordem –, que só podem ser administrados uma vez na vida,
ou seja, são irrepetíveis, como indica o citado cânon de Trento.
O importante aqui é saber que durante o primeiro milênio a Igreja ensinou e praticou de maneira insistente o que repetiram e exigiram os concílios e sínodos de toda a Europa. A saber: os clérigos, inclusive os bispos, que cometiam determinadas faltas ou escândalos (detalhados pelos concílios), eram expulsos do clero, eram privados do ministério, perdiam os poderes conferidos pela ordenação sacerdotal e, em consequência, ficavam reduzidos à condição de leigos.
O importante aqui é saber que durante o primeiro milênio a Igreja ensinou e praticou de maneira insistente o que repetiram e exigiram os concílios e sínodos de toda a Europa. A saber: os clérigos, inclusive os bispos, que cometiam determinadas faltas ou escândalos (detalhados pelos concílios), eram expulsos do clero, eram privados do ministério, perdiam os poderes conferidos pela ordenação sacerdotal e, em consequência, ficavam reduzidos à condição de leigos.
Este
critério se repetiu tantas vezes, durante mais de 10 séculos, que a Igreja se
comportava, naqueles tempos, como qualquer outra instituição que se propõe ser
exemplar. Os responsáveis, que não são exemplares, não são transferidos para
outras cidades ou trancados em um convento. Eram postos com os pés na rua. E
que se busquem a vida, como qualquer outro funcionário, que não cumpre com suas
obrigações.
Se a Igreja quer realmente acabar com os clérigos funcionários e com os clérigos escandalosos não pode depender dos juízes e tribunais civis. A própria Igreja deve tirar a chamada “dignidade sacerdotal” aos “inescrupulosos”, aos “espertinhos”, aos “aproveitadores”, que se servem da fé em Deus, da memória de Jesus e de seu Evangelho, para desfrutar de um respeito ou de uma dignidade que, na realidade, não tem nem merecem. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
Se a Igreja quer realmente acabar com os clérigos funcionários e com os clérigos escandalosos não pode depender dos juízes e tribunais civis. A própria Igreja deve tirar a chamada “dignidade sacerdotal” aos “inescrupulosos”, aos “espertinhos”, aos “aproveitadores”, que se servem da fé em Deus, da memória de Jesus e de seu Evangelho, para desfrutar de um respeito ou de uma dignidade que, na realidade, não tem nem merecem. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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