"Em uma visão evangélica, evitem se
sobrecarregar em uma pastoral de conservação, que obstaculiza a abertura à
perene novidade do Espírito. Mantenham somente o que pode servir para a
experiência de fé e de caridade do povo de Deus", afirmou o Papa Francisco ao falar na
abertura da Assembleia Geral da Conferência Episcopal Italiana - CEI, no dia de ontem,
referindo à gestão econômica dos bens da Igreja.
Citando D. Helder Câmara, o Papa, referindo-se aos padres, já que
o tema da assembleia é "A renovação do clero",
disse:
"O
povo fiel de Deus continua sendo o ventre do qual ele (o padre) é tirado, a
família em que está envolvido, a casa à qual é enviado. Essa pertença comum,
que brota do Batismo, é a respiração que liberta de uma autorreferencialidade
que isola e aprisiona: "Quando teu navio começar a criar raízes na
estagnação do cais – recordava Dom Hélder Câmara – faze-te ao
largo." Parta! E, acima de tudo, não porque você tem uma missão a cumprir,
mas porque, estruturalmente, você é um missionário: no encontro com Jesus, você
experimentou a plenitude de vida e, por isso, deseja com todo você mesmo que
outros se reconheçam n'Ele e possam conservar a Sua amizade, alimentar-se da
Sua palavra e celebrá-Lo na comunidade".
O
discurso foi publicado no sítio da Santa Sé, 16-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a íntegra do discurso.
Boa
tarde a todos (…) [O papa saúda em particular os 36 novos bispos italianos,
nomeados no último ano.]
Caros
irmãos,
O
que me deixa particularmente contente ao abrir com vocês esta Assembleia é o
tema que vocês colocaram como fio condutor dos trabalhos – "A renovação do clero" –,
na vontade de apoiar a formação ao longo das diversas fases da vida.
O Pentecostes recém-celebrado
coloca essa meta de vocês na justa luz. O Espírito Santo, de fato, continua
sendo o protagonista da história da Igreja: é o Espírito que habita em
plenitude na pessoa de Jesus e
nos introduz no mistério do Deus vivo; é o Espírito que animou a resposta
generosa da Virgem Mãe e dos Santos; é o Espírito que age nos fiéis e nos
homens de paz, e suscita a generosa disponibilidade e a alegria evangelizadora
de tantos sacerdotes.
Sem
o Espírito Santo – sabemos – não existe nenhuma chance de vida boa, nem de
reforma. Rezemos e comprometamo-nos a conservar a Sua força, para que "o
mundo do nosso tempo possa receber a Boa Nova [...] de ministros do Evangelho
cuja vida irradie fervor" (Paulo VI,
exortação apostólica Evangelii
nuntiandi, n. 80).
Nesta
tarde, não quero lhes oferecer uma reflexão sistemática sobre a figura do
sacerdote. Tentemos, em vez disso, inverter a perspectiva e nos colocar em
escuta, em contemplação. Aproximemo-nos, quase na ponta dos pés, de algum dos
tantos párocos que se consomem nas nossas comunidades; deixemos que o rosto de
um deles passe na frente dos olhos do nosso coração e perguntemos com
simplicidade: o que torna a sua vida saborosa? Por quem e por que coisa ele
empenha o seu serviço? Qual é a razão última da sua doação?
Espero
que essas perguntas possam repousar dentro de vocês no silêncio, na oração
tranquila, no diálogo franco e fraterno: as respostas que florescerem os
ajudarão a identificar também as propostas formativas para se investir com
coragem.
1. O que, portanto, dá sabor à vida
"nosso" presbítero? O contexto cultural é muito diferente daquele em
que ele deu os seus primeiros passos no ministério. Também na Itália, muitas tradições, hábitos e visões de vida foram
afetadas por uma profunda mudança de época.
Nós,
que muitas vezes nos encontramos deplorando este tempo com tom amargo e
acusatório, devemos perceber também a dureza dele: no nosso ministério, quantas
pessoas encontramos que estão ansiosas pela falta de referência para se olhar!
Quantas relações feridas! Em um mundo em que cada um se pensa como a medida de
tudo, não há mais lugar para o irmão.
Nesse
pano de fundo, a vida do nosso presbítero se torna eloquente, por ser
diferente, alternativa. Como Moisés, ele é alguém que se aproximou do fogo e deixou
que as chamas queimassem as suas ambições de carreira e poder. Ele fez uma
fogueira também da tentação de se interpretar como um "devoto", que
se refugia em um intimismo religioso que, de espiritual, tem bem pouco.
Está
descalço, o nosso padre, em relação com uma terra que ele se obstina a crer e a
considerar como santa. Ele não se escandaliza com as fragilidades que abalam a
alma humana: consciente de ser, ele mesmo, um paralítico curado, está longe da
frieza do rigorista, assim como da superficialidade daqueles que querem se
mostrar condescendentes de modo barato. Em vez disso, ele aceita se encarregar
do outro, sentindo-se partícipe e responsável pelo seu destino.
Com
o óleo de esperança e da consolação, ele se faz próximo de cada um, atento para
compartilhar o abandono e o sofrimento. Tendo aceitado não dispor de si mesmo,
não tem uma agenda para defender, mas entrega o seu tempo cada manhã ao Senhor
para se deixar encontrar pelas pessoas e ir ao seu encontro. Assim, o nosso
sacerdote não é um burocrata ou um anônimo funcionário da instituição; não é
consagrado a um papel empregatício, nem é movido pelos critérios da eficiência.
Ele
sabe que o Amor é tudo. Não busca assegurações terrenas ou títulos honoríficos,
que levam a confiar no homem; no ministério, não demanda nada para si que vá
além da necessidade real, nem está preocupado em amarrar em si mesmo as pessoas
que lhe são confiadas. O seu estilo de vida simples e essencial, sempre
disponível, o apresenta credível aos olhos das pessoas e o aproxima dos humildes,
em uma caridade pastoral que faz livres e solidários.
Servo
da vida, caminha com o coração e o passo dos pobres; é enriquecido pela sua
convivência. É um homem de paz e de reconciliação, um sinal e um instrumento da
ternura de Deus, atento a difundir o bem com a mesma paixão com que outros
cuidam dos seus interesses.
O
segredo do nosso presbítero – vocês sabem bem disto! – está naquela sarça
ardente que marca a fogo a sua existência, conquista-a e conforma-a à de Jesus Cristo, verdade definitiva da sua vida. É a relação
com Ele que o protege, tornando-o estranho à mundanidade espiritual que
corrompe, assim como a todo compromisso e mesquinhez. É a amizade com o seu
Senhor que o leva a abraçar a realidade cotidiana com a confiança de quem crê
que a impossibilidade do homem não permanece assim para Deus.
2. Assim, torna-se mais imediato
enfrentar também as outras perguntas a partir das quais começamos. Por quem o
nosso presbítero empenha o seu serviço? A pergunta, talvez, deve ser
especificada. De fato, antes mesmo de nos interrogarmos sobre os destinatários
do seu serviço, devemos reconhecer que o presbítero é tal na medida em que se
sente partícipe da Igreja, de uma comunidade concreta com a qual compartilha o
caminho.
O
povo fiel de Deus continua sendo o ventre do qual ele é tirado, a família em
que está envolvido, a casa à qual é enviado. Essa pertença comum, que brota do
Batismo, é a respiração que liberta de uma autorreferencialidade que isola e
aprisiona: "Quando teu navio começar a criar raízes na estagnação do cais
– recordava Dom Helder Câmara – faze-te ao
largo." Parta! E, acima de tudo, não porque você tem uma missão a cumprir,
mas porque, estruturalmente, você é um missionário: no encontro com Jesus, você
experimentou a plenitude de vida e, por isso, deseja com todo você mesmo que
outros se reconheçam n'Ele e possam conservar a Sua amizade, alimentar-se da
Sua palavra e celebrá-Lo na comunidade.
Aquele
que vive pelo Evangelho entra, assim, em uma partilha virtuosa: o pastor é
convertido e confirmado pela fé simples do povo santo de Deus, com o qual atua
e em cujo coração vive. Essa pertença é o sal da vida do presbítero; ela faz
com que o seu traço distintivo seja a comunhão vivida com os leigos em relações
que sabem valorizar a participação de cada um.
Neste
tempo pobre de amizade social, a nossa primeira tarefa é a de construir
comunidade; a atitude à relação, portanto, é um critério decisivo de
discernimento vocacional.
Do
mesmo modo, para um sacerdote, é vital reencontrar-se no cenáculo do
presbitério. Essa experiência – quando não é vivida de maneira ocasional nem
por força de uma colaboração instrumental – liberta dos narcisismos e dos
ciúmes clericais; faz crescer a estima, o apoio e a benevolência recíproca;
favorece uma comunhão não só sacramental ou jurídica, mas fraterna e concreta.
No
caminhar juntos como presbíteros, diversos por idade e sensibilidade,
expande-se um perfume de profecia que surpreende e fascina. A comunhão é
realmente um dos nomes da Misericórdia.
Na
reflexão de vocês sobre a renovação do clero, também se enquadra o capítulo que
diz respeito à gestão das estruturas e dos bens econômicos: em uma visão
evangélica, evitem se sobrecarregar em uma pastoral de conservação, que
obstaculiza a abertura à perene novidade do Espírito. Mantenham somente o que
pode servir para a experiência de fé e de caridade do povo de Deus.
3. Por fim, perguntamo-nos qual é a
razão última da doação do nosso presbítero. Quanta tristeza sofrem aqueles que,
na vida, estão sempre um pouco pela metade, com o pé levantado! Calculam,
sopesam, não arriscam nada por medo de se perder... São os mais infelizes! O
nosso presbítero, em vez disso, com os seus limites, é alguém que se joga até o
fim: nas condições concretas em que a vida e o ministério o puseram, ele se
oferece com generosidade, com humildade e alegria. Mesmo quando ninguém parece
notar. Mesmo quando intui que, humanamente, talvez ninguém vai lhe agradecer o
suficiente da sua doação sem medida.
Mas
– ele sabe – não poderia fazer de outra forma: ele ama a terra, que reconhece
visitada todas as manhãs pela presença de Deus. É um homem da Páscoa, do olhar
voltado ao Reino, rumo ao qual ele sente que a história humana caminha, apesar
dos atrasos, das obscuridades e das contradições.
O
Reino – a visão que Jesus tem
do homem – é a sua alegria, o horizonte que lhe permite relativizar o resto,
temperar preocupações e ansiedades, permanecer livre das ilusões e do
pessimismo; conservar a paz no coração e difundi-la com os seus gestos, as suas
palavras, as suas atitudes.
*
* *
Eis
delineada, caros irmãos, a tríplice pertença que nos constitui: pertença ao Senhor, à Igreja, ao Reino. Esse tesouro em vasos de barro deve ser conservado
e promovido! Sintam até o fim essa responsabilidade, encarreguem-se com
paciência e disponibilidade de tempo, de mãos e de coração.
Rezo
com vocês à Virgem Santa, para que a Sua intercessão os conserve acolhedores e
fiéis. Junto com os seus presbíteros, que vocês possam levar a termo a corrida,
o serviço que lhes foi confiado e com o qual vocês participam do mistério da
Mãe Igreja. Obrigado. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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