Frei James Boyce, O.Carm.
Introdução
A riqueza da tradição litúrgica
carmelitana está estritamente ligada à interessante história da própria Ordem.
O objetivo deste livreto é discutir a singularidade da liturgia carmelitana,
examinar suas festas significativas ao longo da história da Ordem e sugerir
como a liturgia carmelitana contemporânea poderia ser mais fiel à sua tradição
histórica.
Esquema do livreto
A tradição litúrgica carmelitana
divide-se convenientemente em quatro seções principais:
1-A atividade litúrgica dos
primeiros eremitas no Monte Carmelo;
2-A liturgia medieval dos
carmelitas como mendicantes, do começo do século XIV ao Concílio de Trento;
3-A liturgia Tridentina do século
XVI até o século XX;
4-A liturgia carmelitana moderna
como uma resposta ao Vaticano II.
Ainda que algumas pessoas afirmem
que um ou outro período aponta para um seguimento mais verdadeiro do carisma
carmelitano, este livreto espera mostrar que os quatro períodos demonstram um
esforço genuíno para expressar a identidade carmelitana num estilo litúrgico
apropriado.
A relação entre liturgia e espiritualidade
Muito já se discutiu sobre a
interação entre liturgia e espiritualidade[i] bem como as
distinções entre as diversas abordagens que ordens religiosas deram à sua
própria definição de liturgia. Liturgia diz respeito à oração pública da
comunidade orante e não à oração particular de seus membros.[ii] Mas, ao mesmo
tempo, as festas celebradas por uma determinada comunidade orante revelam os
valores partilhados e os modelos que abraçaram, de modo que a liturgia também
revela a vida espiritual dos participantes. No caso dos carmelitas, o
desenvolvimento de sua tradição litúrgica permitiu que eles venerassem seus
exemplos de vida e honrassem os membros que alcançaram a santidade.
O caráter evolutivo da espiritualidade litúrgica carmelitana
A espiritualidade litúrgica
carmelitana evoluiu mais do que a liturgia da maioria das Ordens por duas
razões:
Eles não tinham um fundador
específico cujas virtudes pudessem ser facilmente imitadas ou que tenha dado
opiniões específicas sobre a liturgia;
sua auto-compreensão mudou
radicalmente quando abandonaram o estilo de vida eremítico num único local, o
Monte Carmelo, tornando-se uma Ordem mendicante internacional.
A velocidade com que esta mudança
radical se realizou, uns cinquenta anos desde o recebimento de uma Regra,
complicou a compreensão de sua identidade e a maneira de expressá-la
liturgicamente.
Os carmelitas são designados pelo
seu lugar de origem, em vez de serem identificados pelo fundador. O local do
Monte Carmelo, além da tradição de santidade, associados a tantos grupos
diferentes que lá viveram, modelou a auto- compreensão carmelitana.[iii] Os nomes dos membros fundadores nunca foram
registrados, exceto B e seus seguidores, a quem a Regra foi endereçada.[iv] Isto teve o efeito de libertar os carmelitas
para formularem e determinarem seu próprio impulso espiritual, em vez de se
ajustarem à direção de um fundador. Na ausência de um fundador, cuja memória e
desejos precisariam ser honrados depois de sua morte, os carmelitas tiveram a
liberdade de se adaptar continuamente às exigências da Igreja oficial, enquanto
aprofundavam a consciência de sua identidade litúrgica e espiritual.
Isto justifica a ausência de
qualquer festa específica para um fundador canonizado, equivalente a São
Domingos ou São Francisco, em sua liturgia medieval. Sua auto-definição foi um
processo lento e evolutivo, de modo que as festas especificamente carmelitanas
como a dos santos Elias e Eliseu, ou mesmo a de Nossa Senhora do Monte Carmelo
demoraram para ser formuladas e, geralmente, não aparecem nos ofícios
litúrgicos carmelitanos medievais.
As rápidas mudanças que ocorreram
desde o começo da Ordem, quando eles mudaram de um estilo de vida eremítico
para o mendicante, estimulou-os a refletir constantemente sobre suas origens,
adaptando sua vida litúrgica e espiritual às necessidades de uma Igreja em
transformação. Em vez de retornarem a costumes mais antigos, tais como os do
Monte Carmelo, os carmelitas tiveram que se adaptar a uma nova situação,
preservando neste processo a essência de sua auto- compreensão.
[i] Madigan (1988) discute esta questão.
[ii] Livros padronizados sobre liturgia incluem
Adam (1985 e 1981), Talley (1986), Vogel (1986), Wegman (1985), Harper (1991) e
Jungmann (1959).
[iii] Friedman (1979) discute os vários grupos que
se estabeleceram no Monte Carmelo em diferentes épocas.
[iv] Clarke e Edwards (1973), p. 12.
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