2Ts 3,7 “Vocês sabem como devem
imitar-nos: nós não ficamos sem fazer nada quando estivemos entre vocês,
8 nem pedimos a ninguém o pão
que comemos; pelo contrário, trabalhamos com fadiga e esforço, noite e dia,
para não sermos um peso para nenhum de vocês.
9 Não porque não tivéssemos
direito a isso, mas porque nós quisemos ser um exemplo para vocês imitarem.
10 De fato, quanto estávamos
entre vocês, demos esta norma: quem não quer trabalhar, também não coma.
11 Ouvimos dizer que entre vocês
existem alguns que vivem à toa, sem fazer nada e em contínua agitação.
12 A essas pessoas mandamos e
pedimos, no Senhor Jesus Cristo, que comam o próprio pão, trabalhando em paz.
Quanto a vocês, irmãos, não se cansem de fazer o bem”. (Ver
também o capítulo 20 da Regra onde este texto é citado).
SERVIR E TRABALHAR
Como resultado da aprovação da
Regra pelo Papa Inocêncio IV, os carmelitas se colaram à serviço da Igreja
(Cons. Art. 10). De acordo com a Regra, somos chamados em primeiro lugar ao
serviço. Servimos a Jesus Cristo fielmente, com um coração puro e uma
consciência serena (Regra 1). O serviço no meio do povo é um elemento essencial
de nosso carisma de acordo com a Ratio: “Somos
chamados a dar uma expressão concreta à missão de evangelização e de salvação
em união com o Senhor e com sua Igreja, para que todos possam receber a
mensagem do evangelho e tornar-se parte da família de Deus” (Ratio, 8).
Como carmelitas não estamos
ligados a nenhum trabalho apostólico específico. Isso tem sido uma grande
bênção através dos séculos porque fomos capazes de nos adaptar às mudanças do
tempo. Devemos revelar o amor de Deus em todos os nossos trabalhos pela
humanidade. Podemos fazer isso de diferentes maneiras.
Um elemento de nosso carisma que
não foi muito desenvolvido é o papel de São Paulo na Regra. Ele é muito citado
na Regra e é apresentado aos carmelitas como um modelo para o trabalho. O
capítulo 20 da Regra diz: “Vocês devem
fazer algum trabalho, para que o diabo sempre os encontre ocupados e não
consiga, através da ociosidade de vocês, encontrar alguma brecha para penetrar
nas suas almas. Nisto vocês têm o ensinamento e o exemplo de São Paulo
apóstolo, por cuja boca Cristo falava e que por Deus foi constituído e dado
como pregador e mestre dos gentios na fé e na verdade. Se seguirem a ele, não
poderão desviar-se”. Continua citando o texto da Escritura que mencionamos
no começo tirado da segunda carta aos Tessalonicenses.
Em seu livro, “O Espaço Místico
do Carmelo”, Kees Waaijman reflete porque o exemplo de São Paulo é tão
enfatizado na Regra. Sua resposta é que Paulo dá o exemplo de como os cristãos
devem trabalhar neste mundo enquanto se voltam para o Fim dos tempos. No livro
do Gênesis, o trabalho é visto como uma punição imposta aos seres humanos por
Deus (3,17-19). No Eclesiastes o trabalho é considerado tormento e vaidade
(2,18-23). Para o salmista do Salmo 104, o trabalho é um modo de se unir a Deus
na criação das coisas baseado na sabedoria de Deus (v. 23-24). O Salmo 8 vê os
seres humanos como representantes de Deus. A humanidade governa a criação da
parte de Deus e em nome de Deus. O trabalho humano é visto a partir de uma
variedade de perspectivas. Em Tessalônica, Paulo deparou-se com um problema.
Algumas pessoas estavam tão convencidas que o Fim era iminente que pararam de
trabalhar e atrapalhavam as outras pessoas. Ele adverte aos cristãos daquela
cidade e a nós que o trabalho é muito importante. Não devemos trabalhar para
construir nosso próprio pequeno reino. Em vez disso, nosso trabalho deve ser
preparar a vinda do Reino de Deus.
A questão do motivo para nosso
trabalho emerge da idéia de trabalho na Regra. O trabalho de Paulo estava
voltado para construir o Corpo de Cristo. Para não ser um fardo e não dar
oportunidade a seus inimigos de levarem as pessoas para o mau caminho, ele se
recusou a receber o que tinha direito como emissário do Evangelho. Então, ele
trabalhou noite e dia. A maioria de nós trabalha muito. Aqueles que não
trabalham e interferem no trabalho dos outros, podem simplesmente ler novamente
a Regra e as passagens de São Paulo lá citadas. Contudo, peço àqueles que
trabalham, que voltem sua reflexão para os motivos que os levam a realizar tal
trabalho.
O falso eu, que é a parte egoísta
de cada um de nós, deve morrer para que tenhamos vida. O falso eu enfoca uma
única pessoa e é muito sutil. A jornada espiritual carmelitana trata da
transformação em Cristo.
Essa transformação não é simplesmente uma mudança do
comportamento exterior. Ela atinge as raízes de nossa existência e transforma
nossa motivação. Seguimos em frente, vendo como Deus vê e amando como Deus ama.
Nosso modo de ser e de amar é distorcido sob a influência do falso eu.
AS TENTAÇÕES DE JESUS
Aparentemente, Jesus passou um
longo tempo se preparando para sua missão, cerca de 30 anos. Ele trabalhou como
carpinteiro (Mc 6,3). Essa experiência não facilitou a aceitação de sua
mensagem por certos setores da sociedade. Antes de anunciar sua missão na
sinagoga de Nazaré, Jesus passou algum tempo comungando com seu Pai na solidão
do deserto (Lc 4,1-13). Ele foi tentado pelo diabo e as três tentações
principais são muito instrutivas para nós porque tocam o âmago de sua
identidade e de sua missão. Elas também podem falar muito sobre nós mesmos e
irradiar luz sobre nossa missão.
A primeira tentação diz respeito
a autocompreensão de Jesus como o Filho de Deus: “Se tu és Filho de Deus, manda que essa pedra se torne pão”. Jesus
poderia abusar de seu poder divino em seu próprio benefício e fazer sua própria
vontade em vez da vontade do Pai? Todos nós estamos numa jornada de
transformação. Essa é normalmente uma longa jornada com muitas curvas e desvios
enquanto tudo que é falso dentro de nós gradualmente se transforma em Cristo. A tradição
carmelitana fala da noite escura, que é um grande bênção de Deus. É o momento em que Deus está alcançando
as partes escondidas de nossos corações para nos transformar completamente. A
noite escura não é tão escura. Pelo contrário, ela é brilhante, muito brilhante
para nós e por isso nos parece escura. Esta sala pode parecer bem limpa, mas se
trouxermos algumas lâmpadas super poderosas, veremos então toda sujeira que não
é visível a olho nu.
Não iniciamos a jornada
espiritual como se já estivéssemos transformados. Somos marcados por nossa natureza
decadente e, por isso, somos fundamentalmente egoístas não importa o quanto nos
sentimos ou parecemos santos para os outros. São João da Cruz ressalta as
muitas faltas do iniciante em seu livro “A Noite Escura” para que ele ou ela
perceba que a perfeição ainda está distante. O falso eu se concentra totalmente
na realização de suas necessidades e desejos egoístas. É vital compreender que
o falso eu não é destruído simplesmente porque começamos a levar Deus a sério.
O falso eu é bem feliz numa situação religiosa desde que possa usar este
ambiente para realizar seus próprios desejos.
A primeira tentação de Cristo no
deserto também está dirigida a nós. Como usaremos os dons e talentos que nos
foram dados, em nosso benefício ou em prol do Reino de Deus?
Lembre-se que o falso eu é muito
desonesto. Posso servir as pessoas de forma que não as liberte para serem
cidadãos do Reino de Deus, mas para que se tornem cada vez mais dependentes de
mim. A jornada espiritual alcança as profundezas escondidas do coração humano e
purifica o coração de tudo o que não é Deus. Temos a tendência de pensar que
somos generosos e que nos dedicamos no serviço ao próximo, mas isso certamente
não é verdade no início de nosso ministério.
É importante lembrar as palavras
do sábio:
“Meu filho, se você se apresenta para servir ao Senhor, prepare-se para
a provação. Tenha coração reto, seja constante e não se desvie no tempo da
adversidade. Una-se ao Senhor e não se separe, para que você no último dia seja
exaltado. Aceite tudo o que lhe acontecer, e seja paciente nas situações
dolorosas, porque o ouro é provado no fogo e as pessoas escolhidas, no forno da
humilhação. Confie no Senhor, e ele o ajudará; seja reto o seu caminho, e
espere no Senhor” (Eclo 2,1-6).
A razão para esse teste é que
precisamos ser purificados para que sejamos capazes de servir aos outros de
coração puro. Contudo, não iniciamos a jornada com um coração puro. Trata-se de
um processo gradual. Muitas vezes nossa oração será seca, mas isso não
significa que Deus não esteja falando conosco. Deus normalmente fala fora do
tempo da oração em meio à nossa vida diária. Na medida em que o Reino de Deus
já está presente no mundo, podemos estar amorosamente conscientes da presença
de Deus. Mas na medida em que ele ainda não está presente, devemos estar
amargamente conscientes da ausência de Deus. No entanto, não podemos estar
conscientes da ausência de Deus (ou aparente ausência porque Deus não está
ausente de lugar algum) a menos que tenhamos experimentado a presença de Deus.
Experimentamos a presença de Deus na oração. É na oração que Cristo forma em
nós sua própria mente e coração. Essa experiência permite que nos tornemos
constantemente conscientes da presença de Deus na realidade que nos cerca,
mesmo nas situações menos prováveis.
É durante o tempo da oração que
Deus purifica nossos sentidos espirituais para que sejamos capazes de discernir
sua voz em meio a tantas outras vozes que ouvimos a cada dia. Às vezes, Deus
usa palavras de consolo, mas às vezes também nos aponta algo que necessita ser
modificado. É vital que aceitemos isso e que façamos algo sobre isso, do
contrário não cresceremos. Sem dúvida, nosso falso eu fará uso de todos os
tipos de argumentos para não mudar e isso parecerá razoável. Devo permitir que
qualquer emoção forte se acalme e, então, perguntar a mim mesmo o que posso
aprender com o que foi dito ou com o que aprendi sobre mim mesmo. Seria
proveitoso perguntar por que surgiram essas emoções fortes? Lentamente me
desligarei de minhas próprias opiniões, do meu jeito de fazer as coisas e serei
capaz de discernir o que Deus está me dizendo.
A segunda tentação de Jesus no
deserto dirige-se ao desejo do ser humano pelo poder. Todos têm algum poder.
Mesmo se estamos na base da pirâmide, ainda podemos chutar o cachorro! Todos os
reinos da terra e suas riquezas são oferecidos a Jesus, mas ele recusa e
reitera mais uma vez seu compromisso com a vontade de seu Pai. Estamos tentando
realizar a vontade de quem em nosso ministério? Portanto, a purificação de
nossa motivação é importante para que qualquer poder ou autoridade que
tenhamos, por menor que pareça, seja usada para a glória de Deus e não para
nossa própria glória.
A terceira e última tentação de
Jesus no deserto é realizar maravilhas para atrair a admiração das multidões.
Jesus realmente realiza milagres, mas sempre como sinais da presença do Reino
de Deus e não para chamar atenção sobre si mesmo. No final de seu ministério
público, ele foi desafiado a descer da cruz para que o povo acreditasse nele.
Ele permaneceu na cruz, dando sua vida para a salvação do mundo.
SERVIR NA ESPERANÇA
O falso eu concentra-se em si
mesmo. Ele é fundamentalmente egoísta. Como nas tentações anteriores, somos
desafiados a nos questionar sobre nossas ações. Jesus nos diz no Evangelho para
não julgar. A razão para isso é bem simples: não sabemos qual a motivação de
uma pessoa e todas as circunstâncias que a levaram a agir. A advertência para
não julgar geralmente é compreendida num sentido negativo, isto é, para não
julgar alguém negativamente. No entanto, também podemos estar errados se
julgarmos positivamente. É compreensível considerarmos que alguém que cuida dos
enfermos é um cristão maravilhoso, muito melhor do que alguém cujo trabalho não
conhecemos. Contudo, não sabemos porque a pessoa cuida dos enfermos. É possível
realizar boas obras pelos motivos errados como, por exemplo, usar outras
pessoas para chamar atenção para si mesmo. Então é melhor deixar todo
julgamento para o Senhor. Acredito que teremos uma ou duas surpresas!
O coração humano é muito sutil e
requer uma purificação profunda. Esse é o propósito da jornada espiritual. Ao
crescermos mais e mais à semelhança de Cristo, aprendemos a nos ver como
realmente somos. Somos chamados a servir as pessoas como comunidades
contemplativas. Respondendo ao chamado de Cristo para segui-lo, empenhamo-nos a
assumir sua visão e valores. No entanto, logo descobrimos que somos incapazes
de viver de acordo com nossos ideais sozinhos. Ao amadurecermos em nosso
relacionamento com Deus, damos espaço para que Deus nos purifique. Assim
começamos a ver como Deus vê e a amar como Deus ama. Esse modo de ver e amar é
doloroso para o ser humano porque requer uma transformação radical do coração.
O clamor do pobre penetrará em nossas defesas e nossa resposta, livre da
distorção do falso eu, virá de um coração puro.
No início de Regra (cap. 2),
Santo Alberto diz que, como todos os cristãos, nos empenhamos à serviço do
Mestre. Mas adiante, ele nos dá o exemplo de São Paulo, que trabalhou
incansavelmente e sem medo por Cristo e não em nome de sua própria reputação.
No final da Regra, parece que estamos diante de um outro modelo, o do
estalajadeiro na história do Bom Samaritano. Kees Waaijman comenta sobre o
paralelismo entre a história e a Regra: “Se
alguém fizer mais do que o prescrito, o Senhor mesmo lhe retribuirá quando
voltar” (Regra 24). Ele afirma que esse ‘mais’ não se refere àqueles que
têm maior generosidade e zelo, mas é uma proposta para todos os carmelitas.
Precisamos trabalhar como o estalajadeiro, não com os olhos na recompensa, mas
prestando atenção naquele dia, talvez muito distante, quando o Mestre
retornará.
“Os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano
concebeu o que Deus reservou para aqueles que o amam”.
Perguntas para reflexão:
Pessoal:
1-Como você trabalha para a vinda
do Reino de Deus?
2-Releia as tentações de Jesus
(Lc 4,1-13). Como você responde à tentação em seu ministério?
Em Grupo:
1-Qual é a missão da Ordem
Terceira do Carmo, e como ela pode ser melhorada?
2- Qual é o programa de formação permenente
que permite que os membros da Ordem Terceira do Carmo trabalhem para a vinda do Reino de Deus?
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