Religiosos
criticam a propaganda, mas consideram pedido de boicote "exagerado
demais". Comercial do Boticário testa o risco de tomar posição no Brasil
Amanda Ornelas e o namorado, Luis
Henrique, decidiram aproveitar o feriado de sol em São Paulo para acompanhar
milhares —340.000, de acordo com a Polícia Militar—, na Marcha para Jesus 2015, uma tradicional
passeata anual convocada por denominações evangélicas, o grupo religioso que
mais cresce no Brasil. Na zona norte da cidade, Amanda, 18, e Luis Henrique,
21, vestidos com a camisa do evento em azul forte, comentaram o tema que
deflagrou disputa nas redes sociais nesta semana: a propaganda do Boticário com
casais gays. “Acho que é errado passar em um horário que crianças possam ver”,
lançou Luis Henrique, que não gostou do comercial. “Mas a verdade é que tem
coisa bem pior na TV.” “Mesmo se o meu pastor pedisse, eu não faria, não penso
em deixar de usar os produtos deles”, disse ela, sobre a decisão do pastor
Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus, uma das mais fortes e influentes
denominações evangélicas do Brasil, de gravar um vídeo conclamando os fiéis a
boicotar a marca de cosméticos. “Se alguém quiser me dar um desodorante deles
eu aceito, porque estou precisando”, brincou o pai de Amanda, Orlando.
O tom mais ameno da família, em
comparação à agressiva disputa virtual em torno do tema, foi o que prevaleceu.
A pedagoga Renata Ferreira Dauta, 43, que frequenta a igreja Renascer em
Cristo, disse apoiar a presença de gays em comerciais. “Achei [a propaganda de
O Boticário] atual. Hoje em dia tem que abordar de tudo, não dá para deixar a
questão do homossexualismo de fora”. Quanto ao boicote, Renata diz que “por
mais que o Malafaia peça, os fiéis não vão deixar de comprar. Até porque, se
for para boicotar empresas que apoiam gays, teria que deixar de lado muitas
marcas”.
“O pastor Silas é muito rígido. É óbvio
que não gostei da propaganda, mas deixar de comprar uma marca por isso também
não é o caso”, concordou Ideli Maria de Souza, 50, também na marcha. Ela conta
que uma sobrinha de seis anos viu a propaganda e lhe perguntou o porque de dois
homens trocando presentes: “Eu não soube responder. Pedi para que ela fosse
perguntar para os pais dela”.
A rejeição ao boicote, apesar do
incômodo provocado pelo reclame, pode ser lido como um sinal de alento para o
Boticário, que resolveu testar, em propagandas na TV aberta, o risco de tomar
posição num tema que desagrada as lideranças dos evangélicos. Segundo o
levantamento do Censo 2010, os dados mais recentes disponíveis, a população
evangélica no Brasil passou de 15,4% em para 22,2% em dez anos. São 42,3
milhões de pessoas, um eleitorado considerável, menor apenas que os católicos,
que movimentam um mercado que se segmenta para agradá-los, de roupa à música e
até experimentos em redes sociais.
Na loja de O Boticário da rodoviária do
Tietê, não muito longe da Marcha de Jesus, os funcionários não estavam
interessados —ou autorizados— a comentar a polêmica. Durante a visita do EL
PAÍS, o casal Steffani Ortiz e Jessica Thawani, as duas de 17 anos, mostraram a
outra ponta da história. “Comprei um presentinho de Dia dos Namorados para
ela”, afirma Jessica, que é evangélica. Ela e Steffani gostaram da propaganda,
mas com ressalvas. “Eu por exemplo, que tenho uma identidade de gênero e um
jeito de me vestir mais masculino, não me sinto muito representada”, seguiu
Jéssica.
"Não vou mentir: me desagrada ver
gays se beijando, a bíblia fala que é errado. Mas também é errado agredi-los”,
diz, distraída com a vitrine, Josida Maria da Silva, 57, frequentadora da igreja Assembleia de Deus, a de Malafaia.
Sobre o pastor, ela diz: "Como eu disse para você, eu gosto da
marca".
Luciano Siqueira, gay de 29 anos, deixa
a loja, satisfeito, de sacola na mão - um presente para a prima. Para ele, a
propaganda com casais gays da marca tem efeito pedagógico na população: “As
pessoas precisam ver casais homossexuais na TV e nas ruas até se acostumar.
Essa história de boicote é coisa de quem não tem mais o que fazer. Com tanto
problema sério por aí as pessoas vão querer se preocupar com a vida dos
outros?”. Fonte: http://brasil.elpais.com
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