(6 de Abril de 2015 - IV Domingo de
Páscoa)
Tema: “O êxodo, experiência fundamental
da vocação”
Amados
irmãos e irmãs!
O IV Domingo de Páscoa apresenta-nos o
ícone do Bom Pastor, que conhece as suas ovelhas, chama-as, alimenta-as e
condu-las. Há mais de 50 anos que, neste domingo, vivemos o Dia Mundial de
Oração pelas Vocações. Este dia sempre nos lembra a importância de rezar para
que o «dono da messe – como disse Jesus aos seus discípulos – mande
trabalhadores para a sua messe» (Lc 10, 2). Jesus dá esta ordem no contexto dum
envio missionário: além dos doze apóstolos, Ele chamou mais setenta e dois
discípulos, enviando-os em missão dois a dois (cf. Lc 10,1-16). Com efeito, se
a Igreja «é, por sua natureza, missionária» (Conc. Ecum. Vat. II., Decr. Ad
gentes, 2), a vocação cristã só pode nascer dentro duma experiência de missão.
Assim, ouvir e seguir a voz de Cristo Bom Pastor, deixando-se atrair e conduzir
por Ele e consagrando-Lhe a própria vida, significa permitir que o Espírito
Santo nos introduza neste dinamismo missionário, suscitando em nós o desejo e a
coragem jubilosa de oferecer a nossa vida e gastá-la pela causa do Reino de
Deus.
A oferta da própria vida nesta atitude
missionária só é possível se formos capazes de sair de nós mesmos. Por isso,
neste 52º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, gostaria de reflectir
precisamente sobre um «êxodo» muito particular que é a vocação ou, melhor, a
nossa resposta à vocação que Deus nos dá. Quando ouvimos a palavra «êxodo», ao
nosso pensamento acodem imediatamente os inícios da maravilhosa história de
amor entre Deus e o povo dos seus filhos, uma história que passa através dos dias
dramáticos da escravidão no Egipto, a vocação de Moisés, a libertação e o
caminho para a Terra Prometida. O segundo livro da Bíblia – o Êxodo – que narra
esta história constitui uma parábola de toda a história da salvação e também da
dinâmica fundamental da fé cristã. Na verdade, passar da escravidão do homem
velho à vida nova em Cristo é a obra redentora que se realiza em nós por meio
da fé (Ef 4, 22-24). Esta passagem é um real e verdadeiro «êxodo», é o caminho
da alma cristã e da Igreja inteira, a orientação decisiva da existência para o
Pai.
Na raiz de cada vocação cristã, há este
movimento fundamental da experiência de fé: crer significa deixar-se a si
mesmo, sair da comodidade e rigidez do próprio eu para centrar a nossa vida em
Jesus Cristo; abandonar como Abraão a própria terra pondo-se confiadamente a
caminho, sabendo que Deus indicará a estrada para a nova terra. Esta «saída»
não deve ser entendida como um desprezo da própria vida, do próprio sentir, da
própria humanidade; pelo contrário, quem se põe a caminho no seguimento de
Cristo encontra a vida em abundância, colocando tudo de si à disposição de Deus
e do seu Reino. Como diz Jesus, «todo aquele que tiver deixado casas, irmãos,
irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes
mais e terá por herança a vida eterna» (Mt 19, 29). Tudo isto tem a sua raiz
mais profunda no amor. De facto, a vocação cristã é, antes de mais nada, uma
chamada de amor que atrai e reenvia para além de si mesmo, descentraliza a
pessoa, provoca um «êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua
libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si
mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus» (Bento XVI, Carta enc. Deus
caritas est, 6).
A experiência do êxodo é paradigma da
vida cristã, particularmente de quem abraça uma vocação de especial dedicação
ao serviço do Evangelho. Consiste numa atitude sempre renovada de conversão e
transformação, em permanecer sempre em caminho, em passar da morte à vida, como
celebramos em toda a liturgia: é o dinamismo pascal. Fundamentalmente, desde a
chamada de Abraão até à de Moisés, desde o caminho de Israel peregrino no
deserto até à conversão pregada pelos profetas, até à viagem missionária de
Jesus que culmina na sua morte e ressurreição, a vocação é sempre aquela acção
de Deus que nos faz sair da nossa situação inicial, nos liberta de todas as
formas de escravidão, nos arranca da rotina e da indiferença e nos projecta
para a alegria da comunhão com Deus e com os irmãos. Por isso, responder à
chamada de Deus é deixar que Ele nos faça sair da nossa falsa estabilidade para
nos pormos a caminho rumo a Jesus Cristo, meta primeira e última da nossa vida
e da nossa felicidade.
Esta dinâmica do êxodo diz respeito não
só à pessoa chamada, mas também à actividade missionária e evangelizadora da
Igreja inteira. Esta é verdadeiramente fiel ao seu Mestre na medida em que é
uma Igreja «em saída», não preocupada consigo mesma, com as suas próprias
estruturas e conquistas, mas sim capaz de ir, de se mover, de encontrar os
filhos de Deus na sua situação real e compadecer-se das suas feridas. Deus sai
de Si mesmo numa dinâmica trinitária de amor, dá-Se conta da miséria do seu
povo e intervém para o libertar (Ex 3, 7). A este modo de ser e de agir, é
chamada também a Igreja: a Igreja que evangeliza sai ao encontro do homem,
anuncia a palavra libertadora do Evangelho, cuida as feridas das almas e dos
corpos com a graça de Deus, levanta os pobres e os necessitados.
Amados irmãos e irmãs, este êxodo
libertador rumo a Cristo e aos irmãos constitui também o caminho para a plena
compreensão do homem e para o crescimento humano e social na história. Ouvir e
receber a chamada do Senhor não é uma questão privada e intimista que se possa
confundir com a emoção do momento; é um compromisso concreto, real e total que
abraça a nossa existência e a põe ao serviço da construção do Reino de Deus na
terra. Por isso, a vocação cristã, radicada na contemplação do coração do Pai,
impele simultaneamente para o compromisso solidário a favor da libertação dos
irmãos, sobretudo dos mais pobres. O discípulo de Jesus tem o coração aberto ao
seu horizonte sem fim, e a sua intimidade com o Senhor nunca é uma fuga da vida
e do mundo, mas, pelo contrário, «reveste essencialmente a forma de comunhão
missionária» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 23).
Esta dinâmica de êxodo rumo a Deus e ao
homem enche a vida de alegria e significado. Gostaria de o dizer sobretudo aos
mais jovens que, inclusive pela sua idade e a visão do futuro que se abre
diante dos seus olhos, sabem ser disponíveis e generosos. Às vezes, as
incógnitas e preocupações pelo futuro e a incerteza que afecta o dia-a-dia
encerram o risco de paralisar estes seus impulsos, refrear os seus sonhos, a
ponto de pensar que não vale a pena comprometer-se e que o Deus da fé cristã limita
a sua liberdade. Ao invés, queridos jovens, não haja em vós o medo de sair de
vós mesmos e de vos pôr a caminho! O Evangelho é a Palavra que liberta,
transforma e torna mais bela a nossa vida. Como é bom deixar-se surpreender
pela chamada de Deus, acolher a sua Palavra, pôr os passos da vossa vida nas
pegadas de Jesus, na adoração do mistério divino e na generosa dedicação aos
outros! A vossa vida tornar-se-á cada dia mais rica e feliz.
A Virgem Maria, modelo de toda a
vocação, não teve medo de pronunciar o seu «fiat» à chamada do Senhor. Ela
acompanha-nos e guia-nos. Com a generosa coragem da fé, Maria cantou a alegria
de sair de Si mesma e confiar a Deus os seus planos de vida. A Ela nos
dirigimos pedindo para estarmos plenamente disponíveis ao desígnio que Deus tem
para cada um de nós; para crescer em nós o desejo de sair e caminhar, com
solicitude, ao encontro dos outros (cf. Lc 1, 39). A Virgem Mãe nos proteja e
interceda por todos nós.
Vaticano,
29 de Março de 2015.
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