Em agosto de 2014, ao voltar da sua
viagem à Coreia do Sul, o Papa Francisco queria parar no Curdistão, uma área
incrustada entre a Síria, a Turquia, o Iraque e o Irã. Ele tinha a intenção de
lançar também de lá o seu apelo em favor dos cristãos do Oriente Médio,
massacrados pelos fundamentalistas islâmicos. Mas os serviços secretos o
pararam, listando para ele os perigos que a mudança de programa representaria.
O episódio volta à tona nestes dias, enquanto os temores sobre a sua segurança
aumentaram imperceptivelmente. A reportagem é de Massimo Franco, publicada no
jornal Corriere della Sera, 20-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Talvez seja só um reflexo da
desorientação psicológica, além de geopolítica, do Ocidente. São os vídeos dos
reféns decapitados pelos carrascos do Isis, o Estado Islâmico que já está
superando em crueldade a Al-Qaeda; e que, além de fazer seguidores na Europa,
alimenta os temores de um ataque contra o pontífice que uniu em oração
católicos, judeus, muçulmanos e ortodoxos.
Assim, aos fantasmas do atentado do
turco Ali Agca contra João Paulo II em maio de 1981, justamente na Praça de São
Pedro, no meio da multidão, soma-se o fantasma de uma ação subversiva do
fundamentalismo islâmico. A dúvida de que algo pode acontecer paira desde que
ele se tornou papa.
A escolha de viver na Casa Santa Marta,
altamente simbólica, é uma incógnita. É um hotel, embora único, e, portanto,
recebe de fora os fornecimentos de massas, pães, carnes. É um pequeno porto de
mar, embora supercontrolado, separado da Itália apenas pelos muros que levam à
Via di Porta Cavalleggeri. Portanto, teoricamente, o perigo aumenta. Somam-se
as audiências nas quais o papa busca encontrar e entreter-se com o máximo de
pessoas possível.
Carro
blindado e agentes secretos
Em suma, alguns motivos de apreensão se
justificam, porque, além disso, Francisco vive com um toque de impaciência as
medidas de segurança. A Gendarmeria vaticana sabe algo disso, pois, no início,
custou para convencer o primeiro pontífice argentino a aceitar o mínimo de
prevenção.
"Subam vocês no carro
blindado!", contam que foi assim que ele acolheu a primeira oferta de
proteção, rotineira, contudo. Durante a visita à paróquia de Tor Sapienza, na
periferia romana, em dezembro de 2013, ele disse do púlpito: "Se alguma
coisa perturbou vocês com essa visita, talvez um excesso de segurança, saibam
que eu não concordo com isso, concordo com vocês".
E, alguns meses depois, quando decidiu
ir visitar um amigo protestante em Caserta, na Campania, não foi fácil fazer
com que ele entendesse que usar o carro em vez do helicóptero envolveria
problemas maiores: Autostrada del Sole congestionada, escolta policial, postos
de bloqueio. No fim, ele se adaptou a um pequeno helicóptero.
Ele não é um papa muito
"manejável", embora tenha se acostumado a conviver com os imperativos
da prevenção e a aceitá-los. Parece que até mesmo os seus colaboradores às
vezes brinquem com ele sobre as ameaças de morte. "Santo Padre, ainda não
o mataram hoje?", zombam, superando o temor reverencial que, mesmo assim,
ele incute.
"Jorge, protegem-no o
suficiente?", gritam-lhe os compatriotas nas audiências, sob os olhos
inquietos dos agentes secretos com o fone de ouvido, estrategicamente dispostos
à distância em torno dele, mesmo no adro da Praça de São Pedro.
O pontífice impôs um modelo de
religiosidade que significa a destruição de qualquer barreira entre o papa-rei
e os seus súditos: um estilo que o tornou um mito das multidões e um alvo
terrorista potencialmente "fácil".
A
bandeira preta no obelisco
Além disso, a Dabiq, a revista online do
Isis, divulgada desde julho até na Europa, em diversos idiomas, em outubro de
2014 colocou na sua capa digital uma fotomontagem. Exibe uma imagem da Praça de
São Pedro, com o obelisco encimado pela sua bandeira preta e o título: "A
Cruzada fracassada".
O Isis promete não parar a jihad, a
guerra santa do Islã, "enquanto nos encontrarmos sob as oliveiras de Roma
e tivermos destruído aquele edifício obsceno que se chama Casa Branca". O
nome da revista é altamente simbólico. Dabiq é o vilarejo sírio onde, em 1516,
os otomanos derrotaram os mamelucos, consolidando o último califado da história.
E as suas ameaças são levadas a sério.
Nas embaixadas ocidentais em Roma
sente-se uma certa inquietação. Entre os diplomatas, trocam-se impressões que
dão corpo aos cenários mais obscuros. Mas os serviços de segurança italianos e
vaticanos parecem ser mais cautelosos.
Analisando a revista Dabiq, a sensação
da inteligência é que, com as suas proclamações, o Isis (acrônimo para Islamic
State of Iraq and Syria) está falando principalmente para dentro do mundo
muçulmano, para impôr o primado sunita contra os odiados xiitas e credenciar-se
como o único verdadeiro inimigo do Ocidente.
Mas não existem indícios de atentados
flagrantes sendo preparados pelo grupo terrorista. O único temor é de que algum
filiado europeu, por imitação, prepare uma ação demonstrativa faça-você-mesmo:
talvez utilizando um drone pilotado sobre a Praça de São Pedro durante uma
audiência. "Por enquanto", explicam, "o perigo não é o de
grandes atentados, mas o da atomização da subversão".
O
nó de Santa Marta
São informações semelhantes às que
circulam nos centros de estudo sobre o antiterrorismo, de Washington a Londres.
Foram examinados documentos e relatórios que falam de ameaças ao papa. Mas
ainda não são considerados fortes o suficiente como validar a tese de um plano
sofisticado em incubação ou de uma ameaça concreta.
A sensação dos analistas é que, por
enquanto, o Isis está concentrando os seus assassinatos na Mesopotâmia, sem
sair daquelas fronteiras religiosas e geográficas: embora exorte os seus
seguidores europeus a atacar, e o número de terroristas ingleses e franceses
"alistados" pela organização dá calafrios.
Mas o pontífice continua levando a vida
de sempre. Uma dos aspectos que as pessoas que trabalham com ele apontam é que
ele quer ser dono do seu tempo e da sua agenda, cioso da sua liberdade.
Uma vez, o cardeal norte-americano
Timothy Dolan explicou em uma entrevista que Francisco deverá se acostumar com
as restrições necessárias para garantir a sua incolumidade pessoal: ele mesmo
havia se resignado a isso quando era presidente dos bispos norte-americanos.
Mas não está claro o quanto o pontífice
realmente está adaptado para isso. Um cardeal italiano que conhece bem a Casa
Santa Marta defende há muito tempo que, mais cedo ou mais tarde, poderia
acontecer alguma coisa a ponto de sugerir a transferência do papa para o
apartamento papal no Palácio Apostólico: aquele ocupado pelos seus
antecessores, hoje vazio, até por ser identificado com as intrigas e os
escândalos do Vatileaks: o furto de documentos confidenciais de Bento XVI,
cometido pelo seu mordomo.
Mas Francisco não parece nem perturbado
nem assustado com o que está acontecendo. Ele é atormentado pelas perseguições
e pelos massacres dos cristãos no Oriente Médio e não deixa de lembrar as
vítimas do terrorismo. Ele recém-condenou o último atentado à sinagoga de
Jerusalém. Mas não se preocupa com os riscos que corre pessoalmente; nem tem a
intenção de mudar de residência e de hábitos.
O jornal La Nación, de Buenos Aires,
informou que Juan Carlos Molina, um padre argentino de uma organização que
combate o tráfico de drogas, a Sedronar, no dia 12 de novembro, esteve
conversando com Francisco por 40 minutos. Tomaram juntos o mate quente, típico
do seu país.
E Molina contou que dissera ao papa,
chamando-lhe de "tu", como fazem muitos padres que o conhecem desde
os tempos em que era arcebispo de Buenos Aires: "Cuidado, podem te matar.
E Francisco respondeu: 'É a melhor coisa que poderia acontecer. E também para
ti...'".
Não eram palavras resignadas. Ele
parecia dizer, mais simplesmente, que é preciso estar pronto até ao martírio.
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br
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