*Dom Frei Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam
Com 15 anos de idade, Teresa Martin queria
entrar no Carmelo. Acompanhada de seu pai, foi falar com o Bispo diocesano para
conseguir a autorização. Levantou os cabelos para parecer mais velha. Não
adiantou. Aproveitou de uma viagem à Itália para pedir licença ao Papa Leão XIII.
Também a audiência com o Papa não parecia ter dado resultado. Mas o interesse
dele pelo caso de Teresinha levou o Bispo a conceder a tão esperada licença.
Dia 30 de setembro de 1897, Teresa morre no
mosteiro das carmelitas de Lisieux. Seus dois pulmões estavam gravemente
atingidos pela tuberculose. Sufocada, ela pronuncia suas últimas palavras: “Meu
Deus...eu... vos amo”!
Celebramos o primeiro
centenário da morte dessa jovem carmelita. Inúmeros livros foram escritos sobre
o breve percurso da sua vida. Pode ser que nem todos sejamos entusiastas de sua
“História de uma alma”. A sua linguagem, marcada por um universo religioso que
não é nosso, pode provocar em leitores do nosso tempo uma certa alergia. Como
não é a todos que agrada a tradicional imagem da santa desfolhando pétalas das
rosas que ela segura nos braços. No entanto, se por baixo desses enfeites não
houvesse um segredo mais profundo, não se explicaria a atração que, durante o
último século, Teresa de Lisieux tem exercido sobre inúmeros católicos. Mesmo
no Brasil existem cerca de 111 paróquias dedicadas a ela, sem contar as capelas.
O que, sem dúvida,
chamou a atenção do mundo cristão foi a espiritualidade de Teresinha. Ela mesma
falava do seu Pequeno Caminho. Não foi a partir de uma teoria bem elaborada
mas a partir de sua experiência de cada
dia que ela reconheceu e aceitou progressivamente a sua pequenez e fragilidade.
Mesmo com seus imensos desejos, ela
descobriu
que só tinha pequenas coisas para oferecer a Deus. Tanto assim que
pessoas próximas a ela questionavam a santidade da jovem carmelita. É que a
pequenez e a confiança em Deus constituíam o fundamento da sua doutrina. Ela
descobre no seu amor próprio a causa de suas inquietações, de suas tristezas e
das humilhações que a deixam aborrecida. Não se revolta contra essa descoberta
mas encara de frente a sua realidade. Nem por isto renuncia aos seus desejos audaciosos para entregar-se a uma mediocridade. Sabe
fazer de sua fragilidade o material para servir ao seu projeto de santidade.
Entendeu que sua fraqueza não a afastava de Deus que veio ao nosso mundo, para
partilhar na precariedade humana a pobreza radical do homem a fim de transformá-la
na sua força divina. Esta consciência leva Teresinha a sentar-se à mesa dos
pobres e dos pecadores. Sua fé e esperança a fazem oferecer-se como vítima ao
amor misericordioso de Deus. É o segredo do seu elã missionário no qual ela quer atingir a todos,
sem exclusão, mesmo os ateus, para que encontrem o caminho para o amor de Deus
que salva e liberta.
Mas o seu Pequeno Caminho precisava ser testado.
Se a fé e a esperança faziam crescer a sua entrega de amor, esta continuaria
mesma numa aparente ausência de fé e esperança?
Nos últimos dezoito
meses da sua vida, a fé de Teresinha foi duramente provada. Ela já estava
atingida pela tuberculose quando, na noite de 2 ao 3 de abril de 1896, a doença
se manifestou por uma primeira expectoração de sangue. Alguns dias depois a sua
alma começou a ser torturada por dúvidas sobre a fé. Se os seus sofrimentos
físicos, sempre mais fortes, já
provocavam uma sensação de impotência, a noite das dúvidas tirava o último
apoio para suportá-los. O olhar da fé dá uma visão nova da vida. É dentro dessa
visão que o cristão encontra o sentido da existência, a razão de ser, de viver,
de agir, de servir e de sofrer. Uma prova de fé questiona tudo o que a pessoa
suporta. Provoca nela uma vertigem, a vertigem do nada. Todo o equilíbrio de
seu ser é ameaçado. “Acreditas sair um dia do nevoeiro que te envolve, avança,
avança, alegra-te com a morte que te
dará, não aquilo que tu esperas, mas uma noite ainda mais profunda, a noite do
nada”. Quem poderia ter escrito essas palavras, seria Nietzsche, filósofo contemporâneo
de Teresa, que proclamou a morte de Deus. Mas foi a própria Teresinha que as
escreveu na sua cama, três meses antes
de morrer. Ela acrescentava: “Não quero escrever mais, receio blasfemar...
receio até ter falado demais...”.
Teresa vivia na França
do fim do século XIX. Época em que o racionalismo e o cientismo espalhavam uma
descrença agressiva e um anticlericalismo sarcástico. Teresa, mergulhada na
noite da dúvidas, compreende que certos
ateus podem de boa fé e sem ir
contra seu pensamento negar a existência do Céu. Mesma tendo guardado a sua
inocência batismal, Teresa chega até o fundo da sua pequenez e, desta maneira,
ao núcleo daquilo que constituía toda a sua razão de viver: sua relação com
Deus. É uma tomada de consciência, uma aceitação. Jamais poderia suportar com lucidez essa
desapropriação de si mesma, se não fosse habitada por um grande Amor, mistério
que vai além de suas próprias iniciativas e possibilidades. A descoberta desse
mistério maior de Deus, se faz a partir da experiência das nossas mãos vazias.
É disto que brota em Teresa a atitude de confiança e de abandono. É o caminho
que ela indica para todos, sentando-se à mesa dos incrédulos e pecadores.
A nossa época não
conhece o ateísmo virulento do tempo de Teresinha. O que sempre mais se impõe
em nossos dias é uma espécie de vazio que nenhuma ideologia consegue preencher.
A ciência e a tecnologia fazem o homem viver no ritmo de “projetos”. São
valores relativos mas que não geram uma sabedoria, um sentido último de todos
esses significados particulares. Há uma sensação de banalidade que escurecem o
sentido da própria vida e história humana.
Teresa de Lisieux, figura simples e afável,
aparentemente sem problemas, mas mergulhada nas torturas da dúvida, provoca uma
brecha na crosta das verdades convencionais do homem moderno. Sentemo-nos com
ela à mesa para que nos fale da sua vida tão cheia de humanidade e de sabor de
Deus.
* *Dom Frei Vital
Wilderink, O Carm, foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para
o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de
Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O
acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de
Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde
ele foi o primeiro Bispo.
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