*Dom frei Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam.
Foi em 21 de
junho de 1963 na Praça de São Pedro. Não eram apenas o entusiasmo contagiante
da multidão ali presente nem a minha idade ainda juvenil que me fizeram pular
de alegria quando o Cardeal Ottaviani anunciou o gaudium magnum do
“habemos Papam ... Johannem
Baptistam Montini... “
Durante
os anos que passei em Roma, não faltaram encontros com Paulo VI em audiências
gerais e outras mais restritas. A realização do Concílio Vaticano II, ainda em
curso naquela época, fazia-nos mais atentos às palavras e aos gestos do Santo
Padre. O seu encontro com o Patriarca Atenágoras, fixado em fotografia,
permanece até hoje um ícone do ecumenismo que o atual Pontífice João Paulo II
reproduz e multiplica com novas e esperançosas tonalidades.
Mas,
a lembrança mais viva que guardo de Paulo VI refere-se à sua visita à Colômbia, em agosto de 1968, por ocasião da abertura da Conferência de
Medellín. Era a época em que os países da América Latina, já atingidos por
tantas situações de injustiça, estavam sendo invadidos por regimes ditatoriais.
A presença física do Papa entre nós parecia abrir um espaço momentâneo para o
grito do povo sofrido. E Paulo VI assumiu esse grito. As manchetes dos jornais
reproduziam as suas palavras e chamavam-no “advogado dos pobres”. É claro que nos comentários jornalísticos não
faltavam determinadas opções ideológicas. Lembro-me de uma pequena publicação
que apresentava na folha de rosto uma foto do Papa, ladeada pelos retratos de
Che Guevara e Camilo Torres. Naqueles anos havia, mesmo em ambientes cristãos, acaloradas
discussões sobre a legitimidade da violência em certas circunstâncias.
Recorria-se a antigos teólogos que tinham tratado do atentado contra tiranos, e
à doutrina moral que falava da autodefesa. Haveria possibilidade de resolver o problema
essencial da América Latina sem o
recurso à violência? Paulo VI respondia: “Con la misma lealtad con la qual
reconecemos que tales teorias y prácticas encuentram frecuentemente su última
motivación en nobles impulsos de justicia y de solidaridad, debemos decir y
reafirmar que la violência no es evangélica ni cristiana”.
O
documento de Paulo VI que talvez me tenha marcado mais profundamente não só na
ação pastoral mas também no caminho da vida espiritual, foi o Evangelii
Nuntiandi sobre a evangelização no mundo contemporâneo. Aproveitando todo o
material de reflexão pastoral e teológica acumulado na preparação e realização
do Sínodo dos Bispos de 1974, Paulo VI, apelando ao seu múnus de sucessor de
Pedro, assume a tarefa de confirmar e reconfortar os seus irmãos para que,
animados pela esperança, se empenhem em anunciar o Evangelho em tempos de
incertezas. Já no primeiro parágrafo o documento revela que seu próprio autor
compartilha com seus irmãos o medo e a angústia - expressões da existência
humana -, diante do desafio da missão evangelizadora num contexto de
desorientação. A fé de Paulo VI não deixava de ser uma busca feita às
apalpadelas para encontrar uma síntese entre a fidelidade à única verdade da
Revelação e a problemática da sua transmissão. Devemos muito a Paulo VI,
peregrino na fé!
Faço
parte do número dos últimos bispos nomeados por Paulo VI. A minha ordenação
episcopal aconteceu uma semana depois da sua morte. Na minha primeira visita ad
limina apostolorum rezei e meditei junto aos túmulos de Pedro e de Paulo VI. O
túmulo do Papa Montini corresponde bem ao último adendo que escreveu no seu
testamento, testemunho singelo da fé de um humilde cristão: “Não desejo nem
túmulo especial, nem qualquer monumento. Alguns sufrágios”.
*Dom
Frei Vital Wilderink, O Carm, foi vítima de um acidente de automóvel quando
retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas
montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de
Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na
cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese
esta onde ele foi o primeiro Bispo.
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