Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.
O Escapulário é
uma forma significativa da devoção mariana. Mas deveríamos também aprofundar
nossa apreciação do Escapulário dentro do contexto da valiosa reflexão
teológica moderna dando-nos o significado da consagração.
No século XX a
noção de consagração dos indivíduos e do mundo à Maria aparece em primeiro
plano. A exigência feita por Maria em Fátima, de que o mundo fosse consagrado
ao seu Imaculado Coração, não é a razão menos importante. Algumas pessoas na
Igreja podem ver que os bispos, mesmo os papas, não consideraram este pedido
com a seriedade suficiente. No entanto, devemos ser cuidadosos com todas as
aparições: mesmo quando são oficialmente sancionadas de acordo com a lei da
Igreja, as comunicações que chegam a nós nas aparições devem estar sempre
sujeitas ao mais cuidadoso exame teológico. A razão para isto não está em ver
os teólogos como juizes das afirmações de Maria, mas as comunicações da Virgem,
quase invariavelmente aos pobres, aos simples ou às crianças, podem sofrer a
distorção da linguagem humana – tanto em sua compreensão, quanto em sua
tradução – e das limitações culturais do tempo e do lugar da aparição.
Respondendo esta
crítica aos papas, podemos apontar para uma série de atos papais de consagração
do mundo ao Imaculado Coração de Maria desde o tempo de Pio XII. João Paulo II
convidou os bispos a se unirem a ele num ato de confiança em Maria, em 25 de
março de 1984.
Muitos teólogos
concordam que, em seu sentido pleno, a consagração é um importante e sublime
ato de culto. Latria ou adoração, é um ato que se deve apenas a Deus. Além
disso, a consagração radical é um ato de Deus em nós pela graça e pelos
sacramentos. Nossos atos de consagração são apenas uma resposta ao que Deus já
faz em nós basicamente desde o batismo. Mas existe também um entendimento de
que pode haver uma consagração analógica à Maria, ou seja, uma consagração que
não termina nela, mas que é uma consagração a Deus através dela. A consagração
a Maria pode se vista como um reconhecimento de todas as implicações de sua
maternidade.
Existem escritos
teológicos sobre a possível distinção entre a consagração à Maria e a confiança
em Maria. Alguns autores sustentam que os termos “consagração” e “confiança”
são idênticos. Outros afirmam que existe uma relação entre eles e que o termo
consagração deveria ser evitado por causa de sua ambigüidade – um ato,
propriamente falando, que pertence a Deus, mas aplicado analogicamente à
Maria. Além disso, podemos notar o
forte cristocentrismo no ato de confiança de 1984 feito por João Paulo II. Talvez seja notável que num congresso
convocado em Manila em 1988 para renovar a consagração das Filipinas, a
cerimônia tenha sido realizada em duas partes: um ato de consagração a Deus e
um ato de confiança em Maria.
Quando falamos
de consagração mariana, devemos pensar em primeiro lugar na própria Maria como
a pessoa que mais se consagrou a Deus: “Maria é, acima de tudo, o modelo e o
protótipo da consagração da qual não apenas a Igreja, mas cada cristão, é
convidado a partilhar”. Como ela é a
Mãe que intercede, é natural que nos confiemos a ela. Como ela é um exemplo,
ela define nossa resposta a Deus, através do discipulado de seu Filho. Já que é
nossa Mãe e uma presença permanente em nossas vidas, estamos certos ao nos
comprometermos com o seu zelo.
Estas reflexões
teológicas modernas sobre a consagração podem nos ajudar a enriquecer nossa
apreciação do Escapulário como um símbolo que expressa nossa confiança em
Maria. Elas também podem nos ajudar a descobrirmos a melhor maneira de
apresentarmos a devoção ao Escapulário nos dias de hoje.
Conclusão
Podemos ver que
a revitalização de nossa herança mariana carmelitana envolve uma interação
criativa entre suas riquezas e os desenvolvimentos modernos da mariologia na
Igreja. Devemos ser criativos. Não é suficiente acrescentarmos algo da teologia
moderna aqui e acolá nos textos clássicos. Nem tudo que vem sendo dito sobre
Maria hoje será, necessariamente, incorporado à mariologia carmelitana. Nossa
visão de Maria será sempre parcial. Muitas descobertas profundas sobre a Virgem
serão desenvolvidas por outros. Mas devemos nos manter em diálogo com a atual
orientação do Espírito sobre o mistério da pessoa e do papel de Maria. Ao
fazermos isso, aprenderemos gradualmente, como Ordem, o que deveríamos
incorporar à nossa tradição. Certamente assumiremos alguns temas que nossos
sucessores não receberão – no sentido técnico de possuir e de encontrar
plenamente a vida doadora. Nunca haverá
uma abordagem definitiva do carisma mariano carmelitano. Como uma realidade
viva, continuamente inflamada e apoiada pelo Espírito, ela crescerá e se
desenvolverá, apesar dos tempos de declínio e abandono. É um desafio para cada
época aceitar a tradição que for transmitida, desenvolvê-la no coração da
Igreja e, por sua vez, enriquecê-la pensando nas gerações futuras.
Temos uma
maravilhosa herança mariana. Este dom à Ordem deve ser apropriado pessoalmente
além de ser partilhado com as outras pessoas. É necessário sermos, de imediato,
tradicionais e criativos, ao vivermos e partilharmos este carisma. O último
capítulo lembra que devemos buscar integrar nossa tradição mariana com a
consciência mariológica mais ampla da Igreja. Mas isto não pode ser apenas um
estudo teórico.
No nível
pessoal, devemos conhecer Maria como pessoa, apreciar sua presença em nossas
vidas, conhecer seu cuidado para conosco. Sem oração ou reflexão, estas
experiências nunca serão doadoras de vida para nós. O modo pelo qual a Ordem é
convidada hoje à reflexão e à contemplação está na redescoberta da lectio
divina. Este modo de rezar os textos espirituais sobre Maria também é válido
para nossos textos clássicos, ao buscarmos responder a eles nas situações de
nossas vidas. Também existe uma necessidade de cultivar uma vida devocional
adequada à condição e ao temperamento de cada indivíduo. A qualquer hora as
pessoas podem não se sentir chamadas a práticas tradicionais particulares. Um
valioso exemplo foi dado por Paulo VI quando defendeu exercícios de piedade que
se inspiram no Rosário.
Duas recentes
apresentações de nossa tradição são bons exemplos destas tentativas de integrar
estudos recentes, especialmente bíblicos, com a nossa tradição. Em 1986 uma
Comissão Mariana da Ordem divulgou uma Comunicação Provisória. Ela se concentrou nas imagens tradicionais
de Maria usadas na Ordem e mostrou sua importância contemporânea. Ela também
aprofundou a noção de consagração e do Escapulário hoje. A segunda contribuição
foi a Carta de Fr. John Malley, Prior Geral, para o Ano Mariano em 1988. Esta carta é uma apresentação bíblica de Maria
com fortes evocações de nossa tradição. O novo elemento trazido por ela foi o
foco explícito na relevância contemporânea resumida em três pontos:
-conhecer melhor
Maria:
-amar mais Maria
-imitar
fielmente Maria.
É interessante
que estes dois documentos, assim como a carta de Fr. Falco Thuis de 1983 vista
no capítulo 6, remetem e mencionam a Miguel de Santo Agostinho. Não seria
audácia minha sugerir que estamos sendo convidados a olhar novamente para este
personagem negligenciado de nossa tradição. Certamente, ele seria um valioso
antídoto, além de um questionamento, para esta erupção de aparições, onde
apenas algumas delas parecem ser genuínas. Nossos místicos carmelitanos sempre
sustentaram uma visão unificada, Maria e Jesus, sem qualquer confusão, sem uma
ênfase infundada apenas sobre Maria. Ela sempre guia Jesus que, por sua vez,
encontra-se com ela.
Uma renovação
será sempre um diálogo entre nossa herança passada e nosso mundo contemporâneo.
Existe a necessidade de um estudo mais amplo de nossos autores carmelitanos.
Apesar de podermos apenas acolher as publicações recentes dos textos marianos
em várias línguas, muito ainda precisa ser feito. Outros textos devem ser
estudados e traduzidos, e membros da Ordem, especialmente aqueles envolvidos na
formação, precisam estudar as publicações existentes e futuras.
Temos de ser
criativos quando buscamos maneiras de construirmos elos psicológicos e
espirituais com a Virgem. Talvez seja cedo para fazer um julgamento justo ou
firme, mas pode ser que no período depois do Vaticano II tenha havido uma poda
excessiva das práticas e das devoções marianas. Nossa herança mariana precisa
ser expressa na teologia, nos símbolos, na arte, na poesia, na devoção, nas
práticas apropriadas, adequadas aos membros da Ordem, e na atividade pastoral.
Apenas o escrito teológico não garantirá o dinamismo de uma vida mariana.
No nível
comunitário, existe a necessidade de algumas expressões de nossa vida mariana.
Celebrações litúrgicas em honra da Mãe do Carmelo são obviamente as mais
importantes. Mas também existem outras possibilidades tais como os grupos de
oração, especialmente para a lectio divina. O que devemos buscar é um
desenvolvimento da consciência mariana de toda a comunidade, de modo que uma
parte essencial de sua identidade e de seu trabalho deixem transparecer sua
atitude e seu colorido mariano. Na prática, também seria bom escolher uma
oração ou ação que resumirá e enfocará cada impulso mariano na comunidade.
Nas atividades
pastorais certamente existem muitas possibilidades: celebração de festas,
pregação, palestras, catecumenato de adultos, grupos de oração, círculos
bíblicos, lectio divina, meios de comunicação e escritos, tanto populares
quanto científicos. Nestes níveis de missão individual, comunitária e de nossa
missão apostólica o que é importante não é quantidade, mas a qualidade de
nossas expressões marianas.
No entanto, numa
Ordem pluriforme, onde mesmo numa área geográfica pode existir uma necessidade
de diferentes abordagens, podemos aprender continuamente com o que está
acontecendo com a Ordem nos diferentes lugares. Novamente, num tempo de
renovação, nem tudo que deveria ou poderia ser tentado terá sucesso. Existe a
necessidade não apenas da criatividade, mas também da paciência e do maduro
discernimento. Também existe a necessidade de rezarmos para o Espírito Santo,
para que possamos ser instruídos como adotar e servir o dom mariano que
recebemos. Tudo o que nos foi confiado como uma herança, deve ser guardado e
animado, para entregarmos à Igreja.
Em toda esta
tentativa de conhecer e amar a Bem-aventurada Mãe e torná-la mais conhecida e
amada, podemos ter certeza de sua presença gentil e constante. Ela é aquela que
sempre esteve com a Ordem em todas as suas vicissitudes. Seu dom ao Carmelo foi
ser sua “Mãe e Ornamento” e uma “Presença Amorosa”.
Lectio
Divina
Para
a lectio divina hoje vamos assumir aquele que é provavelmente o texto central
da mariologia moderna: Lc 1,26-38 descrevendo a Anunciação. Vamos orar a
Anunciação. Junto com ele poderíamos usar o texto que os carmelitas usam
freqüentemente na liturgia: JO 19,25-27. Unidos eles podem abrir nossos
corações para nossas tradições mais profundas e para o que o Espírito está
dizendo às Igrejas.
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