Emanuele
Boaga, O. Carm. e Augusta de Castro Cotta, CDP
A compreensão que os Carmelitas
têm da vida contemplativa, no seu caminho histórico, apresenta elementos
próprios, além dos influxos provenientes do conflito entre a ação e a contemplação,
presentes por muito tempo na espiritualidade cristã em geral. É fácil
compreender como, também entre os carmelitas, existiram modos distintos de
compreensão da vida contemplativa e da mesma contemplação.
Na primeira fase da experiência carismática
carmelitana a vida contemplativa se nutre de elementos típicos do eremitismo
(porém no “estilo” daquele tempo que é bem diverso das épocas seguintes); dos
movimentos penitenciais e das peregrinações à Terra Santa, sem exclusão da
atividade apostólica. A Norma de Vida de S. Alberto apresenta uma profunda
unidade entre a contemplação e a ação.
Através da aprovação da Regra por
parte de Inocêncio IV, em 1247, os Carmelitas de eremita-penitentes se
transformam em mendicantes. Caem portanto as estruturas estritamente
eremíticas. A vida contemplativa vem assim entendida no contexto da “vida
mista” dos mendicantes, ainda que permaneça no interno da Ordem um apelo às
origens (apelo também “romântico”!) Em seguida alguns carmelitas vêem no
eremitismo um retorno ao verdadeiro espírito do Carmelo, mas não percebem que
tal eremitismo é uma “nova” realidade, diversa do tipo daquela que se
encontrava na experiência originária da Ordem. Este tipo de compreensão (ou
melhor de incompreensão) determina ambigüidades e conflitos, por longo tempo,
chegando a nossos dias.
Nos séculos XV-XVI o termo “vida
contemplativa” era assumido pelos carmelitas quase como sinônimo de vida
interior e de identificação com as estruturas que a promoviam. Nisto foi
notório o influxo da “Devotio moderna”. Entre as formas de oração, que
favoreciam a vida contemplativa, emergem, sobretudo a oração litúrgica (missa
quotidiana e ofício cantando em coro) e a meditação pessoal favorecida pela
prática do silêncio.
Ao mesmo tempo, a exclusão das
monjas do apostolado externo (por imposição da clausura), produz nesta forma de
vida uma intensificação da solidão e da oração. Nela os elementos “
contemplativos” da Regra (em particular: a meditação contínua da Lei do Senhor,
o vigiar e orar sempre, o silêncio e as armas espirituais) se tornaram intensos
desembocando na vida litúrgica, na meditação, no exercício da presença de Deus,
no espírito de penitência. Nesta linha foram situadas as novas fundações das
monjas (depois de 1452): as da Congregação de Mântua (como ex. os Mosteiros de
Scopelli e Girlani) espalhando-se pouco a pouco até chegar a S. Maria Madalena
de Pazzi.
S. Teresa dá a seus irmãos
descalços as constituições e a espiritualidade das monjas, com acentuação de
apenas alguns valores da Regra. Isto no contexto da “descalcez”, considerada
então como única forma válida de vida religiosa. Tal impostação conduziu à
seguinte passagem: contemplativo = eremítico= monja descalça = frei descalço. Esta
passagem levou à seguinte consequência, na época, durando o equívoco até nossos
dias:
verdadeiro carmelita = carmelita
descalço.
A confusão e o equívoco, baseados
na equação: contemplativo= eremítico, já estavam presentes mesmo antes de S.
Teresa, porém não de forma difusa, como aconteceu no caso da Congregação de
Albi e, depois desta, na Congregação de Mântua. (Ver “Releituras do carisma” em
Como Pedras Vivas, p. 101, para recordar o assunto).
Depois de S. Teresa o termo
“contemplativo” na nossa Ordem adquiriu um sentido muito restrito, chegando até
mesmo a não poder ser aplicado nem à vida religiosa, nem mesmo à meditação, à
oração vocal, ao ofício litúrgico.
Outra tendência surgida na Ordem,
foi a de reduzir a “contemplação” ao grau mais elevado da oração e da vida
interior, quase desprezando ou considerando a oração vocal somente como uma
passagem, incluindo-se nesta a oração litúrgica. Surgiu dai a ênfase do papel
da meditação considerada como a forma mais adequada de contemplação e portanto,
mais própria para o desenvolvimento da vida interior.
Deve-se notar que em todo o
caminho histórico da Ordem, do séc. XIV até à época recente, particularmente
nas Reformas, a releitura do carisma e a revisão da vida da própria Ordem
partiram sempre da contemplação e nunca do apostolado. Em matéria de oração
encontram-se novos caminhos, mas ao mesmo tempo coloca-se o grave problema da
relação ou dissídio “contemplação-ação”, que assinala profundamente a vida e o
estilo da própria contemplação. A atividade apostólica é considerada geralmente
como prolongamento da contemplação e ao mesmo tempo seu fruto. Deve-se também
recordar que, mesmo neste contexto das reformas, não faltaram figuras eminentes
que, através das formas de assistência aos pobres e aos humildes, típicas de
sua época, têm enfrentado o desafio da encarnação da vida contemplativa. Entre
esses, recordamos o Ven. Angelo Paoli, “pai dos pobres” na Roma do séc XVII e a
terciária carmelita Mariangela Virgili, em Ronciglione (ver: Como Pedras Vivas,
p. 119 e 150).
Os mesmos autores carmelitanos no
decorrer dos séculos XVII-XIX, têm exortado àqueles que se dedicam a atividades
apostólicas por chamado da Igreja para atender a suas necessidades, a adotarem
uma atitude contemplativa. Nasce assim a insistência sobre as duas formas de
oração consideradas adequadas a esta finalidade: o exercício da presença de
Deus e da aspiração.
Dado que os nossos irmãos têm
admirado e exaltado nas irmãs monjas a sua vida de oração como “a melhor forma”
de realização do ideal contemplativo com o qual nasceu a Ordem”, deve-se
ajuntar também algumas notas sobre sua relação com o apostolado por parte das
próprias monjas, para que se tenha um quadro completo, evitando-se as
mitizações ambíguas. Particularmente:
• é notório o desejo expresso nos
primeiros núcleos de monjas carmelitas de serem úteis ao próximo através da
oração de intercessão e da penitência;
• é também conhecida a motivação
apostólica colocada na base da fundação das Descalças por S. Tereza de Jesus;
• para S. Maria Madalena de Pazzi,
as monjas são chamadas “ad maiorem vitam” (isto é, aquelas dos primeiros
carmelitas) em quem porém não se separa “Marta de Maria” (Marta sem Maria é
“confusão” e Maria sem Marta é ociosidade”, diz a Santa). O genuíno influxo
mariano na Carmelita tem como sinal o nascimento no coração, do desejo da saúde
das almas. Portanto a vida interior, a vida apostólica e a vida mariana se
fundamentam em uma síntese superior. Da união com Deus e Maria nasce a “salus
animarum”, obtida e sustentada com a oração e com a ação para reconduzir as
almas a Deus e a Maria. O apostolado é, então, “restituição” que se obtém
também com uma vida pura, feita de fé, de simplicidade, de fidelidade.
• S. Teresa do Menino Jesus
desejava ter todas as vocações para servir à Igreja. escolhendo então, se o
“seu coração” através da oração e interesse missionário.
Atualmente a conflitualidade
“contemplação-ação” parece superada teoricamente, como demonstram claramente os
acenos que às questões são feitos nos documentos oficiais da Ordem, nestes
últimos anos. A conflitualidade permanece porém, na prática, e sua solução
postula uma profunda revisão e “conversão” de vida e obras.
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