Emanuele
Boaga, O. Carm. e Augusta de Castro Cotta, CDP
A. A dimensão contemplativa da vida
1. Em nossos
dias, mais do que no passado, presta-se atenção à dimensão contemplativa do ser
humano, individuando-se os seus elementos ontológicos, situados no intelecto e
na vontade, ou seja, na capacidade que o homem tem de conhecer e de amar. Na vida cristã tal dimensão contemplativa é
resposta teologal de fé, de esperança e de caridade. Através dela, o crente
se abre à revelação e à comunhão com o Deus vivo por Cristo, no Espírito Santo.
A dimensão contemplativa encontra sua fonte na comunicação de Deus e é
fortemente caracterizada pelo aspecto dialógico da relação Deus-homem.
Realiza-se através de um conjunto de elementos: a graça divina, as virtudes
teologais, os sacramentos, a oração, a ascese. A oração, como expressão da
experiência teologal, constitui algo essencial e fundamental para a vida humana
e cristã, tal como a respiração para o corpo.
2. A oração,
como expressão da dimensão contemplativa do ser humano, é portanto o ponto de partida da maior parte dos outros
aspectos do complexo fenômeno religioso. Neste sentido, considerando a
fenomenologia da religião, a oração é uma realidade complexa. Apresenta muitos
elementos que devem ser avaliados singularmente e no seu conjunto para que se
compreenda a inter-relação profunda e a interação harmônica entre eles. Tudo
isto deve ser levado em consideração para se fazer uma exposição acertada sobre
a oração.
3. No âmbito
cristão, o desejo de conhecer a Deus e ver o seu “rosto”, de fruir tal conhecimento
e visão, fazendo portanto uma experiência do divino, concretiza-se na
contemplação do mistério, porque “a luz
[de Deus] refulge em nossos corações para irradiar o conhecimento da glória de
Deus que brilha no rosto de Cristo” (2 Cor 4,6). A busca de Deus torna-se o
centro fundamental da vida: a contemplação.
4. A
contemplação é descrita por Paulo VI nestes termos: “O esforço de fixar em Deus o olhar e o coração, que nós chamamos de
contemplação, torna-se o ato mais elevado e mais pleno do espírito, o ato que
também hoje pode e deve organizar a imensa pirâmide da atividade humana”
(homilia na IX sessão do Concílio Vaticano II - 09/12/ 1965). Contemplar vem a
ser a capacidade de fixar o olhar em Deus para ver a realidade com os seus
olhos e amá-la com o seu coração. A contemplação é a penetração na verdade da
existência que leva a compreender e aceitar até às últimas conseqüências o
desígnio salvífico. Portanto, uma realidade (unitária de todo o ser
humano-cristão) de fé, de esperança e de amor, que pela ação do Espírito Santo,
chega ao dom da sabedoria que permite a entrada em comunhão com Deus e seu
mistério da Salvação. Neste contexto, a oração e a contemplação se identificam,
tornando-se relação vital Deus-Homem e caminho unificante de toda a vida na conformidade
com a vontade de Deus.
B. Descrição da Oração
5 - A oração no
seu aspecto dialógico (palavra-ação de Deus e resposta do homem) apresenta uma
estrutura própria ou dimensões nas quais precisamos de colocar atenção. Estas
dimensões são:
- a estrutura
cristológica
- a estrutura
trinitária
- a estrutura
eclesial
- a estrutura
pessoal
- a inserção na
realidade
6. Estrutura cristológica: Na oração existe
uma relação pessoal e intersubjetiva entre Cristo e o nosso ser. Cristo é o
sujeito da nossa oração (cf. 2Cor 1,19ss). O amor de Deus nos é comunicado
através dele, pois, somente nele podemos encontrar o amor divino. Só em Cristo
é possível viver a vida cristã, entendida como a escuta e a obediência a Cristo
na oração. Oração cristológica significa estar plenamente em Cristo:
manifestação clara e vital de nossa vida escondida em Cristo. Isto se faz na
aceitação, na adoração, na ação de graças e na súplica.
7. Estrutura
trinitária: a oração em Cristo é também oração por meio de
Cristo. Mergulhados Nele, colocamo-nos em comunicação com o Pai que assim fala
diretamente a nós, através do Espírito Santo. Entramos desta forma, em comunhão
com a Trindade. A estrutura trinitária da oração leva o Cristo a tornar-se a
realização de nossa existência cristã, de modo que por sua comunicação o
Espírito nos permite dizer “Abba, Pai”. O espírito nos ajuda a proclamar Cristo
“o Senhor”, etc. Em Cristo e por Cristo nós ficamos mergulhados na Trindade.
8. Estrutura
eclesial: como “em Cristo e por Cristo” nós estamos na Trindade
(comunhão interpessoal com o Pai, o Filho e o Espírito Santo) assim “em Cristo
e por Cristo” nós estamos também inseridos na Igreja e exprimimos esta
existência como oração eclesial (Ef 3,20-21). A estrutura trinitária torna-se
eclesial: uma e outra, se realiza em Cristo e por Cristo (Mt 18,19-20). Este
encontrar-se juntos na fé é expressão do Mistério da Igreja (que é ao mesmo
tempo, para nós, chamado e ponto de encontro com Deus). Em vista disto, quando
um grupo se reúne para a oração, descobre que não está só diante de Deus, mas
que Cristo está em seu meio, e isto se exprime no acolhimento e no amor mútuo.
Desfruta então a consciência individual e comunitária de pertencer a Cristo.
9. Estrutura
pessoal: a estrutura eclesial não destrói, porém potencializa
a relação pessoal com Deus na oração. O mesmo está na base da estrutura
cristológica e trinitária. A oração individual e a oração comunitária são dois
momentos inseparáveis e insubstituíveis de um único evento: a pertença a Cristo
e a Deus uno e trino.
10. Inserção na realidade: a salvação é
oferecida a todos os homens. S. Paulo estende a intercessão e o gemido do
Espírito a toda a criação (cf. Rom 8, 19ss). Nasce o significado do pedido na
oração: pedido singular, individual, coletivo, material, o “dá-nos hoje o nosso pão”. Não só isto. A
oração não é somente um ato da existência cristã, ou um ato de culto, mas ao
contrário é o ato e a expressão da
existência cristã e do seu culto. Não há solução de continuidade entre a
oração e a vida-trabalho, porque tudo está sob a Palavra e a Ação de Deus. Na
oração, a existência humana se torna consciente. Encontra a revelação do
sentido da vida, coisa impossível de se obter e expressar apenas na atividade,
tantas vezes mesclada de ambigüidades. Exclui-se assim uma oração como
finalidade em si mesma, cheia de ilusões; excluem-se também as formas
exageradas de atividade (ativismo), desligadas do discernimento do projeto de
Deus.
11. Oração
autêntica é aquela que nos torna compenetrados da experiência viva de Deus,
elevando-nos a irresistível testemunho da fé e do amor salvador pelo fato de
experimentar a própria salvação.
C. A Oração diálogo-caminho com Deus
12. A oração é
uma grande aventura de amor realizada com Deus, é como um diálogo e uma
ascensão feita com ELE, rumo ao cume. È diálogo e caminho ou seja: realidade
relacional, progressiva e dinâmica.
13. São
protagonistas neste caminho: Deus (que toma a iniciativa) e o ser humano (que
lhe responde).
14. O papel do
Espírito: a oração não conhece limites, porque o ser humano deve deixar-se
trabalhar (purificar, guiar) pelo Espírito que conduz para os caminhos por Ele
escolhidos. Os dons do Espírito atuam nesta linha, especialmente:
• a piedade: conduz o afeto filial a Deus
• a ciência: eleva a realidade a Deus
• a inteligência: ajuda a penetrar na
riqueza do mistério de Deus, revelado ao longo do caminho, e a colocar o ser em
sintonia com o projeto divino;
• a sabedoria: permite provar a realidade
divina.
15. A oração como caminho propõe atitudes que são
interligadas entre si:
a) dar espaço a Deus:
• exige o
silêncio e a solidão como base para a escuta e o acolhimento de Deus.
- exemplo se
pode encontrar no Profeta Elias que vai ao Monte Horeb, o monte de seu encontro
com Deus. Não é ele um alpinista espetacular, mas segue passo-a-passo até
chegar ao cume do Horeb;
- Deus buscado,
não de forma romântica, nas árvores, nem nas pedras, nos relâmpagos e no tremor
de terra, mas, ouvido e experimentado na brisa leve;
- a solidão
silenciosa e o silêncio solitário: portanto o sentir a palavra de Deus com os
ouvidos do coração;
- o deserto: cf.
Es 13,17; 3, 17; 5,1.
• a ascese
individual e comunitária é o laboratório do Espírito, no qual ocorre a
purificação, a elevação e união com Deus, na medida em que nos esquecemos de
nós mesmos e colaboramos com a ação “crucificante” do mesmo Espírito.
b) consciência
da presença de Deus:
• buscar a
morada de Deus que está no centro do próprio ser;
• abrir-se
conscientemente à presença de Deus em si mesmo e na criação: em, com e através
de Jesus.
c) Deus
companheiro no caminho: entrega e
aceitação
• entrega: a
consciência de Deus, presença-amiga no caminho, deve levar a entregar-se a Ele,
acolhendo-O porque é o “Senhor”.
• aceitação: da
sua presença orientadora, do seu projeto, deixando-se conduzir-se por suas
mãos, através das circunstâncias concretas da vida quotidiana. Isto implica em
esforço autêntico, empenho dinâmico (não é um deixar-se arrastar, mas um
caminhar junto).
d) expressão
contemplativa espontânea:
• adoração,
louvor, ação de graças, súplica;
•
desenvolvimento mediante formas concretas de oração correspondentes às
exigências do caminho próprio da oração;
16. As
dificuldades do caminho: nesta caminhada podem encontrar-se e encontram-se
de fato, dificuldades que são de duas fontes:
• externas: a
ambigüidade das coisas, a securalização, etc.
• internas: os
pecados, ocupações e preocupações excessivos; preguiça: apegos; formalismo,
medo ou temor de “deixar-se conduzir por Deus”.
17. As dificuldades podem ser superadas com:
• orientação
personalizada e ajuda para a interiorização da oração e das suas formas
concretas;
• renovação dos
métodos, em resposta às exigências do momento e necessidades pessoais;
• esforço
sincero de conversão;
• testemunho autêntico,
porém nos limites da oração-vida, vida-oração.
18. O caminho
que nos conduz à meta é longo e por isso temos sempre necessidade de sermos
socorridos e educados por Deus para que, com fidelidade, possamos caminhar. Por
isso, devemos dizer junto com os Apóstolos: “Senhor, ensina-nos a rezar” (Lc
11,1).
APROFUNDAMENTO E INTERIORIZAÇÃO
1. Para pesquisar e partilhar, ou fazer em grupos,
como forma de aprofundamento:
• Argumentar as seguintes afirmações:
1 - Na vida
cristã a dimensão contemplativa é resposta teologal da fé, da esperança e da
caridade.
2 - A dimensão
contemplativa se caracteriza pelo aspecto dialógico da relação entre Deus e o
ser humano.
3 - Contemplar é
fixar o próprio olhar em Deus para ver a realidade com seus olhos e amá-la com
o seu coração.
• Dê sua
impressão sobre as dimensões da estrutura da oração. Elas lhe parecem
independentes ou complementares? Por quê?
• Refletir sobre
a oração como necessidade da mesma natureza humana, à luz das seguintes
considerações bíblicas: Rom 1,18-20 e At 17, 27-28: “A procura de Deus faz
parte da própria natureza humana que não se realiza fora dela”. Ilustrar a
afirmação destes textos bíblicos com fatos da atual realidade (as buscas da
verdade e do transcendente pelo homem de nossos dias, nas diversas situações
humanos e categorias sociais).
• O surto da
“Nova Era”, oferece suas crenças, seus ritos e símbolos, como resultado do
vazio de Deus, criado pela pós-modernidade, pela era do consumismo, do
secularismo e do tecnicismo. Discutir as interpelações que esta postura do
homem moderno pode fazer à nossa vida cristã e religiosa (ou consagrada). Como
pensa que agiriam os Profetas neste contexto?
• Acompanhar,
nos Evangelhos a Cristo modelo, mestre e mediador da oração cristã. Tomar
algumas passagens para interiorização:
- Jo 1,18;
10,30. 38.14,11: Cristo, o revelador do Pai
- Mt 6,5-15:
aprofundar o conteúdo ensinado por Jesus a respeito da vida de oração
- Rom 12,4-5;
Gal 3,26-28; Jo 1,12: nos revelam nossa ligação com Cristo. Refletir sobre as
repercussões desta verdade sobre a nossa vida de relação com o Pai (a
divindade)
- Em Col 1,29;
Gal 2,20; Jo 14,13; 15,16: o que podemos aprender de prático para nossa oração.
• O diálogo com Deus pode ser realizado com
todos os meios expressivos: mente, coração, sentimento voz, gesto,
comportamento, lugar, tempo. Discutir sobre a utilização dos mesmos, em sua:
- relação entre
a vida interior e o comportamento externo das pessoas;
- ligação dos
diversos recursos com o ensinamento de Jesus em Mt 6,5-9; 26,39.42.44; 27, 46;
Lc 23,46;
- busca de
compreensão dos gestos orantes de Jesus e seus discípulos: Mt 14,19; Jo 11,41
(levantou os olhos ao céu); 1Tim 2,8 (elevou as mãos); Lc 22,41; At 20,36; Ef
3,14 (inclinação, pôr-se de joelhos, em sinal de adoração); Lc 18,11.13 (estar
em pé, corpo ereto, olhos baixos, em sinal de sacrifício).
• Analisar os ritmos e os lugares onde Jesus rezava:
- escolha de
tempos reservados à oração: Lc 4,16; 18,1-8; Jo 7,10;
- o
acompanhamento das festas litúrgicas: Lc 2, 41-49;
- busca da
solidão: Mt 6,6; 14,23; Mc 1,35; 6,31; Lc 4,42; 5,16; 6,12; 11,1;
- presença nos
lugares de encontro da comunidade orante: Mt 12,13; Mc 11,15; Lc 2, 22ss;
19,45-47.
2. As questões
que seguem são para reflexão individual, anotação no próprio diário espiritual
e partilha com o Mestre ou diretor espiritual. Esta parte deve ser feita com
serenidade, em momentos de solidão previstos para o cuidado da vida espiritual
do formando.
• Tomar como
oração preparatória os textos bíblicos:
* Sab 9 - Pedir
a Deus a sabedoria da vida
* I Reis 17, 1-
24 - O Senhor alimenta o seu Profeta
* Selecionar
algum dos textos citados e fazer oração a partir dele.
• Selecionar os textos bíblicos citados no exercício
acima que:
- lhe causaram
maior impressão
- constituíram
uma nova descoberta
- confirmam o
que já pensava sobre a oração na vida humano-cristã
- lhe trazem
dificuldade de compreensão ou para a prática.
• Com que fatos
da vida de Nossa Senhora você mais aprende a viver com Deus e para Deus? Por
que pensa assim?
• Como pode
assumir na sua vida orante as diversas dimensões da oração?
• Das atitudes
orantes de Cristo com qual delas você mais se identificou?
• Se não fosse
chamado à vida carmelitana acha que mesmo assim precisaria de desenvolver uma
vida de profunda oração? Por quê?
Feitos os
exercícios não deixe de procurar ajuda com seu orientador espiritual. Ela é
indispensável para o seu crescimento humano-espiritual-carmelitano.
Procure tirar as
dúvidas, partilhar suas descobertas, desafios, dificuldades, expectativas,
compromissos.
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