Há exatos 20 anos, seis padres jesuítas
e duas mulheres foram assassinados a sangue frio no campus da Universidade
Centro-Americana José Simeón Cañas (UCA), em El Salvador. Entre eles, estavam o
reitor da universidade, Ignacio Ellacuría, e o vice-reitor, Ignacio
Martín-Baró. Paramilitares do Exército Salvadorenho invadiram a residência dos
jesuítas com o objetivo único de matar aqueles que incomodavam a ditadura. Para
recordar o martírio e a luta destes militantes que almejavam a liberdade e o
bem social de El Salvador, a IHU On-Line desta semana preparou o dossiê a
seguir. Leia um breve perfil dos mártires e, em seguida, algumas entrevistas
que lembram seu legado e memória.
Por:
Patricia Fachin
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU
também exibirá o debate Memory and it Strength: The martyrs of El Salvador (A
memória e sua força: Os mártires de El Salvador), que irá ocorrer no Boston
College, nos EUA, no próximo dia 30 de
novembro. Mediados pelo jesuíta e reitor emérito do Boston College, J. Donald
Monan, Noam Chomsky e o jesuíta, teólogo Jon Sobrino irão discutir a
importância dessa memória. A exibição no IHU corre em 10 de dezembro, dia
Internacional dos Direitos Humanos, em um evento que marca a inauguração da
sala Ignacio Ellacuría e companheiros, no IHU. Confira.
Ignacio
Ellacuría (1930-1989)
Ignacio Ellacuría nasceu em Portugalete,
província de Vizcaya, Espanha, no dia 9 de novembro de 1930. Foi o quarto de
cinco filhos. Depois de concluir o ensino primário na cidade natal, Ellacuría
continuou os estudos no Colégio dos Jesuítas de Tudela. Em 1949, junto com
outros cinco noviços, foi enviado para o noviciado da Companhia de Jesus em
Santa Tecla, El Salvador, e fez os votos de pobreza, obediência e castidade.
Completou seus estudos de Ciências Humans
e estudou Filosofia em Quito. Na Áustria, cursou Teologia e foi influenciado
pelos ensinamentos de Karl Rahner. No
ano de 1961, foi ordenado sacerdote em Innsbruck e fez os últimos votos como
jesuíta em 1962, em Portugalete, onde nasceu. Nesta época, também realizou o
doutorado em Madri, na Universidade Complutense, sob a direção de Xavier
Zubiri, dando origem à tese La
principialidad de la esencia en Xavier Zubiri.
Em 1967, Ellacuría retornou a El
Salvador para atuar como professor na Universidade Centro-Americana (UCA). Nos
primeiros anos da década de 70, foi responsável pela formação dos jovens
jesuítas da Província da América Central. Neste período, também foi nomeado
Diretor do Departamento de Filosofia da UCA e, posteriormente, em 1973,
publicou o livro Teologia Política, editado também em inglês, em Nova York, sob
o título Freedom Made Flesh: The Mission of Christ and His Church. No ano
seguinte, Ellacuría fundou o Centro de Reflexão Teológico da UCA. Assumiu a
reitoria da UCA em 1979.
Confrontos
em El Salvador
Nomeado diretor da revista Estudios
Centroamericanos (ECA), Ellacuría, em 1976, publicou o editorial intitulado “A
sus órdenes, mi capital”, o qual ocasionou a retirada do apoio do governo
salvadorenho à UCA e gerou a violência paramilitar contra a Universidade.
Ellacuría foi exilado na Espanha entre 1977 e 1978. No ano seguinte, El
Salvador iniciou uma longa guerra civil que durou doze anos. Os jesuítas
começaram a receber ameaças de morte e, em 24 de março de 1980, o arcebispo de
San Salvador, Oscar Romero foi
assassinado durante a celebração da Eucaristia. Neste mesmo ano, Ellacuría
retornou ao exílio. Na Espanha, participou da primeira reunião das religiões
abraâmicas, em 1987. No encontro, expressou publicamente a necessidade de
encontrar um terreno comum para superar os conflitos em El Salvador. Defendeu
assim, a contribuição da Teologia da Libertação nas religiões abraâmicas para
superar o individualismo e o positivismo.
Ellacuría retornou a El Salvador em 13
de novembro de 1989 para tentar mediar a paz. Em 16 de novembro do mesmo ano,
foi morto por um pelotão do Batalhão Atlacatl das Forças Armadas de El
Salvador, na residência da Universidade UCA, junto com outros cinco jesuítas:
Ignacio Martín-Baró, Segundo Montes, Amando López, Juan Ramón Moreno e Joaquin
López y López. Também foram mortas Elba Julia Ramos, funcionária da residência,
e sua filha, Celina, de 15 anos.
Obras
Ellacuría publicou várias análises de
conjuntura da realidade salvadorenha e artigos sobre filosofia e teologia.
Negou-se a publicar livros pela Editora UCA, pois considerava isto antiético.
Seus livros foram publicados postumamente. Entre eles, citamos Filosofía de la
Realidad histórica; Veinte años de historia en El Salvador; Escritos
filosóficos; Escritos teológicos; e Escritos universitarios.
Ignacio
Martín-Baró (1942-1989)
Ignacio Martín-Baró nasceu em 7 de
novembro de 1942, em Valladolid, na Espanha. Ingressou no noviciado da
Companhia de Jesus no ano de 1959, sendo transferido para Santa Tecla, em El
Salvador, onde concluiu o noviciado em 1961. Escritor e professor
universitário, publicou onze livros e uma vasta lista de artigos científicos e
culturais em diversas revistas latino-americanas e estadunidenses. Regressando
às raízes históricas da psicologia, ele falava em psicologia social e
psicologia da libertação e argumentava que sobre o psicológico recai a tarefa
de ajudar a consciência humana a ter uma compreensão maior de sua identidade
pessoal e social. Confira a seguir alguns fatos relevantes da vida de
Martín-Baró.
1965 - Obteve o bacharel em Filosofia e
Letras, pela Universidad Javeriana, em Bogotá, Colômbia. Depois de morar alguns
anos em Bogotá, retorna a El Salvador;
1967 - Inicia sua carreira de professor
acadêmico na UCA;
1970 - Conclui o bacharelado em Teologia
em Eegenhoven, na Bélgica;
1975 - Concluiu licenciatura em
Psicologia pela Universidade Centro Americana Simeón Cañas (UCA);
1979- Conclui doutorado em Psicologia
Social;
1981 - Assume o cargo de vice-reitor
acadêmico da UCA;
1986 - Fundou e foi diretor do Instituto
Universitario de Opinión Pública – IUDOP, além de atuar como professor
convidado em muitas universidades. Também foi vice-presidente da Sociedad
Interamericana de Psicologia.
Segundo
Montes (1933-1989)
Segundo Montes nasceu em Valladolid, em
15 de maio de 1933. Permaneceu na cidade natal até 1950, onde realizou seus
primeiros estudos e, em seguida, ingressou no noviciado de Santa Tecla, em El
Salvador. Dois anos depois, concluiu o noviciado e foi enviado para Quito
cursar Ciências Humanas na Universidad Católica. Ficou conhecido entre os
colegas por seu desejo de compreender melhor a realidade social salvadorenha.
Dedicou-se aos estudos sobre a estratificação social e os militares.
Identificou ainda, na década de 80, um fenômeno curioso: a baixa do dólar, ou
seja, os salvadorenhos que viviam nos EUA não tinham mais condições de enviar
dólares para os familiares que residiam em El Salvador. Este fato o alertou
sobre a importância da emigração salvadorenha para a economia nacional. Confira
alguns aspectos de sua história.
1957 - Concluiu o curso de Licenciatura
em Filosofia em Quito;
1964 - Obteve o título de Teologia em
Innsbruck, na Áustria;
1957-60, 1966-76 - Desempenhou vários
cargos, inclusive foi reitor do Colégio Externado de San José, em El Salvador;
1970-76 -Decano da Faculdade de Ciências
do Homem, na UCA;
1978 - Concluiu o doutorado em
Antropologia Social em Madri;
1978-82 - Foi chefe de redação da
revista Estudios Centroamericanos (ECA);
1985 - Fundou e coordenou o Instituto de
Derechos Humanos - IDHUCA. Pesquisou sobre direitos humanos e denunciou muitas
situações de refugiados.
Joaquín
López y López (1918 – 1989)
Joaquin López y López nasceu em
Chalchuapa, em El Salvador, no dia 16 de agosto de 1918. Iniciou seus estudos
em Santa Ana e os concluiu em Santa Tecla, em El Salvador, no ano de 1938.
Nesta mesma data, entrou para o noviciado da Companhia de Jesus, em El Paso, no
Texas, EUA. Formou-se em Ciências Humanas e Filosofia em meados da década de
40. Retornou para a América Central e permaneceu por alguns anos no Colégio
Externado, em El Salvador. Em 1949, mudou-se para Saint Mary’s, no Kansas, onde
estudou Teologia. Enviado para a Espanha em 1951, foi ordenado sacerdote no ano
seguinte. Ficou conhecido pela fala: “Se teus projetos são para cinco anos,
semeie trigo; se são para dez anos, semeie uma árvore; mas se são para cem
anos, eduque o povo”. Conheça outros aspectos da vida de López y López.
1961 – Coordena a construção da Capela
do Colégio Externado de San José;
1964 – Trabalhou na campanha de
aprovação da lei de universidades privadas;
1969 – Fundou e coordenou a "Fe y
Alegría", um movimento de educação popular integral, o qual dirige setores
empobrecidos e excluídos da sociedade. A organização dispõem de 30 centros educativos de 8 departamentos. O
projeto atendeu 48.000 beneficiados até 1989.
Armando
López (1936 – 1989)
Armando López nasceu em Cubo de Bureda,
Espanha, no dia seis de fevereiro de 1936. Entrou para o noviciado em 1952.
Como seus colegas jesuítas, também foi enviado à Santa Tecla, em El Salvador.
Em Quito, estudou Filosofia e Ciências Humanas na Universidad Católica e
concluiu os cursos no final dos anos 50. Foi enviado para a Nicarágua, onde
atuou como professor de matemática no Colégio Centro América de Granada. Cursou
Teologia em Dublin, na Irlanda, e foi ordenado sacerdote no ano de 1965.
Realizou seu doutorado na Universidad Gregoriana, em Roma, entre 1967 e 1968.
Nos momentos mais duros da repressão ditatorial de El Salvador, Amando López
abriu as portas do colégio para acolher famílias necessitadas, professores e
seus familiares. Confira alguns aspectos de sua vida.
1971-72 – Concluiu o doutorado em
Ciências Religiosas na França, foi reitor do Seminário San José de La Montaña;
1973 – Atuou como docente no curso de
filosofia na UCA, em El Salvador;
1979 – Foi reitor da UCA de Manágua;
1984 – Foi professor de Teologia e
Filosofia e coordenador do curso de Filosofia da UCA, em El Salvador.
Juan
Ramón Moreno (1933-1989)
Nasceu em Villatuerta, Espanha, no dia
29 de agosto de 1933. Seus primeiros estudos foram realizados em Bilbao, entre
1938 e 1943. Entrou para o noviciado da Companhia de Jesus de Orduña, em 1950,
e, um ano depois, foi transferido para Santa Tecla. Estudou Ciências Humanas e
Filosofia e foi ordenado sacerdote em Saint Mary’s, no Kansas, EUA, em 1964. No
ano de 1958, ao concluir os estudos em Quito, retornou para a Nicarágua, onde
foi professor de química no Colégio Centro América de Granada, na Nicarágua.
No início dos anos 1980, Moreno
participou com entusiasmo na campanha de alfabetização da Nicarágua. Também foi
especialista em moral e fez uma síntese entre as ciências e a moral, unindo
bioética com a moral cristã. Confira mais alguns aspectos da vida de Moreno.
1965 – Concluiu o curso de Teologia em
Missouri;
1971 – Iniciou sua carreira como docente
na UCA, em El Salvador;
1976-80 – Fundou e coordenou o Centro
Ignaciano de Centroamérica no Panamá;
1980 – Coordenou o Instituto de Ciências
Religiosas na Nicarágua;
1985 – Ensinou Teologia na UCA,
organizou a biblioteca do Centro de Reflexión Teológica, supervisionou a
construção do Centro Monseñor Romero.
Elba
y Celina Ramos
Elba nasceu em Santiago de Maria, no dia
5 de março de 1947. No final da década de 1960, ela conheceu seu esposo
Obdulio. Durante alguns anos, eles viveram em uma fazenda, nos arredores de
Santa Tecla, El Salvador. No ano de 1973, nasceu Celina, a terceira filha do
casal – o primeiro filho nasceu morto e o segundo faleceu meses após o
nascimento. Até 1985, a família morou em diferentes regiões de El Salvador,
sempre em busca de empregos que garantissem melhores condições de vida. Neste
ano, Elba trabalhava como cozinheira na residência dos jesuítas, em Antiguo
Cuscatlán, município de El Salvador. Quatro anos mais tarde, em 1989, Obdulio
conseguiu um emprego como jardineiro da UCA. Ambos trabalhavam com os jesuítas
e moravam numa casa recém-feita, junto ao portão de entrada da residência, na
avenida Eistein, em El Salvador.
No dia 16-11-1989, Obdulio foi o
primeiro a encontrar o corpo da esposa, da filha e dos jesuítas assassinados
por paramilitares do Exército salvadorenho.
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