Quem quiser compreender a luta que já
dura décadas entre católicos progressistas e o falecido Papa João Paulo II – que foi assessorado em sua renovação
conservadora por seu braço direito teológico, o Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Emérito Bento XVI –, o melhor que tem a fazer é conhecer história do bispo francês Jacques Gaillot. A
reportagem é de David Gibson, publicada por Religion News Service,
02-03-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Gaillot foi nomeado bispo da Diocese de Evreux, a oeste de Paris, em 1982, nos
primeiros anos do pontificado de João Paulo II. Ele rapidamente veio a se tornar uma
espécie de símbolo daquele tipo de bispo ativista social – e progressista
teológico – que o papa polonês procuraria tirar de cena ou censurar.
Depois de anos
de tensões com o Vaticano e com seus colegas bispos franceses, João Paulo, em 1995, retirou Gaillot–
apelidado de Clérigo Vermelho – da Diocese de Evreux e, numa espécie de exílio, o
nomeou chefe titular de Partênia, diocese extinta no deserto da moderna Argélia
que não existe como uma verdadeira comunidade católica desde o século V.
Paradoxalmente,
este exílio liberou Gaillot para
continuar com o seu ativismo – e irritar Roma – já que ele se mudou para morar
junto de posseiros em Paris e passou a defender uma série de causas na política
e na Igreja.
Agora, em mais
uma inacreditável virada no rumo dos eventos sob o pontificado atual, o Papa Francisco na
terça-feira (1º de setembro) se encontrou em privado com Gaillot em sua residência no Vaticano. “’Eu
não quero pedir nada ao senhor’, falei para o papa, mas muitas pessoas entre os
pobres estão felizes que eu esteja sendo recebido aqui. Elas estão se sentindo
reconhecidas também”, contou Gaillot à agência noticiosa Agence France-Presse – AFP.
“Eu falei com
ele sobre (...) os doentes, os divorciados, os gays. Essas pessoas estão
contando com o senhor”, contou Gaillot à agência. Gaillot, de 79 anos, disse ao papa que havia
recentemente abençoado um casal divorciado assim como um casal homossexual.
“Eu visto roupas
civis e simplesmente abençoo-os. Não se trata de um casamento, é apenas uma
bênção”, disse Gaillot ao papa
segundo uma reportagem da imprensa francesa traduzida e publicada em inglês no
sítio do New Ways Ministry.
“Temos o direito de dar a bênção de Deus, afinal de contas nós também
abençoamos casas!”
“O papa
escutou”, informou Gaillot. “Ele
parecia aberto a tudo isso. Nesse momento em particular, o papa falou que
abençoar as pessoas também envolve falar bem de Deus a elas”.
Segundo Gaillot, Francisco lhe
disse: “Continue, o que você faz (pelos oprimidos) é bom”. Francisco certamente
pareceu compreender a importância deste encontro.
Gaillot disse que Francisco deixou
duas mensagens em sua secretária eletrônica nos últimos meses antes de
escrever-lhe convidando-o formalmente para vir ao Vaticano.
“Com um sorriso,
o Papa declarou: ‘Estou falando com o bispo de Partênia’”, disse Gaillot. Segundo o bispo, tudo no encontro foi
bastante informal.
“Eu estava em um
dos quartos comuns da Casa Santa Marta (residência no Vaticano onde Francisco mora).
Uma porta se abriu e o papa simplesmente entrou. Este nosso momento se realizou
como se eu fosse da família, sem nenhum protocolo. Ele é, realmente, um homem
livre. A certa altura, ele se levantou e disse: Tens um fotógrafo? Como eu
não tenho isso e não havia ninguém por perto para tirar a foto, nós mesmos a
tiramos com um telefone celular”.
O Vaticano não
divulgou nenhum detalhe do encontro entre Gaillot e Francisco,
momento que não estava incluído na lista oficial de audiências papais.
Com certeza,
este encontro desencadeará uma nova rodada de especulação sobre o que ele
sinaliza quanto às intenções de Francisco – uma mudança na política ou doutrina da Igreja, ou nada mais que
um ato de bondade para com um rebelde já em idade de idade avançada.
No mais, o
encontro parece apontar para aquele tipo de Igreja como uma “grande tenda”, em
que se acomodam dentro dela as extremidades e o meio. No entanto, esta ideia em
si é, frequentemente, vista como um sério perigo aos puristas doutrinais que
floresceram sob os papados de João Paulo II e Bento XVI.
Ainda assim, é
interessante notar uma série de convergências entre Gaillot e Francisco, especialmente em termos trabalho
social para com os marginalizados:
• Em sua
primeira mensagem de Páscoa, Gaillot escreveu:
“Cristo morreu do lado de fora dos muros assim como nasceu no lado de fora dos
muros. Se quisermos a ver a luz, o sol, da Páscoa, teremos de sair para fora
dos muros”.
• No discurso
aos seus colegas cardeais antes do Conclave de 2013, o Cardeal Jorge Mario Bergoglio denunciou
o “narcisismo teológico” de uma Igreja trancada dentro de si mesma em vez de
“ir até as periferias, não apenas geográficas, mas também as periferias
existenciais: as do mistério do pecado, as da dor, as da injustiça, as da
ignorância e da abstenção religiosa, as do pensamento, as de toda a miséria”.
• Gaillot também disse: “Eu não estou aqui para convencer os
convencidos ou cuidar dos que estão bem. Estou aqui para apoiar os enfermos e
lançar a mão aos perdidos. Devo ser bispo que permanece em sua catedral ou que
ele vai às ruas?”
• Da mesma
forma, Francisco escreveu:
“Eu prefiro uma Igreja que está machucada, ferida e suja porque foi para as
ruas, em vez de uma Igreja que não é saudável por ser confinada e por se apegar
à própria segurança (...) Mais do que meu receio de extraviar-se, minha
esperança é que nós sejamos movidos pelo medo de permanecer calados dentro de
estruturas que nos dão uma falsa ideia de segurança, dentro das regras que
fazem de nós duros juízes, dentro dos hábitos que nos fazem sentir a salvo,
enquanto à nossa porta as pessoas estão famintas e Jesus não cansa de nos dizer
‘Deem vós mesmos de comer’ (Mc 6, 37)”. Gaillot também
se focou a ministrar aos desabrigados, acolhendo os gays e os divorciados, e
pediu clemência para as mulheres que se submeteram ao aborto – ecoando o
exemplo misericordioso que
o Papa Francisco defendeu no início desta semana.
Francisco igualmente fez
da prática de visitar os encarcerados uma peça central de seu ministério, e há
relatos que dizem que na época quando Gaillot deixou
a Diocese de Evreux ele já havia visitado mais prisões do
que qualquer outro bispo na história francesa. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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