Registro da criança síria morta numa
praia turca provocou reações intensas e influenciou o debate político. Mas por
que algumas fotografias nos tocam mais que outras e acabam entrando para
história?
O tabloide Bild, jornal de maior
circulação na Alemanha, dispensou o uso de imagens em uma edição pela primeira
vez em sua história. "Dessa forma, queremos mostrar como as fotos são
importantes no jornalismo", afirmou a redação do diário. A reportagem foi
publicada por Deutsche Welle, 10-09-2015.
Mas nem todas as fotos são iguais: há
imagens que ficam guardadas na memória. E há outras, por mais fortes que sejam,
que não tocam tanto o espectador e desaparecem rapidamente de sua mente. Mas o
que transforma uma foto num ícone? Como a fotografia consegue captar não apenas
um momento, mas é capaz de eternizar o zeitgeist ou contextos complexos numa
única imagem?
As imagens de Aylan Kurdi, o menino
sírio de três anos de idade que morreu afogado no Mediterrâneo e foi encontrado
na costa turca, provocaram reações e emoções intensas nas mídias sociais. O
debate político em torno da política de refugiados da Europa mudou após a
publicação da fotografia.
O historiador da arte e curador Felix
Hoffmann acredita na força das imagens. Para ele, fotos podem influenciar e mudar
o pensamento e a ação. Mas somente se elas perdurarem por determinado tempo e
se fixarem nas mentes das pessoas. Na galeria de arte c/o Berlim, ele pesquisou
as fotos apocalípticas do 11 de Setembro e se ocupou da questão de por que
algumas dessas imagens permanecem em nossa memória.
Segundo Hoffmann, a fotografia possui a
capacidade de personificar catástrofes, de lhes dar um rosto. Sem tais imagens,
muitas pessoas não poderiam compreender a dimensão da guerra e de catástrofes. "As
fotos de Aylan Kurdi são um bom exemplo da força das imagens", explica.
"A Europa se encontra agora num momento de extrema gravidade. Agora resta
a pergunta de quanto tempo essa foto permanecerá na mídia."
Hoffmann, que também é pai, afirmou ter
ficado "emocionalmente chocado" com a imagem do menino de três anos,
encontrado morto na praia de Bodrum. Segundo o historiador, a onda de
refugiados, que se vê diariamente na mídia, ganha assim um história pessoal.
Além disso, muitas pessoas acabaram se identificando com a imagem e disseram:
"Poderia ser meu filho."
Mais
forte que a TV
Historiadores como ele, diz Hoffmann,
foram treinados para investigar os mecanismos de ação das imagens. O
especialista explica que o fotojornalista francês Henri Cartier-Bresson já
chamava a sua profissão de "negócio com o momento decisivo".
"Fotografar significa levar cabeça,
olho e coração para a mesma linha de visão", afirma o jornalista e
cofundador da agência de fotografia Magnum.
Cartien-Bresson também trabalhou em
zonas de guerra e fez história com suas fotos. Mas através da cobertura ao
vivo, a relação entre o espectador e o jornalista mudou, diz Hoffmann. Ele
recorda os Jogos Olímpicos de Munique em 1972, que foram ofuscados pelo
assassinato de atletas israelenses tomados como reféns.
"Pela primeira vez na história, os
espectadores puderam assistir ao vivo a um atentado na TV", lembra. O
terrorismo adentrou, por assim dizer, as salas de estar da população, explica o
historiador.
Mas, apesar da cobertura ao vivo
ininterrupta e do burburinho permanente nas redes sociais, a foto continua o
meio de comunicação mais intenso para captar uma tragédia, afirma Hoffmann.
Diante da enxurrada de informações, também depende da qualidade da imagem,
ressalta.
Empatia
pelo fotografado
Ninguém pendurou em suas paredes de sua
sala de estar imagens de catástrofes ou tragédias humanas, como o assassinato
de John F. Kennedy, em 1963, ou a menina de nove anos Kim Phùc, no Vietnã,
fotografada nua com queimaduras graves na pele, enquanto fugia do ataque de
bombas napalm em 1972. Mesmo assim, tais imagens se tornaram ícones.
Elas formam a decoração da narrativa de
nossa era, explica o historiador, acrescentando que ninguém pode se lembrar com
exatidão de quando viram tais imagens, mas elas se tornaram parte de uma
memória visual coletiva – ao menos no Ocidente.
"Isso está bastante ligado à forma
como lidamos com histórias e fotos. Você pode observar por toda parte o poder
que as imagens podem ter", continua Hoffmann.
Segundo ele, algumas vezes, sentimos
empatia somente quando entramos numa espécie de relação amorosa ambivalente com
uma fotografia, mesmo no caso da morte de alguém. Na avalanche de imagens de
sofrimento, dor ou paixão, tornam-se ícones somente aquelas que provocam em nós
um sentimento de dó, também por estarem mostrando a realidade dos
acontecimentos. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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