FORMAÇÃO
E IDENTIDADE CARMELITANA: A identidade carmelitana na atual conjuntura eclesial.
Frei
Bruno Secondim. Clique aqui: https://youtu.be/ioEVQ3h_wXs).
1-Eis
o grande tema carmelita: até as pessoas menos instruídas sabem que o ideal
carmelitano é o da vida de oração. E em torno deste ponto focal deveriam
convergir todas as outras coisas: o horário, a moradia, a formação espiritual,
o sentido da maturidade espiritual, a direção espiritual, o apostolado. Não vou
entrar em toda esta literatura, que muitas vezes é mais apologética do que
útil. Quero tocar neste argumento sob um outro ponto de vista.
-
Uma tradição de conflitos e de hipocrisias: se é grande a glória para o
Carmelo neste campo – e disto ninguém duvida – é preciso também reconhecer que
as hipocrisias não faltam. E também são abundantes as manipulações. A primeira
hipocrisia é a de uma vida real que na verdade não parece dar esta importância
à oração e à meditação assídua da Palavra, da qual nasce o vigiar nas orações.
A solidão da cela era vista – e é vista ainda tantas vezes – como a ocasião
para se rezar um pouco, qualquer que seja a forma de oração. Ao contrário,
segundo a Regra, se está na cela sobretudo para meditar na Palavra, e fazê-la
florir numa resposta orante e perscrutadora (vigilantes: R 10). Sobre a
solidão, o silêncio, a oração mais ou menos intensa forjaram-se tantas
histórias no Carmelo: em nome do espírito primitivo, das não-mitigações, da
perfeição, etc.
- Uma releitura das intenções originais
do carisma nos ajuda a superar razões de polêmica e a reencontrar um sentido
novo para esta característica do Carmelo. Na releitura nova da Regra os
capítulos 10-17 formam um bloco único, e representam o modelo de Jerusalém. E,
por consequência devem ser interpretados numa unidade dinâmica. Se assim
fizermos, veremos bem como a Palavra ouvida e meditada na solidão floresce em
oração vigilante e em louvor sálmico, mas também em partilha dos bens e dos
sentimentos do coração. E tudo encontra o seu vértice na celebração
eucarística, que é plenitude do que a Palavra anuncia e promete, e fermento
para que a vida se transforme em koinonia e seja transfigurada na sobriedade e
na solidariedade em nome da Palavra (cf. a pregação itinerante: R 17).
-
A oração como vigilância: não pode ser interpretada como um tempo noturno
roubado ao sono para rezar. Mas antes como uma gramática do desejo: acende-se
no coração a certeza de uma presença e de um projeto, cujos contornos se
procuram na práxis (louvor, partilha, páscoa diária, reconciliação, luta
espiritual, ascese flexível, etc.). Mas também se propõe fazer de toda a
existência uma espera vigilante, um estar de sentinela, apaixonados e implorantes.
Não é, portanto, a quantidade ou o método que faz do Carmelo uma comunidade
orante. Mas este coração que vibra e espera, perscruta e implora, purifica-se e
põe em prática a Palavra.
-
Orar como Igreja e em nome da Igreja: este é na realidade o verdadeiro
sentido da vocação carmelita à oração. Uma oração não de horários e de tamanho,
mas de coração que ama e que implora, de paixão pelo Reino que trabalhosamente
se faz luz na história. Orar como Igreja é principalmente deixar-se amar e
convocar,. falar ao coração e salvar por meio da Palavra e da mesa eucarística,
da solidão e da corresponsabilidade, do trabalho e do silêncio, da fidelidade à
sabedoria dos séculos e da abertura ao novo que vai chegando. Se relermos os
nossos grandes mestres sob esta perspectiva, encontraremos muitas confirmações,
mas também um convite a mudar de esquema..
-
Uma oração teologal e não só orações: olhando-se bem para a Regra, mas ainda
para a nossa história e a nossa espiritualidade, descobrimos que a oração nunca
se desprende da história, antes está entrelaçada dentro da história, impregnada
de história. Reconhecemos que Deus está fazendo crescer os seus desígnios dentro da história: rezamos
desde dentro da nossa experiência de Filhos, e Cristo primogênito reza conosco
e em nós. Verdadeiramente rezamos antes de tudo com esta consciência, nele
reconhecendo misericórdia, perdão, ternura, fidelidade. A síntese é a oração do
Pai Nosso, que justamente vale tanto quanto o breviário inteiro.
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Uma oração eclesial:
enquanto fruto do Espírito, que anima a Igreja, conhece os seus gemidos e
aspirações, e os eleva em nosso favor até onde está o Pai (Rm 8,26). Trata-se
certamente de uma experiência pessoal autêntica, que nasce do coração e da
interioridade, mas não se fecha sobre si mesma, exprime ao mesmo tempo a
comunhão dos irmãos, dos filhos de Deus, do edifício espiritual que vai
crescendo sob a guia do Espírito. Não percamos de vista a função central da
capela dedicada a Maria: a oração, que nasce na interioridade de cada um, tende
por sua natureza a se manifestar em expressões compartilhadas por todos, como
expressão coral de uma família , de uma comunidade.
-
Uma oração que é via para crescimento em humanidade: retenhamos que
hoje é muito importante colocar a nossa atenção sobre o dinamismo do
crescimento na autoconsciência cristã através da oração e o orar. Para que
todos nos demos conta de que aqui justamente está uma das grandes dificuldades
da nossa oração: que ela se torne não só um problema de quantidade e de tempo,
de fórmulas e de gestos, mas sobretudo de crescimento dinâmico, de maturidade
global. A Regra propõe-nos uma experiência unificada e unificante com o
mistério da salvação, que se realiza no tempo e caminha para a plenitude do
Reino escatológico. O escopo final é uma existência transfigurada, em que tudo
vem à luz em síntese: é este o sentido dos últimos três capítulos do texto. E
nós devemos ajudar os jovens a se encaminharem até este modelo, dinâmico,
coenvolvente, sem perigosas dicotomias. Se, pelo contrário, a nossa preocupação
é a de ensinar as descrições metodológica e psicológicas dos nossos mestres,
nós nunca formaremos orantes de coração vigilante.
2- A palavra é uma lâmpada para os
nossos passos [cf. Sl 118 (119) 105]. Queremos completar esta nossa exposição
mais uma vez com um texto bíblico, que talvez raramente tenhamos lido. São
alguns versículos do Sirácide 35,9-18. Limito-me a algumas anotações para
ajudar na interpretação.
- A hipocrisia do culto sem justiça: não
se pode separar o culto a Deus do modo de viver, seguindo uma moral dupla. Deus
não se deixa enganar pelas aparências quando se oferece os frutos de ações
perversas. Não basta rezar pessoalmente com intensidade, é preciso saber
distinguir a desonestidade em tantas situações e não concordar com a
hipocrisia.
- O semblante alegre , com ânimo bem
disposto: não há verdadeiro diálogo com Deus se não existe amor e alegria ao
fazê-lo, desejo de encontrá-lo. No constrangimento e no medo não floresce
verdadeira oração. Mas a alegria nasce também da resposta de Deus, gratuita e
generosa. “Bela é a misericórdia no tempo da aflição: é como nuvens que trazem
a chuva no tempo da seca (Sr 35,24)”.
- Deus ouve a prece do oprimido: a
Escritura toda no-lo testemunha. Deus conhece e escuta a súplica e o desabafo. Quer
dizer que é lícito desabafar-se e gritar; mas também que aquele que ama a Deus
deve aguçar os próprios ouvidos e abrir
o próprio coração para escutar como Deus e a reagir como Ele, “restabelecendo a
eqüidade”.
- Rezar com o corpo: notemos a ênfase corpórea
deste modo de orar. Reforça o sentido da luta, da fadiga, da solidão; é também
expressão de uma fé tenaz e confiante. É o corpo todo e a vida que se fazem
oração; não é apenas um dizer orações de qualquer maneira.
- Caminho de crescimento. Seja para quem
implora e desafia as nuvens para se fazer escutar, seja para a história da
humanidade, a oração do humilde torna-se graça que abala as injustiças e faz
realizar a justiça e a misericórdia. Bartolomeu de las Casas foi justamente
lendo este texto que se converteu de clérigo conquistador em profeta dos
oprimidos.
Para
refletir:
1º- Estamos convencidos de que devemos
repensar o sentido da nossa vocação para a oração?
2º-Como tornar-se Igreja orante e não só
fazer orações?
3º- Como crescer em humanidade e
solidariedade rezando?
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