Leonardo
Carvalho, jornalista. São Paulo.
Uma história que
aconteceu hoje e me deixou profundamente sensibilizado. Já passava das 8h30.
Encontrava-se no ônibus a caminho do trabalho. Como de costume estava com meus
fones de ouvido em baixo volume e lendo o Vade Mecum. Porém, em um dado momento
que não sei precisar quando, entra um senhor no ônibus esbanjando alegria. Como
o transporte era articulado, vi o senhor próximo ao cobrador. Na minha cabeça,
mais um pedinte como rotineiramente vemos. Eis meu engano.
O senhor com
mais de seus 70 anos, vestimentas humildes vinha vagarosamente andando no
ônibus pedindo uma ajuda. Ele brincava com o tamanho até das moedas. As moedas
de 10 centavos eram pequeninas, mas iriam ajudar. Já uma moeda de 25 eram um
pouco maiores, mas ele ficava satisfeito. Pedia, de forma engraçada, para não
jogar as moedas de 50 centavos pela janela. As de 1 real ele dizia que eram as
que garantiriam um belo "filão" amanhã no feriado da Consciência
Negra. Entre um passo e outro, uma brincadeira e outra, vinha alegre esse
senhor. Ele também cantarolava músicas católicas ou evangélicas, não sei precisar.
Mas, em comum, ele sempre falava que ele iria para o paraíso. Que o paraíso o
aguardava.
Vi muitas
pessoas, sensibilizadas como eu, ajudando com algumas moedas. Tinha que ver a
alegria do senhor ao receber as moedinhas. Pessoal do ônibus até comemorava
discretamente. O senhor veio chegando mais próximo a mim, lá no fundo do
transporte coletivo. Porém, antes de ajudar o "pobre coitado",
atentei-me a sua figura (como podem ver na foto abaixo). Esse senhor era cego e
portava uma bengala já antiga. O que mais mexeu comigo foi à pele desse senhor.
Ela parecia à transformação, no início, dos estaladores/corredores do The Last
Of Us (jogo de videogame). Pareciam fungos, não sei o que era ao certo. Mas
eram muito grandes. Uns, inclusive, lhe tiravam totalmente a visão. Inúmeros na
cabeça e nos braços.
Curioso que sou, chamei-o. Disse que
iria lhe ajudar, mas que gostaria de conversar um pouquinho com ele. Dei meu
lugar para ele se sentar e comecei a perguntar algumas coisas. Eis o diálogo:
Eu:
Senhor, desculpe a intromissão, mas sou formado em jornalismo e curioso por
natureza. O que são essas marcas na sua pele?
Ele: O meu jovem,
nem lembro mais. Elas já fazem tanto tempo parte da minha vida. Isso é antigo.
Eu:
Você não tem família senhor?
Ele: Sim, tenho sim. Minha mulher morreu
cedo garoto. Porém, antes disso, deixou a maior benção da minha vida, meu
filho. Ele inclusive cuida de mim até hoje, mesmo já tendo mais de 50 anos nas
costas.
Eu:
Se ele cuida do senhor, porque o senhor está aqui no ônibus pedindo ajuda?
Ele: Meu filho nem
desconfia que faço isso. Ele trabalha o dia todo para me ajudar. Para comprar a
comida e manter as despesas da casa. Mas, sempre fui trabalhador. Mesmo depois
que a vida me deu a cegueira e essas marcas que você me perguntou. Todo dia,
assim que ele sai para trabalhar, dou um espaço de tempo e também vou à luta.
Eu:
Mas o senhor não é aposentado?
Ele: Sim, eu sou. Mas, meu jovem, que
aposentado consegue sobreviver com o pouco que recebemos? Sempre falta. Não
quero deixar tudo por conta do meu filho. Ele viveu uma vida para me ajudar,
não acho justo isso. Por isso venho quase todos os dias de ônibus em ônibus
pedindo uma pequena ajuda do pessoal.
Eu:
Senhor, perdoe a pergunta. Mas como você tira tanta força para suportar tudo o
que o senhor claramente passa, já idoso, e ainda seguir cantarolando e
brincando com as pessoas?
Ele: Qual o seu nome?
Eu:
Leonardo.
Ele: Meu jovem Leonardo, se eu seguir
reclamando da minha vida vou viver de forma triste. Não quero isso. Quero
seguir meu trabalho. Posso ser cego e ter essas deformidades na minha pele, mas
não desisto não. Sei que Deus está preparando algo melhor para mim. Por isso
canto que eu chegarei ao paraíso. Por isso brinco com as pessoas nos ônibus.
Eles me ajudam com o pouco que tem e, em troca, tento mostrar-lhes que se eu
posso, eles também podem conseguir.
Fico
em silêncio.
Ajudo-o a levantar e se apoiar no ônibus. Nesse momento, abro minha carteira e
vejo que tenho apenas R$ 23,25. Dou-lhe tudo. Não existia preço naquele momento
pelo que esse senhor me causou. Vendo minha atitude, as pessoas que escutavam
atentamente tudo o que o senhor me contava, resolveram dar tudo o que tinham na
carteira também. O senhor começou a chorar. Ele sabia que eram notas e não as
"pequeninas" moedas. Pede-me, encarecidamente, que conte o quanto
tinha ali. No total, só naquele ônibus, ele conseguiu R$ 217,70. Ele começa a
cantarolar, em meio às lágrimas, o que ele dizia que era a ajuda de anjos.
Muitas mulheres, inclusive, ficaram sensibilizadas também com a atitude. Eu mesmo
fiquei bastante e só não fui às lágrimas junto sabe-se lá o motivo.
Todos que me conhecem sabem que eu não
acredito em Deus. Porém, apenas por hoje, eu resolvi acreditar. Só por hoje eu
quero acreditar que esse Deus levará esse sofrido homem para o céu e, com toda
certeza do mundo, já tem um lugarzinho cativo próximo a Ele. Só nessa noite,
experimentarei fazer uma oração. Não por mim, mas por esse homem. O que ele
causou em mim acredito que dificilmente outra pessoa causaria. Rezarei com
força para que ele siga com essa alegria, cantarolando que chegará ao paraíso,
pois são de pessoas assim que o mundo precisa. Não com a cegueira ou as
deformidades na pele. Mas com o coração e alegria capazes de proporcionar ao próximo
momentos de extrema união.
Obrigado, senhor.
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