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quinta-feira, 24 de julho de 2014

Um olhar sobre a vida religiosa: Os Conselhos Evangélicos ou votos.

 Introdução
Os conselhos evangélicos que um religioso professa devem ser compreendidos num determinado contexto. Os votos são uma realidade vivida. São valores evangélicos proclamados publicamente na Igreja por homens e mulheres. Precisamos compreendê-los menos como um ideal, ou um estado de perfeição para o qual trabalhamos, do que como um contexto ou uma condição para seguir Jesus Cristo hoje. Eles apontam para o futuro, para o eskáton. No entanto, eles também são um modo de viver e testemunhar hoje a presença misericordiosa de Deus no mundo. Depois destes esclarecimentos, refletiremos sobre os votos a partir de três princípios básicos ou contextuais.
Em primeiro lugar, a reflexão teológica para nossa discussão sobre os votos é a encarnação de Jesus Cristo. Uma teologia pré-Vaticano II enfocava a natureza escatológica dos votos, dando uma ênfase ao relacionamento espiritual com Cristo e com o mundo. Este conceito de vida religiosa como um estado de perfeição baseava sua teologia na interpretação da história do jovem rico (Mt 19,16-22), enfatizando a ideia de dois caminhos. O melhor caminho é aquele dos conselhos evangélicos oferecidos a algumas almas escolhidas com a pretensa superioridade do estado religioso definido mais tarde como o estado da perfeição. Por outro lado, uma teologia inserida vê Jesus Cristo como a encarnação do amor de Deus por nós. A realidade histórica de Jesus, e a entrada de Deus na história humana através dele, mudou a forma de experimentarmos Deus. Por ter sido agraciada por Deus em Jesus, a experiência humana é o principal veículo para a experiência do amor de Deus. Então, no contexto dos votos, devemos encará-los como um meio específico de viver a vida cristã e carmelitana hoje, sem considerá-los exclusivamente como uma como uma escolha privilegiada.
Em segundo lugar, a contribuição carmelitana para nossa discussão dos votos é a Regra de Santo Alberto. Em resposta ao Espírito Santo os primeiros carmelitas desenvolveram um modo de vida no seguimento de Jesus Cristo.   Embora os votos na Regra sejam apenas mencionados mas não explorados explicitamente, os elementos fundamentais do carisma carmelitano expressos na Regra são o contexto no qual somos chamados a viver os votos. A busca pela face de Deus   no contexto da vida comunitária   e no serviço ao povo de Deus   é o local e o processo para vivermos os conselhos evangélicos.
Este carisma é uma expressão do chamado evangélico à constante conversão em nossos relacionamentos com Deus. Ele é uma expressão do que significa seguir Jesus. Então, os três votos tornam-se uma outra maneira de ajudar nesta experiência contínua de conversão. Uma vida de oração, vivida em comunidade e no serviço aos outros, torna-se o contexto para a vivência dos votos como religiosos. Os votos, vividos no contexto carmelitano, deveriam nos ajudar no processo que “nos transforma na existência amorosa de Deus”.
Finalmente, o terceiro ponto para nossa discussão dos votos é o contexto cultural que cada um de nós leva para a vivência dos votos. O desafio para cada um de nós é viver os votos em nosso próprio contexto. Em outras palavras, o cenário histórico e cultural de cada carmelita é um sacramento para nós.

História
A história dos votos religiosos nos mostra uma evolução na vida da igreja. Ao longo da história da Igreja, a forma e o conteúdo dos votos mudam de acordo com as necessidades e expectativas da comunidade cristã. Em outras palavras, a vida religiosa nem sempre foi identificada com os três conselhos evangélicos, tais como os conhecemos hoje.
Os primeiros eremitas e cenobitas não faziam uma profissão religiosa formal. Enquanto a castidade, que possuía uma ênfase mais unitiva e mística, era a virtude característica das mulheres que faziam votos ao serviço de Deus na Igreja, a virtude que caracterizava a vida monástica era a obediência, que possuía uma ênfase mais ascética. Um monge, por exemplo, ia para o deserto e colocava-se sob a obediência de um pai espiritual. Este pai espiritual o guiaria em sua jornada espiritual e no desenvolvimento das outras virtudes evangélicas, incluindo, é claro, a castidade e a pobreza.
Enquanto o estilo de vida cenobítico crescia, reunindo várias pessoas vivendo juntas em comunidade, a obediência se tornou um meio de organizar e harmonizar a comunidade. É difícil determinar quando o compromisso de obediência entrou na vida monástica, mas nos primeiros anos do século VI, o abade não era visto simplesmente como o guia espiritual, mas como aquele que está no lugar de Cristo, dirigindo a família monástica de fé.
Com a Regra de São Bento foram introduzidas outras promessas. Bento exigiu que o monge professasse a estabilidade, a mudança de vida e a obediência.   Ele menciona a castidade apenas uma vez como um dos setenta e dois Instrumentos das Obras de Caridade no capítulo quatro de sua Regra. Caso o monge ainda não tivesse renunciado à sua propriedade antes de entrar para o mosteiro, ele deveria doá-la ao mosteiro “não retendo nada para si, sabendo com isso que, deste dia em diante, não seria dono nem de seu próprio corpo”.
Durante as Reformas Carolíngias, entre o fim do século VIII e início do século IX, a Regra de São Bento tornou-se a regra normativa para os monges na Igreja ocidental. Assim a profissão da obediência, da mudança de vida e da estabilidade eram os votos religiosos padrões. Durante os séculos que se seguiram a Bento, especialmente do século VIII até o século XI, muitas das abadias cresceram e se tornaram estabelecimentos muito prósperos.
Enquanto a Regra Beneditina tornava-se universal entre os mosteiros da Europa ocidental ao longo do século IX, surgiu uma forma alternativa de vida religiosa que buscava inspiração em outro lugar. Um número significativo de monges e cônegos, seguindo a Regra Agostiniana, que se desenvolveu no início do século XI, optaram por ser eremitas orantes e um número de mosteiros começou a se reformar e a se voltar para um estilo de vida mais simples. O século XII foi um período de revolução econômica na qual a base da riqueza mudou do capitalismo feudal para o capitalismo comercial. Enquanto as cidades se revitalizavam através da expansão do comércio, ocorreu uma revolução social. A riqueza e o poder na sociedade passaram da nobreza rural para os comerciantes urbanos.
Esta revolução econômica gerou um tremendo sentimento de ansiedade moral, na medida em que as pessoas viam a ordem estabelecida sucumbir e ser substituída. Nesta tensão, surgiram muitos movimentos que glorificavam a pobreza evangélica. Os valdenses, os umiliati e, finalmente, os franciscanos tentaram responder a esse momento, especialmente este último grupo. Nasceu assim o movimento mendicante: uma proposta radical de viver o evangelho.
A Regra que Alberto de Jerusalém deu aos primeiros carmelitas exigia que os eremitas professassem apenas a obediência.   Nesta ocasião a autoridade era vista cada vez mais como algo adquirido pelos cidadãos que escolhiam seus líderes para governar, a partir de um consenso entre o povo. Esta mudança social se refletia num novo estilo de liderança fraterna nas comunidades religiosas deste período. As novas comunidades rejeitaram o governo abacial em favor dos priores que governavam suas comunidades com o consentimento do capítulo. A obediência determinada na Regra Carmelitana refletiu este novo espírito.
 O chamado para um único voto na Regra não sobreviveu à mitigação de 1247 de Inocêncio IV. Uma das modificações era expressar diretamente que os carmelitas professam “obediência – que, ao prometer, o carmelita deve tentar fazer de seu ato uma verdadeira reflexão – e também a castidade e a renúncia da propriedade”.   É interessante observar que a fórmula de profissão não foi mudada para mencionar a castidade e a renúncia da propriedade até as Constituições de John Soreth em 1462.
A razão precisa para esta mudança, que afetou todos os mendicantes, não está clara. Obviamente os frades não poderiam assumir os votos monásticos, já que a estabilidade era contrária à visão de Francisco, que queria que seus frades pregassem o evangelho de cidade em cidade. De fato, para Francisco o que substituía a estabilidade era a pobreza. Enquanto a Igreja do tempo de Bento necessitava de monges que respondessem a um pai espiritual confiável, a Igreja no tempo de Francisco necessitava de religiosos que possuíssem aquela santidade testemunhada pela pobreza. A pobreza dos valdenses (um grupo de radicais seguidores do evangelho) e a pobreza e a castidade reconhecidamente rigorosa dos cátaros (um grupo radical no movimento de vita apostolica) exigia que estas virtudes fossem intensamente vividas pelos frades. Portanto, faz sentido que a Igreja tenha ligado estas duas virtudes à obediência, apresentando-as como as qualidades essenciais da vida religiosa no começo do século XIII.
Quanto ao voto de pobreza, originalmente os mendicantes queriam um novo estilo de pobreza. Não significava simplesmente que o indivíduo não tinha qualquer bem pessoal, mas também obrigava a própria comunidade à pobreza. As ricas abadias não eram mais o ideal. Os dominicanos e os franciscanos tinham visões ligeiramente diferentes a respeito desta pobreza comum. Embora nenhum dos dois possuísse propriedades de produção de renda, os dominicanos tiveram a permissão de possuir conventos com as plantações que forneciam alimento para sua mesa, ao passo que os franciscanos não possuíam nem o título de suas casas. Gregório IX impôs um estilo de pobreza franciscana aos carmelitas em sua Bula de 1229. “... proibimos estritamente de qualquer forma que vocês aceitem ou ousem manter como sua propriedade tanto suas ermidas ou bens ou casas ou outra renda...”
Já que Gregório IX foi um admirador e confidente de Francisco, era natural para ele impor o ideal de Francisco como o modelo a partir do qual os outros religiosos deveriam se confrontar. No entanto, tal idealismo não resistiu ao século. Na verdade, nas últimas décadas do século XIII as comunidades carmelitanas não apenas possuíam seus conventos e hortas, mas também propriedades com produção de renda, tais como casas particulares, vinhas, lojas, fazendas e igrejas paroquiais.

Assim, os votos têm sido uma realidade que evoluiu na vida religiosa. A forma tríplice tem se mantido em vigor desde o século XIII. Contudo, está claro que seu papel na vida religiosa e o significado dos votos particulares mudou através de toda história da vida religiosa. Então, é importante perceber que como símbolos de um compromisso interior eles querem ser uma personificação de um valor evangélico vivido num determinado momento histórico. Eles precisam falar com renovado vigor em cada situação nova que os religiosos e suas comunidades enfrentam. A história nos ensina que apenas as coisas que estão abertas para um renovador significado e para uma compreensão nova, sobrevivem de uma geração à outra e continuam a contribuir para a vida do corpo de Cristo.

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