Ameaçado
e sob escolta permanente há 3 meses, José Júnior, líder da ONG AfroReggae, diz
não se arrepender das denúncias que fez. E critica o tripé política, religião e
tráfico.
José
Júnior é uma das figuras mais conhecidas do Rio. O coordenador da ONG
AfroReggae – que atua na mediação de conflitos e oferece emprego a
ex-traficantes e jovens de baixa renda em favelas – perdeu, há 3 meses, sua
liberdade. Ameaçado, Júnior não dá um passo sem a escolta de 10 seguranças.
Tudo isso após denúncias ligando o pastor Marcos Pereira a traficantes
cariocas. Líder da Igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias, o religioso está
preso desde maio, acusado pelo Ministério Público de estupro.
Em
julho, o AfroReggae foi expulso de sua sede, no Complexo do Alemão, pelo
tráfico. Desde então, a ordem é precaução. “Hoje, não posso mais ir ao cinema,
ao shopping, à praia”, conta. “Até ao enterro do meu pai tive de entrar com um
efetivo. Quando nasceu minha filha, 10 dias depois, tiveram de cercar a
maternidade para que eu e minha mulher entrássemos.”
Carismático,
Júnior se destaca por costurar parcerias empresariais bem-sucedidas. E é bem
visto também no meio político. De Marcelo Freixo a Eduardo Paes, cultiva
relações com todos os partidos. Fala semanalmente com o governador Sérgio
Cabral – que forneceu parte do efetivo de seguranças que o escolta. E diz ter
um novo amigo, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Apesar
das ameaças, garante, o AfroReggae não para. O próximo projeto será em Cabo
Verde, na África, em parceria com o Unicef. “Se eu for assassinado, para o
país, para o Rio de Janeiro, isso seria uma derrota absurda.”
A entrevista é publicada pela coluna de
Sônia Racy, O Estado de S. Paulo, 23-09-2013.
Eis a entrevista.
Você tem medo?
Eu
me preparei muito para estar onde estou. No dia a dia, até porque não estudei
para fazer mediação de conflito em área de guerra. Fui aprender na prática e
estou sobrevivendo. Vou te falar uma coisa: eu não vou morrer, eles não vão me
matar. Por várias razões. Primeiro: tenho um protetor espiritual muito grande.
Segundo: estou com uma grande segurança. Se eu for assassinado, para o País,
para o Rio de Janeiro, isso seria uma derrota absurda.
O que mudou na sua vida?
Sempre
disse que você pode até blindar sua casa e seu carro, mas não seus olhos e seu
coração. Eu tinha esse discurso. Mas estar na lista das pessoas mais marcadas
para serem assassinadas é uma situação difícil e que particularmente não me
deixa confortável. Estive, recentemente, em Minas Gerais. Quando o governador,
(Antonio) Anastasia, soube, liberou um efetivo durante 30 horas. Andar assim é
uma novidade. Mas, para conseguir ajudar algumas pessoas a terem sua liberdade,
tive de perder a minha privacidade e a minha liberdade.
Tem algum arrependimento?
Nenhum.
Hoje, por exemplo, não posso mais ir ao cinema, ao shopping, à praia. Quer
dizer, não é que eu não possa, não é recomendado. Até ao enterro do meu pai
tive de entrar com um efetivo. Isso me marcou muito. Quando nasceu minha filha,
10 dias depois, tiveram de cercar a maternidade para que eu e minha mulher
entrássemos. Tudo isso aconteceu de 9 de julho para cá. Perdi meu pai e minha
filha nasceu, entendeu?
Você foi aconselhado por autoridades a
deixar o País. Cogitou isso?
Não
vou sair. Tenho a palavra do governador Sérgio Cabral de que vai me dar toda a
segurança que eu necessitar. Outras pessoas que viraram grandes amigos são o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o senador Eduardo Suplicy, ambos
me acompanham desde 2006. Cardozo esteve ao meu lado o tempo inteiro.
Nesse contexto, o que acha das
manifestações que tomaram as ruas do País? Falta cobrar o fim da violência?
Estou
fazendo um programa para o Conexões Urbanas (que ele apresenta no Multishow)
sobre isso. Gravei tanto com manifestantes quanto com o batalhão de choque da
PM, que é acusado de chegar aos extremos. Vai ao ar em outubro. Acho que vai
caducar. Nós chegamos a gravar até 300 mil pessoas. Hoje, uma manifestação aqui
no Rio não passa de 200 pessoas, cria mais mal-estar do que outra coisa. A
gente vê as pessoas saqueando, quebrando. Os protestos pacíficos são
fundamentais.
Como o AfroReggae se posiciona em
relação ao desaparecimento do pedreiro Amarildo, na favela da Rocinha?
Infelizmente,
o sumiço do Amarildo e o incêndio do AfroReggae aconteceram juntos. Quando o
Amarildo sumiu, existiu um questionamento sobre se ele era bandido ou não. Isso
não interessa. Agora, eu estou no meio de uma guerra e minha família também.
Não dá para o AfroReggae se posicionar. Temos de ter foco. O Amarildo sumiu de
uma maneira equivocada, que coloca em xeque várias situações de avanços
concretos que o Rio conquistou. Ao mesmo tempo, estamos sendo ameaçados por uma
situação que é de um poder colossal. Eu me preocupo com todo mundo, mas não
posso tirar meu foco. Meu pai morreu, minha filha nasceu, nós sofremos quatro
ataques. A gente está numa guerra, eu estou na guerra. Os tiros que deram no
AfroReggae não foram de borracha, entendeu? Foram tiros de fuzil. Sinceramente,
acho que as pessoas são leais e desleais ao mesmo tempo. Vou dar um exemplo: o
Pablo Capilé (líder do coletivo Fora do Eixo), até dois meses atrás, era o rei
das redes sociais. As mesmas redes sociais que agora estão destruindo o cara.
Acho que existe uma coisa volúvel, da mesma forma que te elevam, também te
derrubam.
O
Beira-Mar não tem nada contra mim… me soa muito estranho. O Fernandinho
Beira-Mar tem um filho que trabalhou no AfroReggae, eu cansei de encontrar a
mulher dele no presídio. Falaram que o pastor Marcos Pereira disse ter
evangelizado o Beira-Mar, mas isso é uma mentira. Todo mundo sabe que o
Beira-Mar é ateu. Vou te falar o seguinte: ele não tem motivo para se meter com
a gente. Isso eu posso dizer. Agora, se ele se meteu, e as gravações mostram,
me soa muito estranho.
Você não falou com ele depois disso? O
filho dele ainda trabalha no AfroReggae Júnior?
Não
trabalha mais, porque não quer. Saiu depois de certo tempo, porque o tio dele
ficou com medo de que fosse sequestrado no caminho. Mas gosto muito do filho
dele. Eu estive com a família do Beira-Mar. Na verdade, a família me procurou
para dizer que ele não tem nada contra mim. E que, se eu quisesse, poderia ir
visitá-lo, que ele queria me dizer que não fez nada disso. Eu não vou.
Por que você está numa situação muito
vulnerável?
Não
é só isso. O grupo, o movimento que foi criado no Rio e pessoas de São Paulo
não vão gostar que eu vá. Particularmente, até teria vontade de ir. Mas
qualquer atitude que eu tome em relação a essa questão, hoje, vou ter de levar
para a discussão coletiva. Nesse momento, se tem alguém que está sendo
protegido pelo Estado – e bem protegido – sou eu.
Você falou do Beira-Mar, mas não sobre o
Marcinho VP…
Não
posso garantir que ele não tenha nada contra mim, porque teve uma relação
estreita com o pastor Marcos Pereira. Existe um arquivo oficial do Ministério
Público em que o promotor do caso denuncia o pastor como operador do Marcinho
VP, há 20 anos.
As primeiras denúncias que você fez eram
justamente ligando o pastor ao narcotráfico?
Sim.
Uma cosia é clara: nunca citei o nome de ninguém. A não ser o do pastor. Aí é
uma investigação do Ministério Público. Há um vídeo com depoimentos de gente
que testemunhou o pastor mandar assassinar outras pessoas e também pessoas que
o ouviram mandando atacar o Rio, em 2006 e 2010. Ele é um inimigo do Rio.
Você sempre criticou o maniqueísmo –
principalmente no contexto da favela – e foi um dos primeiros brasileiros a
introduzir o conceito de mediação de conflitos. Na sua situação, hoje, continua
pensando do mesmo jeito?
Sim,
até porque, na verdade – e eu vou dar nome –, a própria facção Comando Vermelho
não está contra mim. Existe um líder, uma pessoa contra mim. Na verdade, não
mudou nada, entendeu?
Mas você não tem mais autonomia de poder
entrar em qualquer lugar, mobilidade.
Evito,
na verdade, mediar um conflito no Alemão. No caso do Alemão, não sou
recomendado a fazer isso. Mas, vamos deixar claro: o Comando Vermelho não está
contra o AfroReggae. Existem algumas pessoas que estão contra. Só que essas
pessoas têm muito poder.
Acha que pode ser alvo de novos ataques?
Nada
me surpreende mais. Vou te dar uma fala do deputado Marcelo Freixo: muito me
preocupa esse tripé que envolve política, religião e crime organizado. É o pior
tripé que existe. Agora, nunca uma pessoa bateu de frente como a gente está
batendo. Eu mostrei meu rosto, acusei. Isso faz parte do meu DNA e não vou
recuar, não vou retirar as queixas que fiz. Fui procurado por advogados para
retirar as queixas contra o pastor Marcos e tudo voltaria ao normal. E eu não
fiz isso. Por quê? Porque não vou ceder.
Como ficou o seu trabalho em meio a isso
tudo?
Continua
igual. Estou gravando Conexões Urbanas, e vou começar a gravar agora um
programa novo, que vai estrear no Multishow, chamado Zona Neutra. É um programa
de auditório.
E vai discutir o quê?
Juntamos
cinco pessoas e discutimos temas em que elas tenham algum tipo de desavença. No
primeiro que gravamos, reunimos pessoas que eram do Comando Vermelho, do
Terceiro Comando, da ADA, ex-milicianos, ex-traficantes. E policiais civis,
policiais militares. Foi uma discussão com plateia. No outro, a ideia é juntar
torcida organizada. Tem a do Corinthians, a do Palmeiras, vários níveis de
torcida organizada. No caso desse programa, por exemplo, a gente está focando muito
mais São Paulo do que o Rio. As desavenças em São Paulo são maiores do que no
Rio.
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