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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

José Júnior, líder da ONG AfroReggae: “Se eu for assassinado, isso seria uma derrota absurda para o País”

Ameaçado e sob escolta permanente há 3 meses, José Júnior, líder da ONG AfroReggae, diz não se arrepender das denúncias que fez. E critica o tripé política, religião e tráfico.
José Júnior é uma das figuras mais conhecidas do Rio. O coordenador da ONG AfroReggae – que atua na mediação de conflitos e oferece emprego a ex-traficantes e jovens de baixa renda em favelas – perdeu, há 3 meses, sua liberdade. Ameaçado, Júnior não dá um passo sem a escolta de 10 seguranças. Tudo isso após denúncias ligando o pastor Marcos Pereira a traficantes cariocas. Líder da Igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias, o religioso está preso desde maio, acusado pelo Ministério Público de estupro.
Em julho, o AfroReggae foi expulso de sua sede, no Complexo do Alemão, pelo tráfico. Desde então, a ordem é precaução. “Hoje, não posso mais ir ao cinema, ao shopping, à praia”, conta. “Até ao enterro do meu pai tive de entrar com um efetivo. Quando nasceu minha filha, 10 dias depois, tiveram de cercar a maternidade para que eu e minha mulher entrássemos.”
Carismático, Júnior se destaca por costurar parcerias empresariais bem-sucedidas. E é bem visto também no meio político. De Marcelo Freixo a Eduardo Paes, cultiva relações com todos os partidos. Fala semanalmente com o governador Sérgio Cabral – que forneceu parte do efetivo de seguranças que o escolta. E diz ter um novo amigo, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Apesar das ameaças, garante, o AfroReggae não para. O próximo projeto será em Cabo Verde, na África, em parceria com o Unicef. “Se eu for assassinado, para o país, para o Rio de Janeiro, isso seria uma derrota absurda.”
A entrevista é publicada pela coluna de Sônia Racy, O Estado de S. Paulo, 23-09-2013.
Eis a entrevista.
Você tem medo?
Eu me preparei muito para estar onde estou. No dia a dia, até porque não estudei para fazer mediação de conflito em área de guerra. Fui aprender na prática e estou sobrevivendo. Vou te falar uma coisa: eu não vou morrer, eles não vão me matar. Por várias razões. Primeiro: tenho um protetor espiritual muito grande. Segundo: estou com uma grande segurança. Se eu for assassinado, para o País, para o Rio de Janeiro, isso seria uma derrota absurda.
O que mudou na sua vida?
Sempre disse que você pode até blindar sua casa e seu carro, mas não seus olhos e seu coração. Eu tinha esse discurso. Mas estar na lista das pessoas mais marcadas para serem assassinadas é uma situação difícil e que particularmente não me deixa confortável. Estive, recentemente, em Minas Gerais. Quando o governador, (Antonio) Anastasia, soube, liberou um efetivo durante 30 horas. Andar assim é uma novidade. Mas, para conseguir ajudar algumas pessoas a terem sua liberdade, tive de perder a minha privacidade e a minha liberdade.
Tem algum arrependimento?
Nenhum. Hoje, por exemplo, não posso mais ir ao cinema, ao shopping, à praia. Quer dizer, não é que eu não possa, não é recomendado. Até ao enterro do meu pai tive de entrar com um efetivo. Isso me marcou muito. Quando nasceu minha filha, 10 dias depois, tiveram de cercar a maternidade para que eu e minha mulher entrássemos. Tudo isso aconteceu de 9 de julho para cá. Perdi meu pai e minha filha nasceu, entendeu?
Você foi aconselhado por autoridades a deixar o País. Cogitou isso?
Não vou sair. Tenho a palavra do governador Sérgio Cabral de que vai me dar toda a segurança que eu necessitar. Outras pessoas que viraram grandes amigos são o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o senador Eduardo Suplicy, ambos me acompanham desde 2006. Cardozo esteve ao meu lado o tempo inteiro.
Nesse contexto, o que acha das manifestações que tomaram as ruas do País? Falta cobrar o fim da violência?
Estou fazendo um programa para o Conexões Urbanas (que ele apresenta no Multishow) sobre isso. Gravei tanto com manifestantes quanto com o batalhão de choque da PM, que é acusado de chegar aos extremos. Vai ao ar em outubro. Acho que vai caducar. Nós chegamos a gravar até 300 mil pessoas. Hoje, uma manifestação aqui no Rio não passa de 200 pessoas, cria mais mal-estar do que outra coisa. A gente vê as pessoas saqueando, quebrando. Os protestos pacíficos são fundamentais.
Como o AfroReggae se posiciona em relação ao desaparecimento do pedreiro Amarildo, na favela da Rocinha?
Infelizmente, o sumiço do Amarildo e o incêndio do AfroReggae aconteceram juntos. Quando o Amarildo sumiu, existiu um questionamento sobre se ele era bandido ou não. Isso não interessa. Agora, eu estou no meio de uma guerra e minha família também. Não dá para o AfroReggae se posicionar. Temos de ter foco. O Amarildo sumiu de uma maneira equivocada, que coloca em xeque várias situações de avanços concretos que o Rio conquistou. Ao mesmo tempo, estamos sendo ameaçados por uma situação que é de um poder colossal. Eu me preocupo com todo mundo, mas não posso tirar meu foco. Meu pai morreu, minha filha nasceu, nós sofremos quatro ataques. A gente está numa guerra, eu estou na guerra. Os tiros que deram no AfroReggae não foram de borracha, entendeu? Foram tiros de fuzil. Sinceramente, acho que as pessoas são leais e desleais ao mesmo tempo. Vou dar um exemplo: o Pablo Capilé (líder do coletivo Fora do Eixo), até dois meses atrás, era o rei das redes sociais. As mesmas redes sociais que agora estão destruindo o cara. Acho que existe uma coisa volúvel, da mesma forma que te elevam, também te derrubam.
 Que acha das denúncias ligando o traficante Fernandinho Beira-Mar aos ataques à sede do AfroReggae, no Alemão?
O Beira-Mar não tem nada contra mim… me soa muito estranho. O Fernandinho Beira-Mar tem um filho que trabalhou no AfroReggae, eu cansei de encontrar a mulher dele no presídio. Falaram que o pastor Marcos Pereira disse ter evangelizado o Beira-Mar, mas isso é uma mentira. Todo mundo sabe que o Beira-Mar é ateu. Vou te falar o seguinte: ele não tem motivo para se meter com a gente. Isso eu posso dizer. Agora, se ele se meteu, e as gravações mostram, me soa muito estranho.
Você não falou com ele depois disso? O filho dele ainda trabalha no AfroReggae Júnior?
Não trabalha mais, porque não quer. Saiu depois de certo tempo, porque o tio dele ficou com medo de que fosse sequestrado no caminho. Mas gosto muito do filho dele. Eu estive com a família do Beira-Mar. Na verdade, a família me procurou para dizer que ele não tem nada contra mim. E que, se eu quisesse, poderia ir visitá-lo, que ele queria me dizer que não fez nada disso. Eu não vou.
Por que você está numa situação muito vulnerável?
Não é só isso. O grupo, o movimento que foi criado no Rio e pessoas de São Paulo não vão gostar que eu vá. Particularmente, até teria vontade de ir. Mas qualquer atitude que eu tome em relação a essa questão, hoje, vou ter de levar para a discussão coletiva. Nesse momento, se tem alguém que está sendo protegido pelo Estado – e bem protegido – sou eu.
Você falou do Beira-Mar, mas não sobre o Marcinho VP…
Não posso garantir que ele não tenha nada contra mim, porque teve uma relação estreita com o pastor Marcos Pereira. Existe um arquivo oficial do Ministério Público em que o promotor do caso denuncia o pastor como operador do Marcinho VP, há 20 anos.
As primeiras denúncias que você fez eram justamente ligando o pastor ao narcotráfico?
Sim. Uma cosia é clara: nunca citei o nome de ninguém. A não ser o do pastor. Aí é uma investigação do Ministério Público. Há um vídeo com depoimentos de gente que testemunhou o pastor mandar assassinar outras pessoas e também pessoas que o ouviram mandando atacar o Rio, em 2006 e 2010. Ele é um inimigo do Rio.
Você sempre criticou o maniqueísmo – principalmente no contexto da favela – e foi um dos primeiros brasileiros a introduzir o conceito de mediação de conflitos. Na sua situação, hoje, continua pensando do mesmo jeito?
Sim, até porque, na verdade – e eu vou dar nome –, a própria facção Comando Vermelho não está contra mim. Existe um líder, uma pessoa contra mim. Na verdade, não mudou nada, entendeu?
Mas você não tem mais autonomia de poder entrar em qualquer lugar, mobilidade.
Evito, na verdade, mediar um conflito no Alemão. No caso do Alemão, não sou recomendado a fazer isso. Mas, vamos deixar claro: o Comando Vermelho não está contra o AfroReggae. Existem algumas pessoas que estão contra. Só que essas pessoas têm muito poder.
Acha que pode ser alvo de novos ataques?
Nada me surpreende mais. Vou te dar uma fala do deputado Marcelo Freixo: muito me preocupa esse tripé que envolve política, religião e crime organizado. É o pior tripé que existe. Agora, nunca uma pessoa bateu de frente como a gente está batendo. Eu mostrei meu rosto, acusei. Isso faz parte do meu DNA e não vou recuar, não vou retirar as queixas que fiz. Fui procurado por advogados para retirar as queixas contra o pastor Marcos e tudo voltaria ao normal. E eu não fiz isso. Por quê? Porque não vou ceder.
Como ficou o seu trabalho em meio a isso tudo?
Continua igual. Estou gravando Conexões Urbanas, e vou começar a gravar agora um programa novo, que vai estrear no Multishow, chamado Zona Neutra. É um programa de auditório.
E vai discutir o quê?
Juntamos cinco pessoas e discutimos temas em que elas tenham algum tipo de desavença. No primeiro que gravamos, reunimos pessoas que eram do Comando Vermelho, do Terceiro Comando, da ADA, ex-milicianos, ex-traficantes. E policiais civis, policiais militares. Foi uma discussão com plateia. No outro, a ideia é juntar torcida organizada. Tem a do Corinthians, a do Palmeiras, vários níveis de torcida organizada. No caso desse programa, por exemplo, a gente está focando muito mais São Paulo do que o Rio. As desavenças em São Paulo são maiores do que no Rio.

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