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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Um coração preocupado: O Trágico na vida e os sofrimentos da humanidade.

John Welch, O. Carm

Whitefriars Hall , Washington

          Uma dos aspectos que tornam atraente a tradição carmelitana é sua luta honesta com os problemas e as forças obscuras que atacam o corpo e o espírito. O Carmelo não evita o trágico na vida, mas o enfrenta diretamente. O sofrimento é uma grande parte da experiência do povo, e uma espiritualidade que não reconheça o sofrimento será ignorada. Os santos do Carmelo compartilham as dificuldades da vida .
Edith Stein e Tito Brandsma experimentaram a profundidade da crueldade humana e do mal inexplicável. Teresa de Lisieux em sua curta e escondida vida experimentou uma grande quantidade de sofrimento. Teresa de Lisieux conheceu o sofrimento produzido pela luta  tanto  no interior  como no exterior  de sua alma. A forte reputação de João da Cruz, seu mesmo nome, e sua imagem da “noite escura” falam de uma espiritualidade que leva a sério assumir um compromisso com o lado obscuro da vida. Pensemos também nos primeiros carmelitas que foram à periferia da sociedade e aí , sem distrações, abriram suas vidas à luta interior entre os bons e os maus espíritos.
As pessoas se sentem atraídas para uma espiritualidade que encontra palavras para seus sofrimentos mais profundos, e ao mesmo tempo oferece  uma esperança  ao coração  nestes tempos escuros. Os santos do Carmelo, nos diferentes séculos e culturas, compartilharam os sofrimentos comuns da humanidade. Um peregrino de qualquer época pode relacionar-se com os sofrimentos dos santos  do Carmelo e desejar tê-los como companheiros de caminho neste vale de sofrimentos. É bom voltar a recordar suas dificuldades.
Por exemplo, hoje em dia muitas pessoas podem identificar-se com os problemas de Teresa de Lisieux. Quando menina experimentou, não somente a perda de sua mãe, mas também a perda das seguintes mães que cuidaram dela.  Frágil continuou e  conheceu o sofrimento  da neuroses e a debilitação causada  pelas doenças psicossomáticas. Observou impotente a deteriorização mental de seu pai, uma figura heróica em sua vida, e seu internamento num asilo. O Carmelo foi para ela como um deserto e em sua última  doença mental e física, conheceu  a tentação do suicídio. Sua aparência doce nunca enganou aos devotos  de Teresa.  Reconheciam nela uma companheira de sofrimentos  que sabia por experiência o difícil que pode ser a vida.  No entanto, deu testemunho do amor que estava presente em tudo  e nunca a abandona.
Teresa expressou seu desejo de toda  vida: sofrer.  Sentia uma atração tão misteriosa pelo sofrimento que se não o tivesse relacionado  com o amor, seria suspeito. Desde que entrou no Carmelo, Teresa começou a experimentar secura no coração e permaneceu  nesta condição através do resto do breve tempo que esteve ali. E, assombrosamente, sua autobiografia com seu atraente manuscrito “B” foi escrito  enquanto ela estava  passando por uma terrível  noite escura  do espírito  e quando tudo estava em dúvida.  A idéia  do céu  que tinha inspirado  toda sua vida  na qual acreditava e se afastava dela. Intelectual e afetivamente não tinha certeza  alguma em relação à direção de sua vida.  Ao mesmo tempo escrevia essa linda  passagem a respeito de ser o amor no coração da Igreja e enviava cartas inspiradoras a seus irmãos missionários.
          Teresa estava experimentando sua própria transformação no forno de um amor obscuro. O único que ficava era o centro de sua fé, sua confiança, seu amor.  Quando ela nos anima a confiar e a acreditar  que “tudo é graça” não o faz a partir de uma posição de deleites tangíveis da presença amorosa de Deus, mas a partir de sua experiência da ausência  de Deus  e das rejeições de sua mente.  O Cardeal Daneels se perguntava se Teresa  poderia  ser chamada a “Doutora da esperança”  devido a seu testemunho na possibilidade humana de continuar adiante quando todos os apoios desapareceram.
O amor obscuro de Deus 
Teresa de Ávila advertiu que as lutas dentro de nossos frágeis psiquismos são muito mais difíceis que as externas.  Teresa teve que vencer muitos obstáculos em sua reforma. Teve que lutar com os opositores, com a compra de casas adequadas para suas comunidades, contratar operários para reformá-las, arrecadar fundos para sua manutenção, recrutar  membros para a comunidade, relacionar-se com vários eclesiásticos que não a apoiavam, viajar pelos difíceis caminhos da Espanha em más condições e enfrentar algum litígio com a corte.
Não obstante, ela comunicou que estas batalhas não se comparam com as batalhas enfrentadas em sua alma, enquanto ela se ocupava de suas profundidades na oração. “...Escutar  Sua voz dá mais trabalho que não escutá-la”.  Pode parecer que a reflexão de Teresa  sobre o “entrar em si mesmo” seria como ir para casa; que as batalhas  de fora são uma coisa, mas dentro da alma tudo é harmonia.  Entretanto, foi o contrário,  pois ao entrar em seu interior, verificava que estava em guerra consigo mesma.
A oração lança luz sobre aspectos de nossa alma que anteriormente não tínhamos  examinado.  As compulsões, os apegos, as maneiras não autênticas de viver, o falso eu, e os falsos deuses, tudo sai à luz enquanto a pessoa vai se afinando mais na verdade. Esta desagradável experiência pode conduzir ao medo, à debilidade  do coração  e à tentação de abandonar o  itinerário  existencial. O chamada de Teresa à valentia e a determinação através  de uma vida  de oração  não é demasiadamente dramática.  Aquilo de que a alma necessita, escreveu Teresa, é do conhecimento de si mesma. E a porta  desse conhecimento  de si mesma,  a porta  ao interior  do castelo,  é a oração  e a reflexão.
Sem um esforço orante, nos manteremos desesperançosamente fechados na periferia de nossas vidas perguntando aos outros e à criação  o que somente  Deus  pode nos dizer, isto é, quem somos.  Sem um verdadeiro centro que emerja de nossas vidas, viveremos  com muitos  “centros”, fragmentados e dispersos, pedindo a cada um deles que realize os desejos do nosso coração.  O único antídoto contra a morte certa que decorre do apego aos ídolos, é a dolorosa  batalha que supõe entrar em si mesmo  através da oração.
Os leitores modernos podem simpatizar  com Teresa enquanto  ela enumera as dificuldades de sua vida  que são, ter sido elogiada demais, injustamente criticada, tendo além de tudo que sofrer as contradições de homens bons que pensavam que suas experiências de oração  vinham  do demônio  e diariamente  tinha que enfrentar-se a sua saúde precária.
           Porém sua experiência mais difícil surgiu justamente quando sua relação com o Senhor era mais íntima.  Ela começou a questionar todo seu itinerário existencial, perguntando se tudo não fora criado por sua imaginação,  ou, se era de fato a presença de Deus em sua vida. Teria  imaginado que Deus  tinha sido bom com ela no passado?  Ela própria tinha sido boa no passado ou tinha imaginado isso? Em outras palavras, quando se esperaria  que a amizade com Deus  fosse base  sólida, então  surgiram as dúvidas.  Há alguém em casa,  no centro?  Tendo entregado sua vida  e sua melhor energia ao seguimento dessa “chama” , ela começou a perguntar-se se tudo era ilusão.
 
A pergunta  também seria feita de outra maneira: O  final será todo bom?  Tudo isso: a criação, o plano da salvação, o próprio Deus, é para nós?  Ou somos uma paixão inútil? O imenso desejo  de nosso coração, a fome da alma, serão frustrados no final de tudo? Ou existe uma realidade, um amor do tamanho do nosso desejo? Todas estas perguntas estão no coração do peregrinar humano.
O tempo, a perseverança, e a graça de Deus, deram a Teresa a resposta às suas dúvidas. Mais tarde ela nos fala da ausência dessas dúvidas que lhe corroíam a alma, e da certeza de uma relação profunda, mas não preocupante com o Senhor.  Porém, ainda nessa condição que ela identifica com o “desponsório espiritual” diz que confia mais no sofrimento. Ainda nos momentos em que estava presa na periferia da vida, ela sabia  que o discípulo de Jesus  levaria a cruz e que através desta surgiria  a vida.  Ela não construía cruzes artificiais em sua vida,  mas também não fugia das cruzes que a vida lhe apresentava. Ela tinha aprendido  a confiar nesse, às vezes, obscuro amor de Deus.
Noites escuras
A metáfora da noite escura de João da Cruz nos lembra que a experiência de amor de Deus, não é sempre uma experiência pronta da união de toda criação. Na noite escura o amor de Deus se aproxima de uma maneira que parece negar-nos, parece que Deus está contra nós. Mas João afirma que nada no amor é escuro ou destrutivo, mas por causa da nossa necessidade de purificação,  é que experimentamos o amor como escuro.
João nos dá uma descrição convincente sobre os momentos da vida em que se desvanecem as consolações e orar é impossível. O desejo está ainda presente, mas se esgotou no esforço para  libertar-se dos ídolos.  O teólogo Karl Rahner comentou que todas as sinfonias da vida permanecem sem conclusão.  Em cada relação, em cada posse sempre haverá um momento em que surgirá a sensação de carência.  Esta frustração do desejo e a atração por algo mais além, é a inquietude que causa o contínuo convite de Deus para uma união mais profunda.
Quando os deuses morrem durante a noite, se eclipsa a personalidade. Carl Jung, o psicólogo, disse que não podia distinguir os símbolos dos deuses que representam o ser humano. Quando uma pessoa perde seu Deus-símbolo a personalidade começa a desintegrar-se. Esta afeição obscura permanece até que emerja um novo símbolo-Deus antigo.
O conselho que dá João da Cruz durante esta crise na vida é de muita ajuda.  Ele nos dá certeza  de que o amor de Deus está em algum lugar presente no meio dos restos da vida, mas que inicialmente não será experimentado como amor. João aconselha paciência, confiança e perseverança. Esta atividade amorosa de Deus nos liberta dos ídolos e restabelece a saúde de nossas almas. Os “deuses” morrem na noite e a alma necessita passar por um processo de sofrimento. O caminho incorreto seria solucionar ou curar esta condição  artificialmente, ou nega-la totalmente. João aconselha a enfrentar a condição, entrar nela com paciência, e ali onde o coração estiver lutando com mais força, ficar atentos à chegada do amor. João nos convida a uma “atenção amorosa” na escuridão; é tempo de ser um guardião na noite.  A contemplação é uma abertura ao amor transformante de Deus, especialmente quando Ele aparece disfarçado.
A intensa experiência que João chama a noite do espírito é simultaneamente uma forte experiência de nosso pecado, da finitude de nossa condição humana, e a sempre emergente transcendência de Deus. Enquanto se está nesta condição as palavras carecem de significado.  João escreve que é tempo de “moer o pó”. Tudo o que cada um pode fazer é realizar o próximo ato de amor que se apresente. No deserto o peregrino continua sua viagem existencial, apoiado numa verdadeira fé bíblica.  João está convencido de que somente no contexto desta fé purificada é pode acontecer a relação com Deus. Como aconteceu com Teresa de Lisieux que seu pensamento sobre o céu se desvaneceu, ao peregrino que já não possui o objeto de sua esperança, recorda que a esperança é aquilo que ainda não se possui.
Os escritos de João não se limitam ao sofrimento.  Sua poesia e seus comentários, foram escritos a partir do outro lado das lutas. A noite se converteu numa experiência iluminadora e num guia mais seguro que o dia.  A chama que uma vez doeu agora é cauterizada  e curada . E a ausência que o levou `a procura do Amado se revela como uma Presença compassiva  escondida  no seu desejo.
Uma nova espiritualidade      
          As testemunhas contemporâneas do Carmelo que testemunharam sua fé no meio de um sofrimento monstruoso, são as vítimas dos campos de concentração, Titus Brandsma e Edith Stein.  Brandsma resistiu à propaganda nazista e Stein se identificou com seu povo perseguido. Eles foram presos na poderosa corrente do mal social do Século 20. Na experiência de serem despojados de toda segurança e apoio, estes carmelitas deram testemunho de uma vida de fé, esperança e amor no meio das condições mais difíceis. No reconhecimento de seu testemunho a Igreja confirma a autenticidade de suas vidas e os coloca entre aqueles arriscaram tudo no seguimento de Cristo.  A regra do Carmelo conduz a várias  formas de ser discípulo, mas todas levam a abraçar a Cruz.
Os Gerais das duas Ordens Carmelitas nos chamam a uma ”nova espiritualidade” para complementar a “nova evangelização”. Esta nova espiritualidade surgirá do crescente conhecimento que o Carmelo vai tendo sobre a realidade mundial que as pessoas experimentam?  Enquanto o rosto do Carmelo vai mudando e entram  novos membros na ordem, especialmente vindos dos países mas povoados e pobres, a situação das massas empobrecidas do mundo chegarão às portas do primeiro mundo. A internacionalidade da ordem e o vinculo internacional da família carmelitana nos oferecem uma oportunidade única para escutar o Espírito nos diversos contextos, e esta escuta nos desafia a dar uma resposta.
João Paulo II ampliou a imagem da noite escura de João da Cruz para incluir os sofrimentos do mundo moderno:
Nossa época conheceu tempos de sofrimento que nos tem feito compreender melhor esta expressão e dar-lhe um certo caráter  coletivo.  Nossa época fala do silêncio ou da ausência de Deus. Conheceu tantas calamidades, tantos sofrimentos  infligidos  pelas guerras e por matanças de tantos seres inocentes. Usamos agora o termo noite escura   para todos os aspectos da vida e não somente par uma fase da viagem espiritual.  Recorremos à doutrina do santo como resposta a este mistério do sofrimento humano.
Faço referência específica ao mundo do sofrimento. Sofrimento físico, moral, espiritual, como as doenças, como as pragas da fome , a guerra, a injustiça , a solidão , a falta de sentido da vida, a fragilidade da existência humana, o doloroso conhecimento do pecado, a aparente ausência de Deus; são para o crente experiências purificadoras, às quais se podem chamar noite da fé .
A esta existência São João da Cruz deu o nome simbólico e evocador de noite  escura e se refere explicitamente à inquietante obcuridade do mistério da fé . Ele não tenta dar resposta ao terrível problema do sofrimento na ordem especulativa; mas à luz das Escrituras e da experiência descobre algo da maravilhosa  transformação que Deus efetua na escuridão, posto que, “...de modo tão sábio e formoso sabe ele tirar dos males bens;...” ( Cant. B 23: 5). Finalmente, nos dispomos a viver o mistério da morte e a ressurreição de Jesus em toda sua verdade..
Resumo
O Carmelo não tem resposta para o mistério do mal. Mas o Carmelo fez a experiência do  caminho difícil e oferece uma palavra de esperança para o peregrino que sofre. O sofrimento profundo e as experiências do trágico na vida fazem parte da caminhada de cada pessoa.  As limitações de nossa condição humana e as forças destrutivas presentes no mundo com freqüência atacam nossa fé. Apesar da evidência contraria, o Carmelo testemunha que o amor de Deus está sempre presente ainda nos restos de nossas vidas.
O Carmelo nos oferece uma análise particular e poderosa do impacto do amor de Deus no espírito e na personalidade humana. Convidando para uma relação mais profunda, ele desafia o peregrino a largar todos os apoios e a caminhar com confiança para o futuro de Deus.  O cristão com freqüência experimenta ataques tanto no espírito como na psique, enquanto vai desenvolvendo o ambiente divino.  O Carmelo oferece uma linguagem e umas imagens expressivas para estes sofrimentos, e é muito eloqüente ao recomendar uma vigília silenciosa para esperar a chegada de Deus.
Os santos do Carmelo confiaram no sofrimento e com freqüência expressaram seu desejo de levar a cruz em seu discipulado.  Entretanto, este desejo de sofrimento só tem significado no contexto de resposta amorosa às iniciativas do amor de Deus . O sofrimento de Jesus na Cruz nasceu do seu amor ao Pai e aos irmãos e não do amor ao sofrimento.
 Perguntas para refletir               
1-Qual tem sido minha experiência de caminhar pelo caminho escuro? Tenho deixado outros caminhos para ser conduzido por um caminho não escolhido por mim?  O quê  mais me ajudou?
2-Como devo proceder quando o caminho não está claro?
3-Que consolo ou orientação o Carmelo oferece às pessoas que vivem situações dolorosas?
4-Como a Ordem do Carmo responde à noite escura que sofre tanta gente no mundo? Poderia ser isto parte da nova espiritualidade a que nos chamam os Gerais de nossas Ordens?

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