John Welch, O. Carm
Uma dos aspectos que tornam atraente a tradição
carmelitana é sua luta honesta com os problemas e as forças obscuras que atacam
o corpo e o espírito. O Carmelo não evita o trágico na vida, mas o enfrenta
diretamente. O sofrimento é uma grande parte da experiência do povo, e uma
espiritualidade que não reconheça o sofrimento será ignorada. Os santos do
Carmelo compartilham as dificuldades da vida .
Porém
sua experiência mais difícil surgiu justamente quando sua relação com o Senhor
era mais íntima. Ela começou a
questionar todo seu itinerário existencial, perguntando se tudo não fora criado
por sua imaginação, ou, se era de fato a
presença de Deus em sua vida. Teria
imaginado que Deus tinha sido bom
com ela no passado? Ela própria tinha
sido boa no passado ou tinha imaginado isso? Em outras palavras, quando se
esperaria que a amizade com Deus fosse base
sólida, então surgiram as
dúvidas. Há alguém em casa, no centro? Tendo entregado sua vida e sua melhor energia ao seguimento dessa
“chama” , ela começou a perguntar-se se tudo era ilusão.
Perguntas para refletir
Whitefriars
Hall , Washington
Edith Stein e Tito Brandsma experimentaram a profundidade
da crueldade humana e do mal inexplicável. Teresa de Lisieux em sua curta e
escondida vida experimentou uma grande quantidade de sofrimento. Teresa de
Lisieux conheceu o sofrimento produzido pela luta tanto
no interior como no exterior de sua alma. A forte reputação de João da
Cruz, seu mesmo nome, e sua imagem da “noite escura” falam de uma
espiritualidade que leva a sério assumir um compromisso com o lado obscuro da
vida. Pensemos também nos primeiros carmelitas que foram à periferia da
sociedade e aí , sem distrações, abriram suas vidas à luta interior entre os
bons e os maus espíritos.
As pessoas se sentem atraídas para uma espiritualidade
que encontra palavras para seus sofrimentos mais profundos, e ao mesmo tempo
oferece uma esperança ao coração
nestes tempos escuros. Os santos do Carmelo, nos diferentes séculos e
culturas, compartilharam os sofrimentos comuns da humanidade. Um peregrino de
qualquer época pode relacionar-se com os sofrimentos dos santos do Carmelo e desejar tê-los como companheiros
de caminho neste vale de sofrimentos. É bom voltar a recordar suas
dificuldades.
Por exemplo, hoje em dia muitas pessoas podem
identificar-se com os problemas de Teresa de Lisieux. Quando menina experimentou,
não somente a perda de sua mãe, mas também a perda das seguintes mães que
cuidaram dela. Frágil continuou e conheceu o sofrimento da neuroses e a debilitação causada pelas doenças psicossomáticas. Observou
impotente a deteriorização mental de seu pai, uma figura heróica em sua vida, e
seu internamento num asilo. O Carmelo foi para ela como um deserto e em sua
última doença mental e física,
conheceu a tentação do suicídio. Sua
aparência doce nunca enganou aos devotos
de Teresa. Reconheciam nela uma
companheira de sofrimentos que sabia por
experiência o difícil que pode ser a vida.
No entanto, deu testemunho do amor que estava presente em tudo e nunca a abandona.
Teresa expressou seu desejo de toda vida: sofrer.
Sentia uma atração tão misteriosa pelo sofrimento que se não o tivesse
relacionado com o amor, seria suspeito.
Desde que entrou no Carmelo, Teresa começou a experimentar secura no coração e
permaneceu nesta condição através do
resto do breve tempo que esteve ali. E, assombrosamente, sua autobiografia com
seu atraente manuscrito “B” foi escrito
enquanto ela estava passando por
uma terrível noite escura do espírito
e quando tudo estava em dúvida. A
idéia do céu que tinha inspirado toda sua vida
na qual acreditava e se afastava dela. Intelectual e afetivamente não
tinha certeza alguma em relação à
direção de sua vida. Ao mesmo tempo
escrevia essa linda passagem a respeito
de ser o amor no coração da Igreja e enviava cartas inspiradoras a seus irmãos
missionários.
Teresa
estava experimentando sua própria transformação no forno de um amor obscuro. O
único que ficava era o centro de sua fé, sua confiança, seu amor. Quando ela nos anima a confiar e a acreditar que “tudo é graça” não o faz a partir de uma
posição de deleites tangíveis da presença amorosa de Deus, mas a partir de sua
experiência da ausência de Deus e das rejeições de sua mente. O Cardeal Daneels se perguntava se
Teresa poderia ser chamada a “Doutora da esperança” devido a seu testemunho na possibilidade humana
de continuar adiante quando todos os apoios desapareceram.
O amor obscuro de Deus
Teresa de Ávila advertiu que as lutas dentro de nossos
frágeis psiquismos são muito mais difíceis que as externas. Teresa teve que vencer muitos obstáculos em
sua reforma. Teve que lutar com os opositores, com a compra de casas adequadas
para suas comunidades, contratar operários para reformá-las, arrecadar fundos
para sua manutenção, recrutar membros
para a comunidade, relacionar-se com vários eclesiásticos que não a apoiavam,
viajar pelos difíceis caminhos da Espanha em más condições e enfrentar algum
litígio com a corte.
Não obstante, ela comunicou que estas batalhas não se
comparam com as batalhas enfrentadas em sua alma, enquanto ela se ocupava de
suas profundidades na oração. “...Escutar Sua voz dá mais trabalho que não
escutá-la”. Pode parecer que a
reflexão de Teresa sobre o “entrar em si
mesmo” seria como ir para casa; que as batalhas
de fora são uma coisa, mas dentro da alma tudo é harmonia. Entretanto, foi o contrário, pois ao entrar em seu interior, verificava
que estava em guerra consigo mesma.
A oração lança luz sobre aspectos de nossa alma que
anteriormente não tínhamos
examinado. As compulsões, os
apegos, as maneiras não autênticas de viver, o falso eu, e os falsos deuses,
tudo sai à luz enquanto a pessoa vai se afinando mais na verdade. Esta
desagradável experiência pode conduzir ao medo, à debilidade do coração
e à tentação de abandonar o
itinerário existencial. O chamada
de Teresa à valentia e a determinação através
de uma vida de oração não é demasiadamente dramática.
Aquilo de que a alma necessita, escreveu Teresa, é do conhecimento de si mesma. E a
porta desse conhecimento de si mesma,
a porta ao interior do castelo, é a oração
e a reflexão.
Sem um esforço orante, nos manteremos desesperançosamente
fechados na periferia de nossas vidas perguntando aos outros e à criação o que somente
Deus pode nos dizer, isto é, quem
somos. Sem um verdadeiro centro que
emerja de nossas vidas, viveremos com
muitos “centros”, fragmentados e
dispersos, pedindo a cada um deles que realize os desejos do nosso
coração. O único antídoto contra a morte
certa que decorre do apego aos ídolos, é a dolorosa batalha que supõe entrar em si mesmo através da oração.
Os leitores modernos podem simpatizar com Teresa enquanto ela enumera as dificuldades de sua vida que são, ter sido elogiada demais, injustamente
criticada, tendo além de tudo que sofrer as contradições de homens bons que pensavam
que suas experiências de oração
vinham do demônio e diariamente
tinha que enfrentar-se a sua saúde precária.
A
pergunta também seria feita de outra
maneira: O final será todo bom? Tudo isso: a criação, o plano da salvação, o
próprio Deus, é para nós? Ou somos uma
paixão inútil? O imenso desejo de nosso
coração, a fome da alma, serão frustrados no final de tudo? Ou existe uma
realidade, um amor do tamanho do nosso desejo? Todas estas perguntas estão no
coração do peregrinar humano.
O tempo, a perseverança, e a graça de Deus, deram a
Teresa a resposta às suas dúvidas. Mais tarde ela nos fala da ausência dessas
dúvidas que lhe corroíam a alma, e da certeza de uma relação profunda, mas não
preocupante com o Senhor. Porém, ainda
nessa condição que ela identifica com o “desponsório espiritual” diz que confia
mais no sofrimento. Ainda nos momentos em que estava presa na periferia da
vida, ela sabia que o discípulo de
Jesus levaria a cruz e que através desta
surgiria a vida. Ela não construía cruzes artificiais em sua
vida, mas também não fugia das cruzes
que a vida lhe apresentava. Ela tinha aprendido
a confiar nesse, às vezes, obscuro amor de Deus.
Noites escuras
A metáfora da noite escura de João da Cruz nos lembra que
a experiência de amor de Deus, não é sempre uma experiência pronta da união de
toda criação. Na noite escura o amor de Deus se aproxima de uma maneira que
parece negar-nos, parece que Deus está contra nós. Mas João afirma que nada no
amor é escuro ou destrutivo, mas por causa da nossa necessidade de
purificação, é que experimentamos o amor
como escuro.
João nos dá uma descrição convincente sobre os momentos da
vida em que se desvanecem as consolações e orar é impossível. O desejo está
ainda presente, mas se esgotou no esforço para
libertar-se dos ídolos. O teólogo
Karl Rahner comentou que todas as sinfonias da vida permanecem sem
conclusão. Em cada relação, em cada
posse sempre haverá um momento em que surgirá a sensação de carência. Esta frustração do desejo e a atração por
algo mais além, é a inquietude que causa o contínuo convite de Deus para uma
união mais profunda.
Quando os deuses morrem durante a noite, se eclipsa a
personalidade. Carl Jung, o psicólogo, disse que não podia distinguir os
símbolos dos deuses que representam o ser humano. Quando uma pessoa perde seu
Deus-símbolo a personalidade começa a desintegrar-se. Esta afeição obscura
permanece até que emerja um novo símbolo-Deus antigo.
O conselho que dá João da Cruz durante esta crise na vida
é de muita ajuda. Ele nos dá
certeza de que o amor de Deus está em
algum lugar presente no meio dos restos da vida, mas que inicialmente não será
experimentado como amor. João aconselha paciência, confiança e perseverança.
Esta atividade amorosa de Deus nos liberta dos ídolos e restabelece a saúde de
nossas almas. Os “deuses” morrem na noite e a alma necessita passar por um
processo de sofrimento. O caminho incorreto seria solucionar ou curar esta
condição artificialmente, ou nega-la
totalmente. João aconselha a enfrentar a condição, entrar nela com paciência, e
ali onde o coração estiver lutando com mais força, ficar atentos à chegada do
amor. João nos convida a uma “atenção amorosa” na escuridão; é tempo de ser um
guardião na noite. A contemplação é uma
abertura ao amor transformante de Deus, especialmente quando Ele aparece
disfarçado.
A intensa experiência que João chama a noite do espírito
é simultaneamente uma forte experiência de nosso pecado, da finitude de nossa
condição humana, e a sempre emergente transcendência de Deus. Enquanto se está
nesta condição as palavras carecem de significado. João escreve que é tempo de “moer o pó”. Tudo
o que cada um pode fazer é realizar o próximo ato de amor que se apresente. No
deserto o peregrino continua sua viagem existencial, apoiado numa verdadeira fé
bíblica. João está convencido de que
somente no contexto desta fé purificada é pode acontecer a relação com Deus.
Como aconteceu com Teresa de Lisieux que seu pensamento sobre o céu se
desvaneceu, ao peregrino que já não possui o objeto de sua esperança, recorda
que a esperança é aquilo que ainda não se possui.
Os escritos de João não se limitam ao sofrimento. Sua poesia e seus comentários, foram escritos
a partir do outro lado das lutas. A noite se converteu numa experiência
iluminadora e num guia mais seguro que o dia.
A chama que uma vez doeu agora é cauterizada e curada . E a ausência que o levou `a
procura do Amado se revela como uma Presença compassiva escondida
no seu desejo.
Uma nova espiritualidade
As testemunhas contemporâneas do Carmelo que
testemunharam sua fé no meio de um sofrimento monstruoso, são as vítimas dos
campos de concentração, Titus Brandsma e Edith Stein. Brandsma resistiu à propaganda nazista e
Stein se identificou com seu povo perseguido. Eles foram presos na poderosa
corrente do mal social do Século 20. Na experiência de serem despojados de toda
segurança e apoio, estes carmelitas deram testemunho de uma vida de fé,
esperança e amor no meio das condições mais difíceis. No reconhecimento de seu
testemunho a Igreja confirma a autenticidade de suas vidas e os coloca entre aqueles
arriscaram tudo no seguimento de Cristo.
A regra do Carmelo conduz a várias
formas de ser discípulo, mas todas levam a abraçar a Cruz.
Os Gerais das duas Ordens Carmelitas nos chamam a uma
”nova espiritualidade” para complementar a “nova evangelização”. Esta nova
espiritualidade surgirá do crescente conhecimento que o Carmelo vai tendo sobre
a realidade mundial que as pessoas experimentam? Enquanto o rosto do Carmelo vai mudando e
entram novos membros na ordem,
especialmente vindos dos países mas povoados e pobres, a situação das massas
empobrecidas do mundo chegarão às portas do primeiro mundo. A
internacionalidade da ordem e o vinculo internacional da família carmelitana
nos oferecem uma oportunidade única para escutar o Espírito nos diversos
contextos, e esta escuta nos desafia a dar uma resposta.
João Paulo II ampliou a imagem da noite escura de João da
Cruz para incluir os sofrimentos do mundo moderno:
Nossa época conheceu tempos de sofrimento que nos tem
feito compreender melhor esta expressão e dar-lhe um certo caráter coletivo.
Nossa época fala do silêncio ou da ausência de Deus. Conheceu tantas
calamidades, tantos sofrimentos
infligidos pelas guerras e por
matanças de tantos seres inocentes. Usamos agora o termo noite escura para todos os aspectos da vida e não somente
par uma fase da viagem espiritual.
Recorremos à doutrina do santo como resposta a este mistério do
sofrimento humano.
Faço referência específica ao mundo do sofrimento. Sofrimento
físico, moral, espiritual, como as doenças, como as pragas da fome , a guerra,
a injustiça , a solidão , a falta de sentido da vida, a fragilidade da
existência humana, o doloroso conhecimento do pecado, a aparente ausência de
Deus; são para o crente experiências purificadoras, às quais se podem chamar
noite da fé .
A
esta existência São João da Cruz deu o nome simbólico e evocador de noite escura e se refere explicitamente à
inquietante obcuridade do mistério da fé . Ele não tenta dar resposta ao
terrível problema do sofrimento na ordem especulativa; mas à luz das Escrituras
e da experiência descobre algo da maravilhosa
transformação que Deus efetua na escuridão, posto que, “...de modo tão
sábio e formoso sabe ele tirar dos males bens;...” ( Cant. B 23: 5).
Finalmente, nos dispomos a viver o mistério da morte e a ressurreição de Jesus
em toda sua verdade..
Resumo
O Carmelo não tem resposta para o mistério do mal. Mas o
Carmelo fez a experiência do caminho
difícil e oferece uma palavra de esperança para o peregrino que sofre. O
sofrimento profundo e as experiências do trágico na vida fazem parte da
caminhada de cada pessoa. As limitações
de nossa condição humana e as forças destrutivas presentes no mundo com
freqüência atacam nossa fé. Apesar da evidência contraria, o Carmelo testemunha
que o amor de Deus está sempre presente ainda nos restos de nossas vidas.
O Carmelo nos oferece uma análise particular e poderosa
do impacto do amor de Deus no espírito e na personalidade humana. Convidando
para uma relação mais profunda, ele desafia o peregrino a largar todos os
apoios e a caminhar com confiança para o futuro de Deus. O cristão com freqüência experimenta ataques
tanto no espírito como na psique, enquanto vai desenvolvendo o ambiente
divino. O Carmelo oferece uma linguagem
e umas imagens expressivas para estes sofrimentos, e é muito eloqüente ao
recomendar uma vigília silenciosa para esperar a chegada de Deus.
Os santos do Carmelo confiaram no sofrimento e com
freqüência expressaram seu desejo de levar a cruz em seu discipulado. Entretanto, este desejo de sofrimento só tem
significado no contexto de resposta amorosa às iniciativas do amor de Deus . O
sofrimento de Jesus na Cruz nasceu do seu amor ao Pai e aos irmãos e não do
amor ao sofrimento.
1-Qual
tem sido minha experiência de caminhar pelo caminho escuro? Tenho deixado
outros caminhos para ser conduzido por um caminho não escolhido por mim? O quê
mais me ajudou?
2-Como
devo proceder quando o caminho não está claro?
3-Que
consolo ou orientação o Carmelo oferece às pessoas que vivem situações
dolorosas?
4-Como
a Ordem do Carmo responde à noite escura que sofre tanta gente no mundo?
Poderia ser isto parte da nova espiritualidade a que nos chamam os Gerais de
nossas Ordens?
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