SANTO AFONSO MARIA DE LIGUORI[1]
A devoção a Maria é o perfume da
nossa fé, é o sorriso celestial para as almas dos fiéis, é a música alegre para
os nossos corações, é o palpitar mais querido da nossa vida cristã.
Compreende-se, portanto, que o amor
a Maria, graças à sua dignidade sublime de Mãe de Deus e à sua missão de Mãe
dos homens, tenha em todos os tempos arrebatado os Santos. E assim existe uma
fileira imponente de Santos Padres e Doutores - e vai crescendo um século
depois do outro - que têm páginas admiráveis sobre Maria e nos ensinam a
verdadeira devoção a Nossa Senhora.
O grande Bispo e Doutor Santo Afonso
Maria de' Liguori foi com certeza um dos Santos mais devotos de Maria. A
santidade da Virgem, a sua pureza e beleza, a devoção cheia de ternura que
nutria para com Ela fizeram-lhe brotar do coração o doce canto:
Sois
pura, sois pia,
Sois bela, ó Maria!
Toda alma
já sabe,
Que mãe assim terna
No mundo não cabe.
À "dulcíssima Senhora", à
"sua caríssima Rainha" Santo Afonso nada mais pede que amá-la sempre
mais e fazê-la amada por todos. "Ficai sabendo - escreve ele na súplica
colocada no início do livro das suas GLÓRIAS - que desta minha pequena
homenagem eu quero uma recompensa; e esta seja que de hoje em diante eu Vos ame
mais do que antes e cada um, em cujas mãos chegar esta minha pequenina obra,
fique inflamado de amor por Vós".
Difundir a devoção a Maria, falar a
seu respeito, cantar as suas glórias, celebrar as suas prerrogativas, tornar
conhecida a ternura do seu amor e o seu poder junto ao trono de Deus, eram os
anseios do nosso Santo. "É costume - dizia - dos amantes deste mundo falar
muitas vezes sobre as prerrogativas das pessoas amadas e louvá-las, para verem
assim o seu amor louvado e aplaudido também pelos outros. Muito medíocre,
portanto, deve supor-se o amor daqueles que se gabam de amar a Virgem Maria e,
no mais, pouco pensam em falar sobre Ela e fazê-la amada também pelos
outros".
"Não agem assim os que
verdadeiramente amam esta amabilíssima Senhora; gostariam eles de louvá-la por
toda parte, e vê-la amada pelo mundo inteiro, e, por isso, sempre que lhes é
possível ou em público ou privadamente procuram acender nos corações de todos
aquelas benditas chamas, pelas quais se sentem inflamados de amor para com a
sua amada Rainha". (As Glórias de Maria).
Manter-se-á sempre fiel a este
programa, e da sua iluminada inteligência correrão rios de doutrina sobre a
devoção a Maria, devoção que chama os pecadores à penitência e lhes aponta o
caminho da salvação. "Todos os que se salvam - escreve ele no livro citado
- não se salvam senão por intermédio desta divina Mãe; por necessária
conseqüência pode dizer-se que da oração a Maria e da confiança na sua
intercessão depende a salvação de todos".
Santo Afonso associava às práticas
interiores da devoção à Santíssima Virgem o exercício das práticas exteriores.
O santo Doutor conhecia bem quanto as tradicionais práticas de piedade, sejam
úteis, desde que sejam feitas da maneira devida, e assim via nelas outros
tantos eficacíssimos meios para conquistar a proteção de Maria e tornar-se
merecedor do seu santo amor. Nele já desde os primeiros anos foi muito cheia de
carinho a devoção ao Rosário e ao Escapulário do Carmo. De fato ele escrevia no
livro "As Glórias de Maria": «Devoções assim tão piedosas
foram-me queridas desde a infância». Esta terna e sincera confissão brotou
espontânea do seu coração amargurado pela leviandade de um escritor seu
contemporâneo que tivera a ousadia de chamar "devoçõezinhas" estas
práticas de piedade, que eram para ele um estímulo constante a recorrer à
divina Mãe, a invocar o seu patrocínio a cada instante.
Sempre ligou grande importância ao santo
Escapulário: nele via um sinal de destinação ao serviço da celestial Rainha, um
uniforme que distingue os prediletos de Maria e os admite à sua filiação:
"Como os homens têm como uma honra ter alguns o seu uniforme, assim Maria
fica feliz quando os seus devotos trazem o se Escapulário como um sinal de que
estão dedicados ao seu serviço e são do número dos familiares da Mãe de
Deus" ("As Glórias de Maria").
Ensina-nos Santo Afonso também que a
devoção ao Escapulário se apóia sobre bases sólidas, visto que é de origem
celeste. Eis o que escreve a respeito no livro citado: "Pelo ano de 1251
Maria apareceu ao Bem-Aventurado Simão Stock, inglês, e dando-lhe o seu
escapulário disse-lhe que aqueles que o houvessem trazido estariam livres da
eterna condenação; foram estas as suas palavras: "Recebe, filho muito
querido, este escapulário da tua Ordem, sinal da minha confraternidade,
privilégio para ti e todos os carmelitas; quem com ele morrer não padecerá o
fogo eterno". É a Mãe de Deus que intervém para assegurar aos filhos, que
se apressem em oferecer-Lhe homenagens e orações, a fim de se tornarem dignos
de tão grande dom.
Hereges e críticos que não disseram
para desacreditar o uso do santo Escapulário? Mas a devoção dos fiéis tem
resistido a todos os golpes sem nunca enfraquecer-se, e os Sumos Pontífices,
prestando reconhecida homenagem à bondade de divina Mãe, enriqueceram esta
devoção com numerosas Indulgências. É conhecido o grande bem que o sagrado
Escapulário tem oferecido às almas, e por isso exclama o nosso Santo: "Oh!
Quantos que hoje estão no inferno ter-se-iam salvo se tivessem perseverado nos
obséquios a Maria, aos quais uma vez deram início!"
O caminho que conduz ao céu está
semeado de espinhos; inimigos traiçoeiros escondem-se de emboscada, e o viajante
temeroso sente a necessidade de um guia que lhe infunda coragem e o acompanhe
ao seu destino. A devoção a Maria, diz Santo Afonso, é arma poderosíssima para
vencer em todos os combates: invocando o seu nome, apertando ao peito o seu
Escapulário, desvanecer-se-ão as tentações e a alma conservará toda a beleza
espiritual.
O Bentinho do Carmo não é somente
defesa da pureza, mas também refúgio nos perigos que ameaçam a vida na terra e
despedaçam o delicado fio da existência humana. O santo Bispo aponta as
virtudes singulares conferidas por Maria ao Escapulário do Carmo e, segundo o
testemunho do sábio e piedoso Pe. Crasset, narra como um soldado ferido de
morte, recomendando-se à Virgem Santíssima, cujo escapulário carregava,
alcançou tempo para reconciliar-se com Deus e salvar-se. Conta ainda sobre um
homem que, golpeado de cheio no peito por uma bala, ficou incólume,
servindo-lhe o bentinho de escudo.
A proteção de Maria não se limita à
nossa vida mortal, mas se estende para além do túmulo, em favor das almas que
sofrem no Purgatório: "Naquela prisão das almas esposas de Jesus Cristo,
escreve Santo Afonso, Maria tem um certo domínio e autoridade plenipotenciária,
tanto para aliviá-las como também para libertá-las daquelas penas". O
Bentinho do Carmo dá prova disto, uma vez que a Santíssima Virgem prometeu a
quem o trouxer dignamente libertá-lo do Purgatório no primeiro sábado depois da
morte.
Privilégio singular e preciosíssimo,
confirmado pelos Sumos Pontífices e enriquecido de Indulgências; privilégio,
graças ao qual Santo Afonso nutria uma devoção toda particular ao Escapulário,
privilégio que recomendava, especialmente aos sacerdotes, na sua "Floresta
de matérias a serem pregadas".
Como todos devotos de Maria, Santo
Afonso não passava um dia sem ter prestado a Nossa Senhora a ardorosa homenagem
da sua veneração, com a esperança de ser acolhido na feliz eternidade. E
cantava a Maria:
Concede-me
ainda, ó minha Rainha,
sempre
te ame. até que no céu
possa um
dia sem véu
ver a
tua beleza.
A Divina Providência conservou
incólumes os sagrados restos mortais do grande Doutor da Igreja; e a Rainha do
Carmelo quis manifestar quanto lhe tinha sido grata a devoção do apóstolo das
suas glórias, conservando intacto o sagrado Escapulário que repousou sobre o
coração de Santo Afonso, com o qual morreu e foi sepultado.
Os devotos da Virgem do Carmo
experimentam sentimentos de íntima alegria diante do hino que, em louvor do
Escapulário, entoou o Bem-Aventurado Cláudio de la Colombière, da Companhia de
Jesus. Este grande filho de Santo Inácio, que ilustrou a Igreja de Deus com o
esplendor das suas virtudes e com a sua doutrina, e foi cingido pelo Pontífice
reinante, Pio XI, com a auréola dos Bem-Aventurados, une-se ao coro dos Santos
que foram devotos de Maria e propagaram o culto do Santo Escapulário.
Testemunho eloqüente desta devoção é
um sermão sobre o Escapulário, que pregou na igreja dos Padres Carmelitas de
Lião.
Da
cátedra, donde se anuncia a verdade, o Beato indicou o Escapulário de Maria
como um sinal seguro de predestinação: "Entre todas as práticas de piedade
inspiradas aos fiéis para honrar a Mãe de Deus, ouso eu afirmar que nenhuma
existe tão segura (...), porque não houve nenhuma que tenha sido confirmada por
tão portentosos e tão autênticos prodígios (...), de tal modo que não poderiam
ser negados ou postos em dúvida sem que se venha a ser tachado de atrevida temeridade
e de condenável audácia".
A sua voz ainda hoje quer ser
ouvida, pois que é sempre presente o problema do destino eterno e, como diz o
Apóstolo, "ninguém sabe se é digno de ódio ou de amor". Ainda que
seja viva a nossa fé, e se fundamente a nossa esperança sobre bases sólidas e a
caridade inflame o nosso coração, trememos diante do futuro que nos aguarda.
As ciladas de Satanás hoje mais do
que nunca tomam formas sedutoras; as máximas do mundo contrárias ao Evangelho
exercem um influxo deletério; a vida vivida no meio dos prazeres arrasta as
almas para as mais desregradas paixões. E assim o caminho que conduz ao céu
parece-nos mais longo, mais pontilhado de espinhos, e parece distanciar-se de
nós a luz que desejamos alcançar. É verdade, Deus, como um Pai providente,
estende-nos as suas mãos benéficas para arrancar-nos do abismo, mas nós não
sentimos em nós a força de deixar-nos guiar por Ele! E então o pensamento do
futuro apresenta-se assustador à nossa mente. Desesperar-se? Não! Às almas
presas de tão horríveis angústias se faz ouvir a palavra consoladora do
Bem-Aventurado: "Creio poder dizer-vos algo para os confrades do Santo
Escapulário mais vantajoso do que tudo o que comumente se diz em favor de todos
os servos de Maria. Não basta falar que a veste da Santíssima Virgem seja um
sinal de predestinação como são todas as outras santas práticas inventadas
pelos seus devotos para honrá-la (...). Digo-vos mais que não existir entre ela
outra que torne mais certa a nossa predestinação". Palavras mais solenes e
mais consoladoras não poderiam sair a não ser dos lábios de quem à profunda
doutrina une a santidade. É o pensamento dos Santos e dos Doutores da Igreja:
São Boaventura, Santo Antônio, São Pedro Damião, Santo Anselmo, São Germano de
Constantinopla; eles são unânimes em afirmar a eficácia da proteção de Maria: "A
proteção da Virgem é muito maior do que é nossa inteligência capaz de
compreender" (São Germano).
O Beato de la Colombière sabe que a
Virgem une ao seu poder o mais terno amor pelos homens, e é do seu coração de
Mãe ── ornado de todas as virtudes e, por isso, grato aos
testemunhos de afeto que lhe tributam os seus filhos ── que provém a certeza da sua proteção. "Sendo Maria
adornada de todas as virtudes, Ela é também cheia de gratidão e, por isso, não
pode deixar de amar e proteger os que se dedicaram ao seu serviço". Um
pensamento elevado a Maria, sentido com sinceridade, basta para torná-la
propícia, e para que com o seu sorriso dissipe todas as trevas.
Feliz, portanto, seria o homem -
continua o Beato - se a própria Mãe de Misericórdia lhe concedesse um sinal
sensível da sua proteção. Muito sensíveis são os ataques do demônio e torna-se
muito evidente a fraqueza da alma!
Que consolação estabelecer a nossa
esperança do Paraíso num sinal sensível da proteção de Maria! Mesmo porque não
sabemos se as nossas devoções agradam como devem a Maria: "É muito
provável, - diz o Beato - que as nossas homenagens não agradem como devem à
Soberana Senhora, e conseqüentemente não estabeleçam a nossa salvação num mesmo
grau de certeza". Mas então se desvanecerá qualquer temor se a própria Mãe
de Misericórdia nos confortar, revelando-nos que a nossa devoção Lhe agrada e
que Ela nos guia pelas estradas da salvação. E aqui o Beato descreve a origem
celeste do Escapulário, as promessas que Maria juntou a este sinal do seu amor,
e conclui: "Aqui é Ela mesma quem na sua revelação fala pessoalmente com
São Simão Stock. É a própria Virgem quem promete aos confrades do Escapulário
aquela proteção sobre a qual tantos Santos Doutores tecem tão grandes
louvores".
Exposta a excelência do Escapulário
por Maria elevado a sinal de salvação, o Beato exclama: "Agora que teremos
nós de fazer para obrigar a Mãe Amabilíssima a velar sobre nós, a tomar sobre
si os nossos interesses e a nossa defesa? Que havereis da fazer? Se quiserdes
acreditar em mim, levareis os santo Escapulário e levareis até à morte".
Dúvida nenhuma pode perturbar a confiança em Maria, uma vez que Ela se empenhou
com as palavras mais tranqüilizadoras: "Para arrancar de vós todas aquelas
angústias, que vos causa a incerteza da vossa salvação, poderíeis vós ditar à
Virgem as palavras com as quais gostaríeis que Ela se empenhasse, poderíeis vós
encontrar outras mais precisas e mais formais do que as de Maria?"
Compreende-se, por isso, porque a
devoção do Escapulário tanto se propagou entre os fiéis: "Ora não me
admiro mais que ao primeiro aviso de uma promessa tão magnífica, os fiéis
acorressem de todas as partes a procurar aqueles santos religiosos feitos por
Maria depositários de tal tesouro. Senhores, príncipes, até mesmo os próprios
reis coroados, que como todos têm uma alma para salvar, correm à porfia e vão
apresentar-se para serem eles também participantes daquele privilégio dos
religiosos e colocarem assim em seguro a própria salvação, que o seu cargo
expõe a tantos perigos". Os Sumos Pontífices ── João XXII e muitos outros seus sucessores ── tendo reconhecido no dom do Escapulário uma devoção
conforme com a bondade e o poder da Mãe de Deus, enriqueceram-no com "um
número quase infinito de Indulgências".
E, após estas considerações o Beato
Cláudio continua: "A nossa confiança não estar melhor fundada: é um Santo,
é um dos mais célebres favorito da Maria aquele que pediu e alcançou o santo
Escapulário. A Virgem concedeu-o em favor de uma Ordem por Ela escolhida e que
sempre fez particular profissão de honrá-la. O Espírito Santo o autorizou pela
boca dos Vigários de Cristo; todos os fiéis sempre o receberam com o máximo
respeito e, recebendo-o das mãos de Maria, acreditaram estar recebendo um
penhor infalível da sua eterna salvação; há mais de quatrocentos anos que esta
devoção se mantém na Igreja Católica, apesar das perseguições de pessoas
soberbas e dissolutas, instigadas pelo inferno de tempos em tempos, e depois
que fizeram tudo que podiam fazer para derrubá-la, para destruí-la, vai ela,
todavia, a despeito deles, dilatando-se sempre mais, sempre mais crescendo na
estima e no fervor".
É desta maneira que o Beato de la
Colombière trata da importância do Escapulário. Que confiança em Maria e que
amor ao santo Escapulário!
Para tornar-nos mais seguros da
benéfica proteção de Maria o próprio Deus interveio confirmando com numerosos
prodígios a devoção do Escapulário. "Ouso afirmar, diz o Beato de la
Colombière, que entre as práticas devotas introduzidas na Igreja em honra da
Mãe de Deus, a devoção do Escapulário é a mais segura, porque não há nenhuma
delas confirmada por tão portentosos e autênticos prodígios". E aqui o
Beato vai narrando milagres operados por Deus em virtude do santo Escapulário,
seja alcançando a cura de febres, doenças e males incuráveis, seja salvando
tantos infelizes das chamas e das ondas tempestuosas do mar. Ele recorda depois
o seguinte prodígio: quando Luís XIII assediava Montpellier em 1622, um general
que estava ao seu lado recebeu uma bala em pleno peito: foi empurrado, mas não
caiu. Quando foi apalpado debaixo das vestes encontrou-se a bala detida no
Escapulário de Maria. Diante de tal milagre o próprio rei quis revestir-se com
o Escapulário. "Não acabaria nunca, acrescenta o Beato, se quisesse contar
todos os perigos mortais de que foram libertados os filhos de Maria por meio do
santo Escapulário".
Em seguida põe-se a tratar de
maneira mais particular sobre o valor do Escapulário: "Sei que por maiores
e autênticos que sejam estes milagres, eles não obrigam prestar à revelação de
São Sifão Stock a mesma fé devida às revelações feitas por Deus à Igreja; sei
que poder-se-ia dizer que estes milagres foram operados para garantir a piedade
dos fiéis mais do que para confirmar aquela revelação. Contudo ouso afirmar que
eles estabelecem o fato de aparição da Santíssima Virgem a São Sifão num grau
de certeza que muito se aproxima da certeza da fé de tal maneira que se não
poderia pôr em dúvida sem cair numa espécie de temeridade, da qual bem devem
resguardar-se as pessoas prudentes e piedosas, visto que não parece que Deus tão
sábio quanto poderoso teria permitido que se baseasse numa fábula uma devoção
que era tão do seu agrado, como se vê cada dia; uma devoção que Ele queria
tornar célebre com o número de tantos milagres". Estas palavras consolam
as almas desejosas de luz e de verdade, e assim os cristão podem ter plena
confiança na Mãe de Deus e estar orgulhosos de trazer consigo as insígnias
celestial Rainha.
A seguir o nosso Beato responde a
estas objeções: "Poderia a Virgem salvar por meio do Escapulário uma alma
mergulhada nos vícios e nas sombras da morte? Poderia o Escapulário fazer
brilhar a luz da divina graça lá onde reina o pecado?" Sim! responde o
Beato Cláudio, porque todas as graças divinas estão nas mãos de Maria, que pode
dispor delas para o bem das almas, como o demonstram tantos fatos prodigiosos;
e conta como um soldado crivado de feridas mortais dizia aos seus agressores:
"Façam-me vocês em pedaços, sou filho de Maria, tenho sobre o peito o
santo Bentinho e não morrerei sem ter feito a minha confissão". De fato
sucedeu em tempo de reconciliar-se com Deus.
Mas a Santíssima Virgem não tem
necessidade de servir-se de tais meios extraordinários do seu poder para
arrancar as almas do abismo do pecado, tendo meios mais naturais e mais
conformes aos caminhos ordinários da Providência. "Todas as misericórdias
de Deus, diz São Pedro Damião, estão nas mãos de Maria - In manibus ejus
sunt omnes miserationes Domini". Do imenso tesouro das graças, do qual
Maria é a depositária, saberá Ela escolher uma que mudará o coração do pecador,
o encherá de compunção, e de um sensual, de um avarento, de um perverso fará um
santo. Não se passa de uma vida licenciosa e desregrada para uma vida de
santidade a não ser pelo caminho da penitência, e Maria saberá, portanto, converter os corações mais
endurecidos. Quando menos se pense, A Virgem do Escapulário fará com que
resplandeça um raio de luz no meio das trevas, e com a sua proteção até os
maiores pecadores serão chamados à penitência e alcançarão o Paraíso.
E se o pecador quisesse perseverar
no pecado vangloriando-se de salvar-se porque está com o Escapulário não
conseguiria fugir do castigo de Deus. Mas então, acrescenta o Beato, o pecador
impenitente antes de ir ao encontro da morte eterna, na sua terrível
psicologia, lançaria longe o Escapulário; e recorda como um jovem, lançando-se
nas ondas para suicidar-se, vinha sempre à tona porque estava com o
Escapulário, e só conseguiu realizar o seu crime quando arrancou de si este
sinal de salvação.
A glória da Mãe de Deus juntamente
com o seu poder resplandecem, portanto, maravilhosamente no dom do Escapulário.
Maria quer por meio deste dom sensível atrair para o seu amor os seus filhos
prediletos, de tal modo que a devoção do Escapulário participa da própria
natureza da virtude da religião, e como a religião é um ato de adoração a Deus
e, ao mesmo tempo, assume uma forma exterior pra prestar a Deus o culto devido,
os Escapulário é assim uma expressão exterior da piedade e da veneração devida
a Maria. Disto deduz-se uma outra vantagem do Escapulário: o compromisso que
assume a Virgem Santíssima de vir em nosso auxílio, pois Ela não poderia deixar
esperar em vão ou permitir a condenação daqueles que Lhe professam publicamente
a sua devoção.
É, portanto, necessário que a
devoção seja perseverante, que não consista somente em algum jejum ou prática
de piedade, mas sobretudo num firme propósito de evitar o pecado e de deixar-se
guiar pela divina Mãe no caminho que leva à salvação. É preciso que o Bentinho
seja trazido sempre e por toda parte, sem respeito humano, se desejamos que
seja um sinal de predestinação.
A magnífica e sábia pregação do
Bem-Aventurado Cláudio de la Colombière é uma linda apologia do Escapulário,
conforme com a doutrina da Igreja.
A devoção a Maria elevada por Deus à
suprema dignidade de Mãe, Mestra e Medianeira do universo apareceu, ainda em
vida dos Apóstolos, como pequeno rio junto ao cristianismo, e com o
cristianismo alargou-se e espalhou-se pela terra inteira.
Ao coro unânime dos séculos a
aclamarem Maria une-se o ardente amor dado a Mãe de Deus pelos Carmelitas; ou,
antes até, a devoção do Carmelo é a primeira na ordem do tempo, e a mais antiga
devoção mariana. Devoção que nos filhos do Carmelo se abrasou sempre mais
quando nas suas dificuldades a Ela recorreram e nunca em vão.
Os Carmelitas têm em Maria uma Mãe,
que em seu favor parece esgotar todos os recursos do seu amor maternal. Prova
disto é o dom do Escapulário, precioso sinal da sua predileção e da nossa
consagração ao seu serviço. Quem está revestido do Santo Escapulário descansa
tranqüilo no colo de Maria e, abaixo de Deus, deposita em Maria a esperança da
própria salvação. Uma devoção, que se arraigou profundamente no povo católico e
na qual, como em límpida fonte, se dessedentaram os Santos mais excelsos.
Neste artigo citaremos Santa Teresa
de Jesus.
Não faltaram no passado nem faltam
em nossos dias escritores e hipercríticos adversários do Escapulário. "O
argumento onde mais se refugiam e que alguns dos nossos adversários costumam
aduzir é o silêncio dos antigos, especialmente de alguns Santos, que no alvitre
deles deviam ter falado sobre a devoção ao Escapulário, e de Santa Teresa de
Jesus, sobretudo, que como Reformadora do Carmelo e amante das suas glórias,
segundo eles, parece que devesse estar obrigada a fazer o elogio do Escapulário
ou, quando menos, escrever algumas linhas sobre este penhor de salvação, para
recomendá-lo aos fiéis. Mas, no dizer deles, nada disso fez ela: e daí tiram a
conclusão de que, no tempo dela, na Espanha, não se falava sobre o
Escapulário"[4].
Em primeiro lugar é justo observar
que Santa Teresa nos seus escritos, verdadeiras obras-primas de espiritualidade
cristã, manifestou muitas vezes o palpitar do seu coração enamorado pela Rainha
do Carmelo. Ilude-se, portanto, quem nas suas obras - seja nas maiores como
"Caminho da Perfeição" ou "O Castelo Interior", seja nas
menores - pretende encontrar amplos tratados ou louvores do Escapulário e das
outras práticas da piedade cristã. Nem deve isto causar maravilha. Obrigada a
escrever por determinação da obediência ou por urgentes motivos de utilidade, a
Santa o faz a intervalos, visto ser impedida pelas circunstâncias e ocupações
onde a mergulham as suas extraordinárias atividades, e ela, além disso, não espalha
nos seus escritos todos os tesouros que enchiam o seu coração. A própria
devoção à divina Mãe não é tratada ex professo por Santa Teresa:
ninguém, contudo, ousaria duvidar da ternura do seu amor a Maria e da sua
devoção ao Santo Escapulário.
Como dissemos, o Escapulário é o
hábito dos Carmelitas, a libré que os consagra à filiação de Maria, o sinal da
sua proteção. Santa Teresa não o ignora! Com insistência repete que a sua Ordem
é a Ordem da Virgem, e nas graças que pede ao rei Filipe II e ao Geral João
Batista Rossi para levar a feliz cumprimento os desígnios que alimenta no seu
coração, manifesta a esperança de que os seus desejos se satisfaçam porque a
Ordem pela qual se afadiga é a Ordem de Maria (carta 74-77), porque a Virgem
Santíssima é a sua Mãe, Padroeira e gloriosa Senhora (carta 13).
É de se notar ainda que no tempo da
Santa a devoção pelo Escapulário era na Espanha tão comum e popular que o
Pe.José Falcone de Placência podia, em 1595, escrever: "Hoje em dia (a
devoção ao Escapulário) floresce na Espanha, onde não há casa, onde não se leve
o hábito do Carmo a fim de se gozar das infinitas Indulgências carmelitanas.
Ambas as filhas do rei Filipe com todas as suas damas de honra trazem, na
Espanha, o hábito de Nossa Senhora do Carmo amplo e comprido igual ao dos
Padres da Ordem, que lhes foi dado pelas próprias mãos do Revmo. Geral João
Batista Rossi. Não parece toda a Espanha, Portugal inclusive, um convento
carmelita? Todos querem ser revestidos com estas armaduras como válida arma
contra enfermidades corporais e espirituais. Em toda a Espanha há conventos
carmelitas e inumeráveis companhias carmelitanas"[5].
Nem se pode acreditar que, ainda que
não sentisse precisar de enaltecer a devoção do Escapulário porque já estava
tão difundida e profundamente sentida pelos fiéis, Santa Teresa deixe de
recordar nas obras saídas da sua pena ardorosa este penhor do amor, que nos tem
Maria. Freqüentemente fala sobre o Escapulário, ora chamando-o com o nome de
hábito ora com o próprio nome de escapulário. Na verdade o hábito de que se
gloriava de trazer consigo como "indigna carmelita" assegura-lhe a
proteção da Virgem no cumprimento dos compromissos a ela impostos pela
obediência; e ao entregar-se a escrever o "Castelo Interior" e as "Fundações"
põe a confiança na ajuda daquela de cujo hábito está revestida: "Visto que
não me é possível não ser quem eu sou, não me resta senão apoiar-me na sua
clemência e confiar nos merecimentos do seu Filho e da Virgem, sua Mãe, cujo
hábito carrego indignamente" (Castelo Interior - cap.I). Começo em
nome do Senhor, com a ajuda da sua gloriosa Mãe, cujo hábito, embora indigna,
carrego" (Fundações - Prólogo). Para o Serafim de Ávila a devoção
ao hábito da Santíssima Virgem é vida que se manifesta no agir para dar gosto a
Deus e a Maria: "Praza a Deus que seja tudo para o seu louvor e sua honra
e para o louvor e a honra da Gloriosa Virgem Maria, cujo hábito
carregamos" (Autobiografia - cap. 36); é vida que se manifesta,
além disto, no zelo pela perfeição: "Esforcemo-nos, filhinhas minhas, por
imitar ao menos em alguma coisa a humildade da Santíssima Virgem, cujo hábito
nós trazemos" (Caminho da Perfeição - cap.13); vida que se
manifesta especialmente na esperança de uma santa morte: "Tanta paz e
tranqüilidade eu vi também em outras religiosas depois daquela (...). Espero na
bondade de Deus, pelos merecimentos do seu Filho e da Gloriosa sua Mãe, cujo
hábito nós levamos, que esta graça seja concedida a nós também" (Fundações
- cap.16).
Eis como Santa Teresa ama o seu
hábito. Repete com insistência que o seu hábito é o hábito de Maria e faz
entrever a sua devoção pelo dom preciosos do Escapulário, já no seu tempo
objeto de veneração por parte dos fiéis. E escrevendo ao Pe. Graciano, pelos
anos de 1585, ela lhe diz: "Muito me alegro com a sua carta, que esta
noite me entregaram com os Escapulários (...). A duquesa voltou a
escrever-me (...). Depois de amanhã partirão para Madri. Encaminharei os
negócios de Vossa Reverendíssima. De edificação são os Escapulários,
despertam devoção. Dom Francisco (sobrinho da Santa) mandou pedir um a sua
irmã" (Carta 395; tomo 55 da Biblioteca de Autores Españoles
p.311).
Portanto, bem podemos dizer que à
vasta e fervorosa devoção ao Escapulário não podia o grande Serafim do Carmelo
deixar de corresponder com acentos de amor e de veneração.
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