Por Frei Emanuele Boaga, O.Carm. Institutum
Carmelitanum. Roma, 27 de junho de 2003.
No cenário das origens do Carmelo
Teresiano uma figura tem suscitado, nos últimos anos, um grande interesse em
razão do seu papel decisivo na reforma do Carmelo ao lado de Santa Teresa de
Jesus e São João da Cruz. Trata-se de Jerônimo Gracián de la Madre de Dios, nascido em 1545 em Valladolid. Já sacerdote, entrou em
1572 na família teresiana em Pastrana e muito se empenhou em sua difusão.
Sendo uma pessoa gentil, fascinante e cortês,
tornou-se pouco a pouco o homem mais importante da reforma, à qual serviu com
todo o ardor de sua alma, guiado e sustentado por Santa Teresa de Jesus. A sua
vastíssima atividade em Castilha, Andaluzia e Portugal conheceu altos e baixos.
Depois da morte de Santa Teresa, sua situação na Ordem mudou
rapidamente. Dela foi expulso por divergências
surgidas entre ele e o Pe. Nicolau Dória sobre o modo de considerar a vocação
carmelitana na fidelidade à reforma teresiana.
Foi aprisionado por
piratas turcos e levado para Tunísia; é incrível o quanto fez e sofreu durante
os dois anos de sua prisão. Em seus pés foi impresso, com ferro quente, o sinal
da cruz para que por toda a vida a pisasse. Inclusive esteve a ponto de ser
queimado vivo. Resgatado por alguns amigos espanhóis, recuperou a liberdade.
Após provar sua inocência em Roma retornou ao Carmelo, mas na Antiga
Observância. Fixou-se em Bruxelas na Bélgica, onde morreu no mesmo ano em que
foi beatificada Santa Teresa (1614).
No passado, a historiografia tratou
de modo injusto este grande carmelita, diminuindo
a sua verdadeira contribuição para a reforma, e lhe atribuindo defeitos que na
realidade não tinha. Cerca de vinte anos atrás começou a desenvolver-se uma
ampla revisão de sua vida e das suas atividades, tendo como base uma releitura
da abundante documentação de notável valor histórico pesquisada meticulosamente
nos arquivos. Mesmo que esta documentação ainda não tenha sido totalmente
analisada, as conclusões dos estudos nos últimos anos estão levando, com mais
embasamento na realidade histórica, a uma maior valorização da personalidade e
da atividade deste filho e discípulo predileto de Santa Teresa de Jesus. Em
consequência disto, o Conselho Geral do Carmelo Teresiano no dia 15 de dezembro
de 1999 declarou oficialmente a reabilitação do “colaborador fiel e incansável
da nossa santa madre Teresa” e revogou a sentença de sua expulsão da Ordem.
Neste contexto deu-se uma maior
atenção aos numerosos escritos, maiores e menores, do Pe. Gracián, com
publicações no original e traduções em várias línguas. Entre estas obras
gracianas, importantes sobretudo para o conhecimento da origem e dos primeiros
desenvolvimentos do Carmelo Teresiano, a mais famosa e conhecida é sem dúvida a
Peregrinación de Anastasio. Nesta
obra de forte caráter autobiográfico, estão narrados pelo próprio Pe. Gracián,
que foi um dos protagonistas, os inícios do caminho da reforma dos Descalços,
as primeiras fundações e a sua posterior difusão, que conheceu não só sucessos,
mas também lutas e adversidades numa época rica de acontecimentos
políticos-religiosos. Nesta obra autobiográfica Gracián redigiu em 1612, sob a
forma de uma Carta a um amigo, uma
breve síntese, que no presente livrinho é oferecida pela primeira vez em
tradução portuguesa, feita com esmero pelo Carmelita Secular o professor José
Alberto Pedra, ao qual se deve também as precisas notas ilustrativas e
explicativas.
Quero parabenizar o professor Pedra
por este empreendimento, desejando-lhe também que possa em breve completar a
tradução portuguesa da Peregrinación de
Anastasio. Tenho certeza de que a presente publicação ajudará a admirar
sempre mais a figura do Pe. Jerônimo Gracián, o incomparável colaborador de
Santa Teresa de Jesus.
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