Paulo Suess, Missiólogo e assessor
teológico do Cimi
Em sua 51ª Assembleia Geral, realizada de 10 a 19 de
abril de 2013, em Aparecida, a CNBB aprovou "um texto de estudo” que
lembra tópicos herdados dos documentos de Puebla, Santo Domingo e Aparecida
(cf. P 644, SD 58, DAp 99e, 170, 179, 309): "Comunidade de comunidades:
uma nova paróquia”. Como herança e imperativo de Puebla, Santo Domingo e
Aparecida, a paróquia "comunidade de comunidades” foi genericamente
assumida nas "Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no
Brasil, 2011-2015” (DGAE, n.99) que consideram ser "urgente que a paróquia
se torne, cada vez mais, comunidade de comunidades vivas e dinâmicas de
discípulos missionários de Jesus Cristo”. Agora, a 51ª Assembleia Geral
procurou através da assunção contextualizada de um novo comunitarismo, na
contramão do individualismo da época, construir "uma nova paróquia”.
O texto discutido na CNBB "tem por finalidade
suscitar reflexões, debates e revisões da prática pastoral” no intuito de
iniciar um "processo de construção da nova paróquia” (n. 5). O texto não
foi pensado como ponto de partida para a construção de um novo documento da
CNBB com a participação das bases paroquiais, mas como um modelo que, na
prática pastoral, deve ser adaptado "aos diferentes contextos”. Dessa
adaptação vai depender, assim reza a Introdução, o "êxito” da construção
dessa nova paróquia (n. 5).
Algo semelhante aconteceu no começou do Vaticano II
(1962). A Cúria Romana preparou textos e os bispos do mundo inteiro deveriam
aceitar esses textos e adaptá-los às suas realidades. Mas os padres conciliares
não aceitaram esse método. Provavelmente havia um mal-estar semelhante no setor
maioritário da 51ª Assembleia de Aparecida, quando decidiu dar mais um tempo
para transformar um "Caderno Amarelo” ou "Verde” em "Documento
Azul”. Resta saber se o trabalho das bases é apenas fazer um novo arranjo de
flores que já foram cortadas ou se é possível levar cestos de flores do campo
ao santuário de Aparecida por ocasião da próxima Assembleia da CNBB.
1. Opção metodológica
Supõe-se que o envio do texto às bases é, em primeiro
lugar, um envio ao povo de Deus e não aos assessores do povo de Deus. Segundo,
que o texto não foi enviado para ser confirmado, mas para ser discutido e
renovado. A partir dessas suposições, a primeira pergunta às comunidades
deveria ser: "Vocês querem que se trabalhe as reflexões sobre a nova
paróquia na moldura do método indutivo ou dedutivo?” A diferença entre os dois
métodos e seu impacto sobre o conteúdo são grandes. Sinteticamente poder-se-ia
dizer: O método dedutivo aplica princípios gerais aos contextos e sua realidade
concreta. Faz 42 anos, que Paulo VI nos lembrou em sua Carta Apostólica
Octogesima adveniens(14.5.1971), que não basta recordar os princípios, afirmar
as intenções, fazer notar as injustiças gritantes e proferir denúncias
proféticas; estas palavras ficarão sem efeito real, se elas não forem
acompanhadas, para cada um em particular, de uma tomada de consciência mais
viva da sua própria responsabilidade e de uma ação efetiva (AO 48,2).
O método indutivo procura, a partir da realidade
concreta em que o povo vive, a partir da realidade contextual e histórica, a
partir das causas de estruturas paroquiais caducadas, construir novos modelos
comunitários que serão sempre submetias a novas experiências.
O
texto da CNBB tem quatro capítulos: perspectivas bíblica (1), teológica (2),
pastoral (4). Só no terceiro capítulo entra a realidade com uma reflexão sobre
"novos contextos: desafios à paróquia”. Como as reflexões bíblicas e
teológicas precedem os novos contextos e desafios paroquiais, não podem
responder a esses contextos e desafios. É uma opção metodológica aquém do DAp.
Aparecida traz já na primeira parte o "olhar dos discípulos missionários
sobre a realidade” sociocultural, econômica, sociopolítica, étnica, ecológica
(33-97) e eclesial diante de desafios novos e herdados [98-100]. Segundo
Aparecida, a missão dos discípulos missionários nessa realidade é sempre
implícita ou explicitamente uma missão evangelizadora, integral, específica,
contextual e universal que nos conduz "ao coração do mundo”, onde
abraçamos "a realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e
políticos da América Latina e do mundo” (148).
O texto da CNBB, que propõe para a construção da nova
paróquia "ter diante de nós [...] o próprio Jesus e sua maneira de
suscitar, organizar e orientar a vida em comunidade” (n. 3), comete um equívoco
histórico e mostra como o método dedutivo, por vezes, se aproxima ao
fundamentalismo. Nesse caso, a reflexão bíblica não responde aos desafios
posteriormente apontados nem apoia a "conversão pastoral” (DAp 370) almejada.
A cristologia das entrelinhas se tornar jesulogia.
2. A tradição metodológica recente
A cura do cego, nos evangelhos sinóticos, é o último e
mais significativo sinal de Jesus. Antes de aderir ao Caminho precisa vê-lo. O
papa João XXIII autorizou e assumiu o método indutivo em sua Carta Encíclica
Mater et magista (1961), onde escreve: "Para levar a realizações concretas
os princípios e as diretrizes sociais, passa-se ordinariamente por três fases
[...]. São os três momentos que habitualmente se exprimem com as palavras
seguintes: ver, julgar e agir” (MM 232). É o método do aggiornamento, das
portas abertas, do serviço à humanidade. A Constituição Pastoral Gaudium et
spes assumiu o discurso indutivo, partindo da vida concreta da humanidade, de
suas alegrias e esperanças, tristezas e angústias (cf. GS 1). A transformação
da paróquia tem que levar em conta essa "vida concreta da humanidade”,
seus horários e itinerários, seu lazer e trabalho, seus espaços de vida e suas
redes de comunicação.
Em sua Encíclica Ecclesiam suam (n. 27), Paulo VI
assume o discurso do aggiornamentode João XXIII "como orientação
programática”. Na última sessão do Concílio, o papa respondeu ao setor que
acusou o método indutivo do Concílio de ter desviado o foco teológico das matérias
tratadas para um foco antropológico:
Desviado, não; voltado, sim. Mas quem observa
honestamente este interesse prevalente do Concílio pelos valores humanos e
temporais, não pode negar que tal interesse se deve ao carácter pastoral que o
Concílio escolheu como programa, e deverá reconhecer que esse mesmo interesse
jamais está separado do interesse religioso mais autêntico, devido à caridade
que é a única a inspirá-lo (7.12.1965).
Sem análise da realidade da paróquia
contemporânea e da vida das pessoas que vivem nos condicionamentos dessa
realidade, a reflexão bíblica e teológica representam justaposições, oferecendo
o verniz de ideais e princípios passado por cima das estruturas obsoletas.
Aliás, o método indutivo é inclusive uma alternativa evangélica ao sistema
capitalista, que impõe regras e metas a partir de uma matriz central para
facilitar a criação de uma monocultura colonizadora supervisionada por
capatazes que administram filiais.
O pensamento indutivo dá voz de intervenção à
realidade concreta. Não teríamos que assim interpretar o gesto do papa
Francisco na Jornada Mundial da Juventude, no Rio, que, antes de falar aos
jovens, visita o Hospital São Francisco de Assis que se dedica à recuperação de
dependentes químicos e indigentes. Antes de dar orientações programáticas, o
papa se reúne com a Comunidade da Varginha que faz parte de uma grande favela e
com cinco jovens detentos. A "conversão pastoral” vai depender dessa voz
da realidade que interfere sobre nosso discurso.
Na construção de um texto sobre a "nova paróquia”
precisamos não só permitir, mas pedir e incentivar a participação das
comunidades. Como transformar as estruturas comunitárias que existem nas
igrejas, nos diferentes conselhos e nos sínodos, por exemplo, de instâncias consultivas
em instâncias deliberativas? Como transformar estruturas de supervisão, de
visitas rápidas e horas marcadas em estruturas de presença inculturada? O povo
prefere, às vezes, um pastor tocável a um padre Fórmula 1. Essas perguntas
configuram projetos e a metodologia do próprio texto poderia ser um exemplo
para a construção da "nova paróquia” que será participativa,
decentralizada e missionária.
3. A paróquia missionária
O método dedutivo do texto debatido na Assembleia da
CNBB não corresponde às exigências da "nova paróquia” que precisa tomar as
suas decisões a partir da realidade concreta e não a partir de princípios
abstratos que não funcionaram. Se tivessem funcionado não refletiríamos, nesse
momento, sobre a "nova paróquia”. A "conversão pastoral” é exatamente
a transformação de uma pastoral dedutiva, concentrada na mão do pároco que
considera as comunidades suas filiais com franquias padronizadas, em pastoral
indutiva.
Desde os anos 60, essa "conversão pastoral” já
está em andamento. Não precisamos inventar a roda, mas dar uma força
institucional para fazer girá-la "em comunhão e participação”. Quantos de
nós, leig@s, religios@s e sacerdotes não conhecem essas comunidades de
comunidades nas quais aprofundamos a nossa fé com a fé do povo de Deus,
ampliamos nosso horizonte de vida com o sofrimento dos pequenos e fortalecemos
nossa esperança ao consolar os desesperados! À maioria dos agentes pastorais
não faltam virtudes. Às vezes faltam e faltaram critérios na avaliação de sua
vocação, faltam tempo e paciência para viver seu ministério no meio do povo,
falta compreensão na administração de conflitos e mudanças.
Temos que fazer ressoar a mensagem do Ressuscitado:
"Alegrai-vos! Não tenhais medo!” (Mt 28,9.10). Não tenhais medo de dizer
às comunidades: "Vocês são Igreja plena e nós, agentes de pastoral,
sobretudo os bispos, nos empenhamos que essa plenitude não seja apenas
espiritual ou virtual, mas também sacramental”. As comunidades querem uma
pastoral integral, nem "uma pastoral de conservação, baseada numa
sacramentalização com pouca ênfase na prévia evangelização” (Medellín, 6,1.2),
nem uma pastoral sem "a participação plena na Eucaristia dominical” (DAp
253, cf. 149), já que "a Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do
discípulo com Jesus Cristo” (DAp 251) e o viático do missionário peregrino.
"Não tenhais medo” de dizer ao povo: para que
essa plena participação na Eucaristia aconteça, existem, na Igreja Católica,
dificuldades na compreensão da competência sacramental. Mas existe também o
imperativo da lei suprema que representa o último Artigo (cf. Cân. 1752) do
Direito Canônico: "A salvação das almas deve sempre ser a lei suprema”. Em
função dessa "lei suprema” e da "comunidade de comunidades”
precisamos repensar o tratado sacramental que se formou, basicamente, no tempo
pós-apostólico e medieval. Ao menos precisamos explicar onde estão as
dificuldades, as possibilidades e impossibilidades de avançar na discussão
sobre os "viri probati” que parou logo depois do concílio.
Desde
as origens da cristandade, o grande desafio pastoral, que é o pivô da
"comunidade de comunidades missionárias” foi transformar os cristãos
culturais e tradicionais em discípulos missionários. O processo de urbanização,
a volatilidade religiosa pós-moderna e a estrutura ministerial inadequada à
realidade pastoral, associados a muitos outros fatores, produziram, na América
Latina e no Caribe, uma redução dos católicos e presbíteros em números absolutos
(DAp 100a).
A precariedade numérica faz repensar a riqueza da
"natureza missionária” do povo de Deus. Como deixar aflorar essa
"natureza missionária”, aprisionada por estruturas institucionais? Como
abrir os olhos dos batizados para a realidade do continente e do mundo, e
chamá-los à sua responsabilidade (DAp 14, 33)? A realidade interpela aos
cristãos e seus pastores; cobra coerência com as promessas e os imperativos do
Evangelho e "um compromisso com a realidade” (DAp 491).
A análise foi feita por Aparecida. O texto sobre a
"nova paróquia” não precisa repetir as análises, mas coloca-las no chão
concreto das comunidades. Não tenhais medo de receber respostas ou propostas
inesperadas das comunidades! Onde encontram-se exemplos dessa missionariedade?
Não vamos dar respostas à perguntas que não existem! Não vamos proibir temas
sobre os quais não se pode falar! Deixemos as comunidades falar sobre as
estruturas paroquiais caducadas e sonhar com a "nova paróquia”! A novidade
da paróquia será a sua missionariedade como paróquia samaritana e advogada da
justiça dos pobres. Essa missionariedade perpassa todos os planos pastorais, o
livro de caixa, a formação dos agentes. Ela é vivida a partir de pequenas
comunidades que aprofundam sua fé na leitura da palavra de Deus, celebram sua
vida na Eucaristia e, ao anunciar a proximidade do Reino, procuram seguir
Jesus, na responsabilidade para com o mundo além de qualquer fronteira (urbi et
orbi), capaz de se converter, de perdoar e de curar as feridas da humanidade
(cf. Mc 1,15; RMi 14,2).
4. Horizonte metodológicos – Quatro
passos
1.VISÃO:
levantamento da realidade da paróquia e do povo com o povo.
2.PARTICIPAÇÃO:
estruturar e discutir esse levantamento com lideranças que estão em processo de
formação permanente.
3.COMUNHÃO:
construção das comunidades com as lideranças bem esclarecidas sobre metodologia
e objetivos.
4.MISSÃO:
anúncio do Reino aos pobres, conversão, perdão, cura real e/ou simbólica das
feridas da humanidade. Da MISSÃO, o discípulo missionário traz sempre uma VISÃO
mais profunda da realidade. O processo metodológico é de uma espiral, não de um
círculo.
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