Principal referência do PSDB, o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz ser "muito cedo" para
falar em candidaturas ao Planalto em 2018, mas considera que hoje "o
novo" no cenário político é representado por figuras como o prefeito
paulistano, João Doria, e o apresentador de TV Luciano Huck.
Instado pela Folha a avaliar o governo de
Michel Temer (PMDB), que na sexta (12) completa um ano, FHC afirma que o
peemedebista "entendeu que o papel dele ou é histórico ou é nenhum".
O tucano foi menos cruel do que em
dezembro, quando cunhou aquela que talvez seja a mais precisa definição da
gestão Temer, chamada por ele de "uma pinguela".
A imagem da ponte frágil colou, mas FHC
afirma agora que o presidente tem mostrado "mão firme no leme".
Sobre a sucessão de Temer, tema abordado
rapidamente na entrevista que concedeu por telefone na quinta (4), FHC alterna
cautela a insinuações de entrelinhas.
Doria surge naturalmente na conversa, já
que é estrela emergente no PSDB por ter alta popularidade e não estar associado
à Operação Lava Jato como seu padrinho político, o governador Geraldo Alckmin
(SP), ou o senador Aécio Neves (MG).
Citados em delações, os até então
presidenciáveis do tucanato viram suas intenções de voto derreterem. O PSDB
também perde pela associação ao impopular Temer.
Já o nome de Huck, amigo de FHC, foi
semeado pelo ex-presidente de forma quase fortuita. Se ele o fez para germinar
ou para dividir atenção com o prefeito paulistano, o tempo dirá.
O apresentador da Globo já disse que está
na hora de "sua geração" chegar ao poder, mas não confirma pretensões
eleitorais e até aqui não está filiado a nenhuma agremiação –foi sondado pelo
Partido Novo, sigla neófita em pleitos nacionais.
Num cenário ampliado da mais recente
pesquisa do Datafolha com inúmeros candidatos, inclusive dos mesmos partidos,
Huck aparece com 3%, e Doria, 5%. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) lidera esse e outros cenários de primeiro turno.
O tucano teceu também considerações sobre
a necessidade de reformas como a da Previdência, objeto de acalorada discussão
no Congresso, e falou de política. Considera que o PSDB não errou em embarcar
no governo de saída, contrariamente ao que desejavam correligionários seus como
Alckmin.
Também destoando da avaliação geral de que
as lideranças políticas tradicionais estão em sua maioria liquidadas pelas
denúncias de corrupção e caixa dois presentes nas delações da Lava Jato, FHC
lembra que a eleição presidencial de 2018 "é só daqui a um ano meio".
Folha
- Há seis meses, o sr. definiu o governo Temer como uma pinguela. Qual sua
avaliação do estado dela neste momento?
Fernando Henrique Cardoso - Bom, não é a
primeira pinguela que eu atravesso (risos). Eu fui, afinal, ministro da Fazenda
de Itamar Franco [1992-94], uma época muito conturbada. Então, para colocar de
forma elegante, considero esse um governo de transição. É preciso ter a mão
firme no leme. Temer tem dado sinais disso.
Por
exemplo?
A mudança da legislação trabalhista [ainda
em discussão no Congresso] é um exemplo. Eu sempre achei que seria impossível
acabar com o imposto sindical obrigatório. Era algo que parecia inabalável.
Há uma pressão enorme por causa disso
agora, como a tentativa de greve geral mostrou.
Sim. Mas um país moderno precisa de
sindicatos fortes, e é isso que a nova legislação privilegia. O fato é que
quando o sindicato é forte, organizado, ele tem sua expressividade de forma
natural. É assim também no lado patronal. O fim do imposto como ele é hoje
atinge esses inúmeros sindicatos fantasmas. O fato é que o governo tem feito
avanços significativos em várias áreas.
O
que não está bom?
A reforma política, para meu gosto,
poderia ser mais rápida. A questão é outra. O Temer entendeu que o papel dele
ou é histórico ou é nenhum. A sua força está no Congresso, que está numa
circunstância muito difícil devido à questão da Lava Jato. Todos, a oposição, o
PT, o meu partido, foram atingidos. Mas o balanço é positivo. Veja, o governo
vive uma crise herdada, assumindo uma massa falida. Às vezes, ele não tem tempo
de se beneficiar dos avanços. Às vezes, tem. Vamos ver.
O
sr. faz algum paralelo entre a resistência atual dos sindicatos às reformas e a
greve dos petroleiros de 1995 [quando FHC derrotou o movimento contrário ao fim
do monopólio da Petrobras no setor inclusive ocupando refinarias com o
Exército]?
Ali, como agora, ou eu ganhava ou eu
perdia. Há outros fatores também. O mercado não entende o Congresso, e o
Congresso não entende o mercado. São tempos diferentes, expectativas
diferentes. Os brasileiros estão inquietos, mas a questão é que se não fizermos
nada, o país vai virar a Grécia, vai virar o Rio de Janeiro.
O
governo enviou um projeto mais duro para poder negociar, mas a impressão é de
que a cada grito de setores atingidos há um recuo. O que o sr. acha?
Pois é. O recuo às vezes é ou não
justificado. Sempre há risco de perder, mas o ponto é que tudo vira crise. O
problema maior, na minha opinião, é a impressão de que possam ser mantidos
privilégios.
Houve
defeito na comunicação do governo sobre as reformas?
Não tenho dúvida. Mas ainda há tempo de
explicar que o texto a ser votado não é aquele texto inicial [enviado pelo
governo e modificado ao ser aprovado semana passada na comissão especial que o
analisou], que tinha pontos injustificáveis, como no aumento do tempo para
aposentadoria rural.
O
governo é impopular, e aparentemente isso é fator central para a impopularidade
dos presidenciáveis do seu partido, além de, naturalmente, as delações na Lava
Jato. O PSDB errou em entrar no governo?
Não. Era inevitável a entrada. Se não
entrássemos, seríamos acusados de irresponsabilidade. Seríamos criticados de
qualquer modo, mesmo se ficássemos de fora. Sempre há um preço a pagar. Eu
posso, de toda maneira, fazer um comentário quase cínico: a eleição é só daqui
a um ano e meio. Isso não significa que vamos apoiar, como partido político, ou
fazer uma reforma qualquer. Não faremos. Por exemplo, a proposta de um deputado
do meu partido [Nilson Leitão, do Mato Grosso] de mexer com as relações
trabalhistas rurais, aquilo é uma loucura [a ideia aventada permite algo que
críticos chamam de trabalho escravo legalizado, com pagamento na forma de
alimentação e estadia]. Não pode ser assim.
Sobre
2018, como o sr. vê o quadro fragmentado atual, com lideranças tradicionais
esvaziadas e a emergência de nomes pouco convencionais, como o do deputado Jair
Bolsonaro (PSC-RJ)?
Infelizmente, os partidos são muito
descolados dos interesses da sociedade brasileira. As pessoas vão votar, no
fim, em figuras que encarnem seus interesses. A sociedade contemporânea é muito
fragmentada.
E
Lula? Como o sr. lê o crescimento do apoio a ele, apontado pelo Datafolha [em
todos os cenários de primeiro turno, o ex-presidente petista lidera a corrida
presidencial]?
O Lula crescer eu achei um pouco estranho.
Novamente, falando nas figuras: o PT virou o Lula. Isso é ruim para ele, é ruim
para o partido. E o Lula perdeu a classe média e o pessoal do dinheiro, isso
não volta mais. A credibilidade está muito arranhada. Fora isso, nós temos de
pensar que ainda haverá a pressão da campanha, os temas da campanha, se ele for
candidato e se chegar ao segundo turno.
A
Lava Jato atingiu duramente nomes fortes do PSDB, e hoje a impressão é de que
todos no partido olham para João Doria como uma espécie de tábua de salvação.
Ele é uma incógnita?
É. Mas veja: o PSDB, ao contrário do que
dizem, sempre teve muitos quadros. Sempre tivemos três, quatro possíveis
candidatos. A questão é que o sistema político brasileiro não favorece a
formação de líderes nacionais. Fora de campanhas, quem aparecia nacionalmente?
O ex-presidente, o presidente e um ou outro candidato a presidente. Quando
alguém chamava atenção? Só os mais bizarros conseguiam. Isso agora mudou, está
mudando. O Doria está fora [desse esquema anterior], o Luciano Huck está fora.
Eles são o novo porque não estão sendo propelidos pelas forças de sempre. Temos
de ver como isso se desenrola. Eu hoje acho cedo perguntar quem vai ser
candidato. Temos de ver como o processo anda, como a sociedade está absorvendo
todo o impacto da Lava Jato.
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br
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