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segunda-feira, 9 de maio de 2016

*MONJAS CARMELITAS: Por trás das grades


A palavra clausura, termo latino tardio, provém de fechar e tem o sentido de confinar estando associada à ideia de encarceramento. Designava originalmente a ação de guardar objetos, animais ou pessoas. Depois, passou a indicar o instrumento adequado a esta finalidade. E, finalmente se transformou, vindo a indicar o ambiente em que as coisas guardadas ficavam circunscritas. Foi aplicada de modo particular às prisões. Também em cada tradição religiosa - seja cristã ou outras - sempre foi utilizada para indicar o serviço a uma divindade, como o fato de pessoas que viviam em continência, isoladas da sociedade e protegidas por estruturas particulares concretas, em reverência à mesma divindade.

No cristianismo a palavra clausura assumiu outros significados: de prisão punitiva, no monaquismo; no decorrer da Idade Média, quando entra lentamente no vocabulário e na realidade da Igreja. Do século V ao XIV algumas leis eclesiásticas falam da clausura monástica como forma de vedar ou controlar a abertura do mosteiro aos forasteiros, disciplina que contudo não foi aceita unanimemente. Por isso, seja no Decretum Graciani (séc. XII) ou nas Decretais posteriores (séc. XIII) não se encontram normas específicas do Direito Comum para a clausura. As motivações para esta lei , são no início, a necessidade do favorecimento de um ambiente de recolhimento próprio para a oração. Entretanto, bem cedo esta motivação foi trocada por outra que se tornou predominante e mesmo exclusiva:  a necessidade de proteção da castidade das monjas. Em tal sentido, são assaz reveladoras as primeiras palavras do Papa Bonifácio VIII, em 1298, em documento que instituiu a clausura para as monjas : À perigosa e detestável conduta de algumas monjas...

A principal finalidade desta lei era suprimir cada possibilidade de luxuria e, levando em conta situações particulares, estabelecer normas gerais para a vida de todas as monjas.  A Decretal Periculoso do Papa Bonifácio VIII está pois na base de toda a lei sucessiva relativa à clausura das monjas, chegando até nossos dias e encontrando sua acolhida em toda a parte. Também, a respeito da estrita clausura foram introduzidas com o tempo algumas excepções, como a referente à cura monialium e outras próprias dos costumes medievais, ligadas ao bispo diocesano, como a visita dos superiores maiores regulares, dos confessores e capelães (em alguns casos, para a administração dos sacramentos) dos reis com suas consortes e séquito, dos cardeais (que se podiam fazer acompanhar de um clérigo ou ajudante), do médico e dos operários segundo as necessidades.

As cláusulas da Decretal Periculoso vêm confirmadas pela reforma da vida de todas as monjas, empreendida pelo Concílio de Trento que justificou a ideia do encarceramento voluntário e decretou, pela parreira vez, a pena de excomunhão ipso facto pela violação desta lei. Esta legislação, contudo, não foi logo colocada em prática, em alguns lugares. Isto permite a Santa Teresa realizar as viagens para as fundações, coisa que de outra forma seria impossível, alguns anos mais tarde. Realmente, o decreto do Concilio de Trento foi então debatido e ulteriormente reforçado em sua aplicação, principalmente pelas intervenções dos Papas Pio IV, em 1564; S. Pio V, em 1566 com a Circa Pastoralis, e em 1568 com a Lubricum vitaæ genus e em 1570 com la Decori.

De 1566 em diante, o Cardeal Carlos Borromeu, arcebispo de Milão, promulgou uma série de normas desenvolvendo de forma minuciosa e rígida as leis da clausura das monjas, como forma de proteção de sua integridade. Tais normas, que incluíam o uso do véu, as grades, a roda para receber as coisas, etc, foram tomadas como modelos praticamente em todos os lugares onde se estabelecia a estrita clausura. Também exerceram influência para as intervenções posteriores da Cúria Romana. Ainda o Cardeal Borromeu empreendeu uma vasta ação para conduzir todas as mulheres religiosas à condição de monjas com votos solenes e portanto, vivendo em estrita clausura.

Uma preocupação ditada por fatores sócio-econômicos, religiosos e culturais que definiam a condição da mulher na Igreja e na sociedade do tempo, e ainda o fato de ser a clausura considerada como uma forma de proteção para a integridade da mulher, conduziu um bom numero delas a esta vida, ainda que não tivessem vocação religiosa. Somente a partir do século XVIII a Santa Sé permite às mulheres viverem em conservatórios, institutos de terceiras regulares, com votos simples, dispensadas da  obrigação de estrita clausura, vivendo esta de modo mais suave. Tem assim origem as congregações modernas.

Em 1669 acrescenta-se uma disposição ainda mais severa sobre a clausura: a Congregação do Concílio emana, em 11 de maio, um decreto que qualificava como pecado mortal o fato de que um regular (frei) falasse sem permissão, a uma monja na grade do parlatório, ainda que brevemente, e aplicava a pena de excomunhão ao infrator. Pio IX na Constituição Apostolicæ Sedis (10 de outubro de 1869), ressume brevemente todas as penas de excomunhão aplicadas aos violadores da lei.

A matéria sobre a clausura das monjas vem reorganizada no Código Pio-beneditino (1917) que coloca atenção nas normas que dizem respeito aos casos de entrada e saída da clausura bem como dos ambientes sujeitos a ela. Na prática, confirma a legislação precedente como também as penas canônicas para os transgressores (conforme o resumo feito por Pio IX, como dito acima).

Modificações e regulamentações são dadas com novos dispositivos: a instrução Nuper Edito (de 2 de fevereiro de 1924); a publicação das constituições apostólicas Sponsa Christi (21 de novembro de 1950) e os anexos Statuta Monialium, junto a outras instruções complementares da Congregação dos Religiosos (Inter præclara de 23 de novembro de 1950); Inter Cætera de 25 de março de 1956). Dentre os pontos introduzidos por estas intervenções vem a novidade da distinção entre a clausura papal  e a clausura episcopal.  A clausura papal por sua vez é dividida em clausura maior, aquela mais rígida para os mosteiros das monjas com votos solenes e vida puramente contemplativa e a clausura menor em forma mais suave, para os mosteiros de monjas com votos solenes e alguma atividade de apostolado. A clausura episcopal ou comum aplica-se às Congregações religiosas. Acrescenta a possibilidade de abertura da clausura para o cuidado administrativo dos bens e o exercício do voto civil.

O Concílio Vaticano II, na Perfectæ Caritatis n0 16, e o motu proprio Eclesiæ Sanctæ de Paulo VI, reafirmando a validade da clausura incentivam uma renovação segundo as condições dos tempos e dos lugares, abolindo os costumes que não têm razão de ser. Oferecem algumas indicações e princípios para esta adaptação. Divide a clausura em: papal para as monjas de vida contemplativa, constitucional para as monjas com alguma atividade apostólica e comum para as congregações religiosas.  Sobre tais princípios se baseia a Instrução Venite Seorsum (15 de agosto de 1969) sobre a vida contemplativa e a clausura das monjas. Esta última instrução oferece numa primeira parte a renovação das motivações que estão na base do uso da clausura, com fundamentos bíblicos e teológicos. Entretanto, na segunda parte, as normas oferecidas , ainda que um pouco menos rígidas que aquelas da legislação passada, não levam em conta as aplicações e considerações bíblico doutrinais e teológicas desenvolvidas na primeira parte do documento.

Uma evolução no sentido do alargamento, tem sido alcançada nas aplicações dos pontos questionados pelo Direito Proprio de cada Ordem de Monja. Para as Carmelitas Descalças, aplicando a Venite Seorsum a Congregação dos Religiosos emanou Estatutos particulares, seguindo uma linha mais rígida de interpretação. Entre as mesmas Descalças encontram-se posições diversas sobre esta mesma legislação no contexto dos trabalhos realizados para a elaboração das Constituições renovadas e definitas. Recentemente a Santa Sé emanou um novo documento sobre a clausura: Veni, Sponsa Christi.

Considerando as ideias e as concepções que foram expressas sobre a clausura das monjas no decorrer da história até nossos dias, faz-se necessário distinguir as motivações invocadas e as teorias espirituais elaboradas pelos legisladores a fim de justificar as leis. Emergem sempre, nas motivações dos legisladores, a dominação masculina sobre a mulher. Consideram o estado da monja de clausura ligado à concepção própria da idade feudal caracterizado por razões socioculturais do tempo e o medo  que a mulher sempre inspirou ao clero em relação à guarda da virtude. As teorias espirituais tendem a apresentar a clausura como o sinal de uma consagração vista em forma específica de vida eminentemente contemplativa caracterizada pela separação do mundo. As grades ou outras formas exteriores de separação são um símbolo embaraçoso e oprimente para alguns. Para outros, um símbolo de uma visão ultrapassada e inaceitável da mulher. Para outros ainda, não uma separação arbitrária mas um sinal de uma realidade de silêncio, na qual as religiosas se tornam um sinal luminoso e sutil.


*Cf. Voz de Clausura em DIP, vol II, col. 1166-1183.

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