A palavra clausura,
termo latino tardio, provém de fechar e
tem o sentido de confinar estando
associada à ideia de encarceramento.
Designava originalmente a ação de guardar objetos, animais ou pessoas. Depois,
passou a indicar o instrumento adequado a esta finalidade. E, finalmente se
transformou, vindo a indicar o ambiente em que as coisas guardadas ficavam
circunscritas. Foi aplicada de modo particular às prisões. Também em cada
tradição religiosa - seja cristã ou outras - sempre foi utilizada para indicar
o serviço a uma divindade, como o fato de pessoas que viviam em continência,
isoladas da sociedade e protegidas por estruturas particulares concretas, em
reverência à mesma divindade.
No cristianismo a palavra clausura assumiu
outros significados: de prisão punitiva,
no monaquismo; no decorrer da Idade Média, quando entra lentamente no
vocabulário e na realidade da Igreja. Do século V ao XIV algumas leis
eclesiásticas falam da clausura monástica como forma de vedar ou controlar a abertura do
mosteiro aos forasteiros, disciplina que contudo não foi aceita
unanimemente. Por isso, seja no Decretum
Graciani (séc. XII) ou nas Decretais
posteriores (séc. XIII) não se encontram normas específicas do Direito Comum
para a clausura. As motivações para esta lei , são no início, a necessidade do
favorecimento de um ambiente de recolhimento próprio para a oração. Entretanto,
bem cedo esta motivação foi trocada por outra que se tornou predominante e
mesmo exclusiva: a necessidade de
proteção da castidade das monjas. Em tal sentido, são assaz reveladoras as
primeiras palavras do Papa Bonifácio VIII, em 1298, em documento que instituiu
a clausura para as monjas : À perigosa e
detestável conduta de algumas monjas...
A principal finalidade desta lei era suprimir
cada possibilidade de luxuria e, levando em conta situações particulares,
estabelecer normas gerais para a vida de todas as monjas. A Decretal
Periculoso do Papa Bonifácio VIII está pois na base de toda a lei sucessiva
relativa à clausura das monjas, chegando até nossos dias e encontrando sua
acolhida em toda a parte. Também, a respeito da estrita clausura foram
introduzidas com o tempo algumas excepções, como a referente à cura monialium e outras próprias dos
costumes medievais, ligadas ao bispo diocesano, como a visita dos superiores
maiores regulares, dos confessores e capelães (em alguns casos, para a
administração dos sacramentos) dos reis com suas consortes e séquito, dos
cardeais (que se podiam fazer acompanhar de um clérigo ou ajudante), do médico
e dos operários segundo as necessidades.
As cláusulas da Decretal Periculoso vêm confirmadas pela reforma da vida de todas as monjas,
empreendida pelo Concílio de Trento que justificou a ideia do encarceramento
voluntário e decretou, pela parreira vez, a pena de excomunhão ipso facto pela violação desta lei. Esta
legislação, contudo, não foi logo colocada em prática, em alguns lugares. Isto
permite a Santa Teresa realizar as viagens para as fundações, coisa que de
outra forma seria impossível, alguns anos mais tarde. Realmente, o decreto do
Concilio de Trento foi então debatido e ulteriormente reforçado em sua
aplicação, principalmente pelas intervenções dos Papas Pio IV, em 1564; S. Pio
V, em 1566 com a Circa Pastoralis, e
em 1568 com a Lubricum vitaæ genus e
em 1570 com la Decori.
De 1566 em diante, o Cardeal Carlos Borromeu,
arcebispo de Milão, promulgou uma série de normas desenvolvendo de forma
minuciosa e rígida as leis da clausura das monjas, como forma de proteção de
sua integridade. Tais normas, que incluíam o uso do véu, as grades, a roda para
receber as coisas, etc, foram tomadas como modelos praticamente em todos os
lugares onde se estabelecia a estrita clausura. Também exerceram influência
para as intervenções posteriores da Cúria Romana. Ainda o Cardeal Borromeu
empreendeu uma vasta ação para conduzir todas as mulheres religiosas à condição
de monjas com votos solenes e
portanto, vivendo em estrita clausura.
Uma preocupação ditada por fatores
sócio-econômicos, religiosos e culturais que definiam a condição da mulher na
Igreja e na sociedade do tempo, e ainda o fato de ser a clausura considerada
como uma forma de proteção para a integridade da mulher, conduziu um bom numero
delas a esta vida, ainda que não tivessem vocação religiosa. Somente a partir
do século XVIII a Santa Sé permite às mulheres viverem em conservatórios, institutos de terceiras regulares, com votos simples,
dispensadas da obrigação de estrita
clausura, vivendo esta de modo mais suave. Tem assim origem as congregações
modernas.
Em 1669 acrescenta-se uma disposição ainda mais
severa sobre a clausura: a Congregação do
Concílio emana, em 11 de maio, um decreto que qualificava como pecado
mortal o fato de que um regular (frei) falasse sem permissão, a uma monja na
grade do parlatório, ainda que brevemente, e aplicava a pena de excomunhão ao
infrator. Pio IX na Constituição Apostolicæ
Sedis (10 de outubro de 1869), ressume brevemente todas as penas de
excomunhão aplicadas aos violadores da lei.
A matéria sobre a clausura das monjas vem
reorganizada no Código Pio-beneditino
(1917) que coloca atenção nas normas que dizem respeito aos casos de entrada e
saída da clausura bem como dos ambientes sujeitos a ela. Na prática, confirma a
legislação precedente como também as penas canônicas para os transgressores
(conforme o resumo feito por Pio IX, como dito acima).
Modificações e regulamentações são dadas com
novos dispositivos: a instrução Nuper
Edito (de 2 de fevereiro de 1924); a publicação das constituições
apostólicas Sponsa Christi (21 de novembro de 1950) e os anexos Statuta
Monialium, junto a outras instruções complementares da Congregação dos
Religiosos (Inter præclara de 23 de
novembro de 1950); Inter Cætera de 25
de março de 1956). Dentre os pontos introduzidos por estas intervenções vem a
novidade da distinção entre a clausura
papal e a clausura episcopal. A
clausura papal por sua vez é dividida em clausura
maior, aquela mais rígida para os mosteiros das monjas com votos solenes e
vida puramente contemplativa e a clausura
menor em forma mais suave, para os mosteiros de monjas com votos solenes e
alguma atividade de apostolado. A clausura episcopal
ou comum aplica-se às Congregações religiosas. Acrescenta a possibilidade
de abertura da clausura para o cuidado administrativo dos bens e o exercício do
voto civil.
O Concílio Vaticano II, na Perfectæ Caritatis n0 16, e o motu proprio Eclesiæ Sanctæ de Paulo VI, reafirmando
a validade da clausura incentivam uma
renovação segundo as condições dos tempos e dos lugares, abolindo os costumes
que não têm razão de ser. Oferecem algumas indicações e princípios para
esta adaptação. Divide a clausura em: papal
para as monjas de vida contemplativa, constitucional
para as monjas com alguma atividade apostólica e comum para as congregações religiosas. Sobre tais princípios se baseia a Instrução Venite Seorsum (15 de agosto
de 1969) sobre a vida contemplativa e a clausura das monjas. Esta última
instrução oferece numa primeira parte a renovação das motivações que estão na
base do uso da clausura, com fundamentos bíblicos e teológicos. Entretanto, na
segunda parte, as normas oferecidas , ainda que um pouco menos rígidas que
aquelas da legislação passada, não levam em conta as aplicações e considerações
bíblico doutrinais e teológicas desenvolvidas na primeira parte do documento.
Uma evolução no sentido do alargamento, tem
sido alcançada nas aplicações dos pontos questionados pelo Direito Proprio de
cada Ordem de Monja. Para as Carmelitas Descalças, aplicando a Venite Seorsum a Congregação dos
Religiosos emanou Estatutos particulares, seguindo uma linha mais rígida de
interpretação. Entre as mesmas Descalças encontram-se posições diversas sobre
esta mesma legislação no contexto dos trabalhos realizados para a elaboração
das Constituições renovadas e definitas. Recentemente a Santa Sé emanou um novo
documento sobre a clausura: Veni, Sponsa
Christi.
Considerando as ideias e as concepções que
foram expressas sobre a clausura das monjas no decorrer da história até nossos
dias, faz-se necessário distinguir as motivações invocadas e as teorias
espirituais elaboradas pelos legisladores a fim de justificar as leis. Emergem
sempre, nas motivações dos legisladores, a dominação masculina sobre a mulher.
Consideram o estado da monja de clausura ligado à concepção própria da idade
feudal caracterizado por razões socioculturais do tempo e o medo que a mulher sempre inspirou ao clero em
relação à guarda da virtude. As teorias espirituais tendem a apresentar a
clausura como o sinal de uma consagração vista em forma específica de vida
eminentemente contemplativa caracterizada pela separação do mundo. As grades ou
outras formas exteriores de separação são um símbolo embaraçoso e oprimente
para alguns. Para outros, um símbolo de uma visão ultrapassada e inaceitável da
mulher. Para outros ainda, não uma separação arbitrária mas um sinal de uma
realidade de silêncio, na qual as religiosas se tornam um sinal luminoso e
sutil.
*Cf. Voz de Clausura em
DIP, vol II, col. 1166-1183.
Nenhum comentário:
Postar um comentário